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“É como se Portugal inteiro tivesse de fugir”. Zelenskyy lembra o 25 de Abril e pede apoio de Portugal na adesão à UE

O Presidente ucraniano usou a realidade portuguesa para explicar a dimensão do conflito no país e assinalou a proximidade do 25 de Abril, pedindo que a Europa de una contra a “ditadura russa”.

No muito aguardado discurso por videoconferência dirigido ao Parlamento português, Volodymyr Zelenskyy começou por agradecer o convite para falar aos portugueses.

O chefe de Estado ucraniano relatou de seguida algumas das atrocidades da guerra  lembrando “as novas sepulturas” encontradas com civis “no meio da cidade” e recorda as imagens “devastadoras” que correram o mundo dos corpos empilhados nas ruas.

A Rússia está a “matar os ucranianos só para se divertir”, incluindo crianças, acusa Zelenskyy, que enaltece as “várias humilhações” que as tropas de Moscovo já sofreram perante a resistência ucraniana.

O líder ucraniano sublinha que o país está a lutar “pela sobrevivência e não pela independência”. “Há pessoas deportadas. A Rússia está a fazer o que os outros regimes autoritários faziam” ao destruir “habitações e estruturas civilizadas”

“As pessoas foram obrigadas a cantar o hino russo para as humilhar. É isso que está a acontecer na Ucrânia em 2022. Lembramo-nos todos das fotografias dos corpos deitados no meio [da rua]. Os russos nem tentaram arrumá-los. Nem sequer os cidadãos que lá vivem conseguiram sepultá-los como deve ser”, denuncia.

Zelenskyy acusou ainda os soldados russos de violarem as raparigas ucranianas “simplesmente porque não são simpáticas”. “Os nossos cidadãos foram obrigados a sair do país, mas esperamos que regressem. Não são refugiados, no entanto, não sabemos quanto tempo vai durar a guerra”, lamenta.

O Presidente focou-se ainda na situação em Mariupol, que tem sido uma das cidades mais massacradas pelo conflito e onde já não existe “uma única habitação de pé”. “Foi um inferno. As pessoas ficaram sem água, sem luz e sem comida. Fizeram um crematório, para queimar os corpos, para não haver provas”, declara.

Zelenskyy realçou ainda o tamanho da catástrofe no país ao usar Portugal como escala. Já foram deportados 500 mil ucranianos para a Rússia, o que é “duas vezes a população do Porto” e pelo menos dez mil pessoas perderam a vida em Mariupol, uma cidade com um tamanho semelhante a Lisboa.

“Em 57 dias de guerra, mais de 1000 localidades ucranianas foram ocupadas pelos invasores que continuam a destruir as nossas cidades. Milhões de pessoas tiverem de fugir, é como se Portugal inteiro fosse obrigado a fugir do país”, aponta.

O 25 de Abril, que vai ser assinalado na segunda-feira, também não foi esquecido por Zelenskyy, que acredita que a Rússia quer iniciar “uma nova ditadura”.

“O vosso povo vai celebrar em breve o aniversário da revolução dos cravos que também vos libertou da ditadura. Vocês sabem o que outros povos estão a sentir, especialmente na nossa região onde havia liberdade. Depois da Ucrânia, eles vão tentar fazer o mesmo na Moldávia, Geórgia, países bálticos e outros. Nós podemos parar a ditadura da Rússia”, declara.

O apoio que a Ucrânia quer é “simples”, com Zelenskyy a pedir “armamento forte” e comparando a situação actual à 2.ª Guerra Mundial. O chefe de Estado ucraniano deixou ainda um apelo para que os portugueses “lutem contra a propaganda russa” e pediu aos políticos que apoiem a candidatura do país à União Europeia e que passem a mensagem junto dos países africanos de língua portuguesa.

Zelenskyy terminou a intervenção com um “muito obrigado” e falou ainda na “saudade”, uma palavra tão portuguesa. O seu discurso foi aplaudido de pé pelos deputados presentes, onde se notou a ausência do PCP.

Já o primeiro-ministro António Costa, a ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, a Ministra da Defesa, Helena Carreiras, e o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Francisco André — que estavam a representar o Governo — não aplaudiram a intervenção.

O Governo justifica a decisão ao Observador, afirmando que “seguiu a prática parlamentar de nunca se manifestar, o que acontece sempre, seja num debate com a presença do Governo, seja em sessões solenes” e sublinhando que “não há razão para criar um caso à volta disto porque o Governo fez o que faz sempre”.

“A luta do seu país pela liberdade é a luta da Europa toda pela liberdade”

De seguida, Augusto Santos Silva falou na qualidade de Presidente da Assembleia da República para encerrar a sessão solene, manifestando o apoio de Portugal às aspirações europeias da Ucrânia.

Santos Silva refere que enquanto membro dos 27 e da NATO, Portugal “se bate sempre pela preservação da unidade, essencial para a eficácia das decisões, e que nunca obstaculiza, antes favorece, os processos de decisão em curso que vão no sentido de apoiar cada vez mais o seu país”.

“Prezamos as aspirações europeias da Ucrânia e temos defendido, não só o reforço da cooperação no quadro do Acordo de Associação existente, como o exame pronto e atento, por parte das instituições europeias, do pedido de candidatura apresentado pela Ucrânia”, frisou o presidente da Assembleia da República.

O ex-Ministro lembrou ainda que Portugal condenou “desde o primeiro momento” e com “firme determinação” a invasão à Ucrânia e que os responsáveis políticos exprimiram imediatamente “solidariedade e apoio” ao país agredido. “Fizeram-no então, e têm-no reiteradamente feito, sem qualquer hesitação nem ambiguidade”.

O país fez ainda “corresponder os actos às palavras” ao reforçar a “participação militar na defesa europeia e atlântica” no seguimento da invasão, ao aderir às “medidas de sancionamento da Rússia e proteção da Ucrânia” e ao se mostrar disponível para acolher os ucranianos em fuga “sem qualquer restrição”, lembrando que já 31 mil refugiados chegaram a terras lusas.

“Este acolhimento mobiliza todos os portugueses: o Governo e a administração central, as regiões autónomas, os municípios, as organizações não-governamentais, as várias confissões religiosas, as escolas, as empresas, os sindicatos e, sobretudo, as pessoas comuns”, realçou.

Santos Silva lembrou ainda alguns dos laços culturais entre Portugal e a Ucrânia. “Temos muito orgulho em dispormos, desde 2019, numa praça de Lisboa, do busto do vosso poeta nacional Taras Shevchenko. E recordamos com emoção o encontro, nos anos da Grande Guerra, entre Sonia Delaunay, nascida na Ucrânia e então em fuga da guerra, e o nosso pintor Amadeo Souza-Cardoso”, afirmou.

“Para voltarmos à paz que permite e estimula o desenvolvimento dos laços culturais, precisamos de ganhar a paz. E, para ganhar a paz, precisamos de fazer frente à agressão. A luta do seu país pela liberdade é a luta da Europa toda pela liberdade. E a essa luta pela liberdade o Portugal democrático nunca faltou, não falta e não faltará”, rematou o Presidente da AR.

Adriana Peixoto, ZAP //

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