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Maratonistas têm maior probabilidade de ter cancro. Cientistas não sabem porquê

Atletas de resistência em excelente forma física apresentam incidência inesperadamente mais elevada de cancro do cólon do que a média da população. Os investigadores ainda estão a tentar perceber se a corrida de resistência provoca diretamente o problema ou se apenas o esconde.

Estamos habituados a ver os corredores de longa distância como símbolos de saúde: corpos magros, cheios de energia e endorfinas, capazes de percorrer trilhos de 160 quilómetros por prazer, com batimentos cardíacos tão baixos que poderiam ser confundidos com os de um cadáver.

Mas um estudo recente, apresentado numa conferência da American Society of Clinical Oncology mas ainda não publicado, vem desafiar esta ideia: os corredores de resistência mais exigentes podem estar mais propensos a desenvolver cancro do cólon.

Tudo começou quando Timothy Cannon, oncologista no Inova Schar Cancer Institute, reparou em algo estranho. Três dos seus pacientes, todos com menos de 40 anos, eram atletas de resistência em excelente forma física. Não bebiam, não fumavam e um deles era vegan.

E, ainda assim, todos tinham cancro do cólon em estado avançado, sem qualquer fator de risco habitual.

Intrigado, o oncologista norte-americano decidiu investigar o caso mais a fundo, conta o The New York Times. No seu estudo, Cannon convidou 100 corredores entre 35 e 50 anos a realizar colonoscopias, esperando encontrar muito pouco.

Mas os resultados que obteve surpreenderam-no, eram avassaladores: quase metade apresentava pólipos e 15% tinham adenomas avançados — o tipo de lesão que pode evoluir para cancro.

15% pode não parecer muito, mas é um valor elevado: supera em muito a percentagem da população em geral, entre 4,5% e 6%, e até a dos nativos do Alasca, que têm uma das taxas mais altas de cancro do cólon nos EUA, cerca de 12%.

A maioria destes corredores não tinha consciência do problema. Muitos atribuíram os seus sintomas como sangue nas fezes ou cólicas ao chamado “runner’s trots” (diarreia associada à corrida) ou a outros efeitos aparentemente benignos do exercício intenso.

Fiquei surpreendida — pensar-se-ia que correr é super saudável”, admite Laura Linville, de 47 anos, maratonista de longa data que participou no estudo. Descobriu que tinha sete pólipos, incluindo alguns tão grandes que teve de ser submetida a procedimentos médicos adicionais.

Um exemplo trágico é o de Josh Wadlington, que fazia várias ultramaratonas por mês e ignorou os sintomas durante anos. Morreu aos 41 anos. Outros dois atletas que inspiraram o estudo também já faleceram.

Os investigadores ainda estão a tentar perceber se a corrida de resistência provoca diretamente o problema ou se apenas o esconde.

Uma das teorias sugere que o exercício intenso desvia o sangue do intestino, deixando as células do cólon privadas de oxigénio e desencadeando ciclos de inflamação e reparação — que o corpo só consegue suportar um número limitado de vezes. É como tentar remendar o mesmo pneu furado repetidamente até ele deixar de funcionar.

Ainda assim, os especialistas alertam que são necessárias mais pesquisas, já que o estudo não incluiu um grupo de controlo.

O problema torna-se ainda mais complexo pelo aumento do cancro colorretal em idades jovens: quase 10% dos novos casos em todo o mundo surgem em pessoas com menos de 50 anos.

Isto levanta a questão: será um problema exclusivo dos corredores de resistência mais exigentes ou já se tornou uma tendência global?

Não há dados suficientes para recomendar que se deixem as sapatilhas de corrida e se passe para o ciclismo ou outro qualquer desporto.

Mas existe informação suficiente para um alerta: se é um corredor dedicado e sente que algo no seu corpo não está bem, não atribua automaticamente os sintomas ao desgaste normal da corrida. Pode ser algo muito mais sério.

ZAP //

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