A Europa está a construir uma nova “cortina de ferro” — contra um possível ataque da Rússia

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O muro de Berlim caiu em 1989

Os países da Europa Ocidental que têm fronteira com a Rússia querem estar o mais preparados possível para o que Vladimir Putin possa fazer, e estão a  construir centenas de quilómetros de fronteiras fortificadas e todo o tipo de barreiras, para se defenderem de uma eventual agressão russa.

Em 1946, pouco tempo após o fim da II Guerra Mundial, o então primeiro-ministro britânico Winston Churchill afirmou num memorável discurso que uma “cortina de ferro” tinha descido sobre a Europa “de Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático”.

A expressão tornou-se célebre, para descrever a faixa de países do Leste da Europa,  integrados no Pacto de Varsóvia, que formavam uma barreira geográfica, política e militar entre a Europa Ocidental e a União Soviética.

A expressão começou a cair em desuso no final da década de 1980, com a queda do Muro de Berlim, 1989, as revoluções democráticas nos países da Europa de Leste e, finalmente, com a dissolução da União Soviética, em 1991.

Hoje, o termo “Cortina de Ferro” voltou à ordem do dia. Desta vez, porém, é o Ocidente que está a erguer barreiras ao longo das suas fronteiras.

Todos os países europeus que fazem fronteira com a Rússia e com o seu aliado Bielorrússia estão a acelerar planos para construir centenas de quilómetros de fronteiras fortificadas, a fim de se defenderem de uma eventual agressão russa.

As razões são claras. O quadro de segurança europeu do pós-Guerra Fria – assente no reforço das instituições internacionais e do comércio, na expansão da NATO e nas garantias militares dos Estados Unidos – está a ser posto em causa.

Finlândia

A Finlândia, que partilha 1.340 quilómetros de fronteira com a Rússia, anunciou, em 2023, a construção de um muro que abrange cerca de 15% dessa fronteira, com um custo superior a 400 milhões de dólares (cerca de 342 milhões de euros). deverá estar concluída em 2026.

A decisão foi motivada em parte pela invasão russa da Ucrânia, em 2022, mas também pelo aumento do número de russos a fugir para a Finlândia para escapar ao recrutamento militar.

Em 2023, o governo finlandês aprovou uma lei para erguer cercas mais altas e resistentes, já que as anteriores, em madeira, tinham sido concebidas apenas para impedir a passagem de gado.

Foram montados oito postos fronteiriços, incluindo a norte do Círculo Polar Ártico, complementados com maiores obstáculos no extremo sul do país.

Até em zonas remotas do nordeste da Finlândia estão a ser erguidas defesas, onde, até há pouco tempo, o movimento regular de russos e finlandeses para fazer compras era uma realidade quotidiana.

Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia

A Finlândia não foi a primeira. Em agosto de 2015, a Estónia anunciou a construção de uma vedação ao longo da sua fronteira oriental com a Rússia, após a anexação da Crimeia por Moscovo em 2014.

Em 2024, os Estados Bálticos e a Polónia propuseram reforçar ainda mais as suas fronteiras com um muro defensivo. O projeto abrange 698 quilómetros e custará mais de 2 mil milhões de libras.

Os planos e as obras estão agora a avançar mais rapidamente, já que os líderes bálticos receiam que um eventual cessar-fogo entre a Ucrânia e a Rússia permita a Moscovo redirecionar forças militares contra eles.

A Letónia vai investir cerca de 300 milhões de euros nos próximos anos para reforçar os seus 386 quilómetros de fronteira com a Rússia; a Lituânia planeia uma linha defensiva de 48 quilómetros contra uma possível invasão russa. A Polónia começou a erguer uma vedação permanente na sua fronteira com a Bielorrússia, como parte da sua defesa contra os eventuais aliados de Moscovo.

Estas barreiras serão acompanhadas de outros obstáculos físicos, como valas antitanque, “dentes de dragão” de betão com 15 toneladas, capazes de travar o avanço de tanques russos, grandes blocos e pirâmides de betão, bloqueios de estrada, portões metálicos maciços, campos minados e cabeceiras de pontes bloqueadas.

A Lituânia planeia ainda até 48 quilómetros de valas de drenagem, pontes preparadas para explosão e árvores assinaladas para cair sobre as estradas em caso de necessidade.

Os Estados Bálticos estão também a construir mais de mil bunkers, depósitos de munições e abrigos de abastecimento, para proteger os 965 km de território que confinam com a Rússia. Os bunkers terão cerca de 35 m2, capacidade para acolher até dez soldados e resistência a bombardeamentos de artilharia russa.

“Tapete de minas”

Recentemente, cinco dos seis países da NATO que fazem fronteira com a Rússia ou com a Bielorrússia — Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia — anunciaram a saída da Convenção de Ottawa, tratado firmado em 1997 por 164 países que proíbe o uso, produção e transferência de minas antipessoal.

A Noruega, que partilha cerca de 200 quilómetros de fronteira com a Rússia, é o único país que, até ao momento, se mantém no acordo.

A saída da Convenção de Ottawa tem o objetivo de permitir a estes países criar uma controversa “cortina defensiva” nas suas fronteiras com a Rússia e Bielorrússia: um “tapete de minas terrestres“.

Os cinco países apostam numa estratégia de máxima dissuasão: em combinação com as restantes medidas de segurança fronteiriça, o objetivo é infligir a um eventual invasor o maior número de perdas possível, no menor espaço de tempo – para dissuadir Moscovo de uma guerra prolongada.

Uma “muralha de drones”

Além das tradicionais infraestruturas defensivas que estão a ser montadas, estas defesas fronteiriças vão recorrer às mais recentes tecnologias, sistemas de alerta precoce e unidades de artilharia.

Em 2024, Lituânia, Letónia, Estónia, Polónia, Finlândia e Noruega anunciaram planos para a construção de uma Drone Wall, uma “muralha de drones” que vai da Noruega até à Polónia, com 2.975 quilómetros, destinada a proteger as suas fronteiras.

Drone Wall não é apenas um nome. Os seus criadores querem desenvolver um sistema que possa detetar e neutralizar ameaças de forma permanente.

Esta muralha contará com uma rede de sensores, composta por radares e sistemas de guerra eletrónica, para identificar e destruir drones russos. Segundos após a deteção de um alvo a atravessar a fronteira, entrará em ação um sistema de reconhecimento próximo com drones.

O escudo tentará evitar as ameaças da guerra híbrida empregues pela Rússia na Ucrânia, como incursões de drones, interferências de GPS ou atividades clandestinas nas fronteiras.

O projeto exigirá grande cooperação entre os países participantes. Empresas estónias já estão a desenvolver drones capazes de detetar e neutralizar ameaças em terrenos complexos de lagos, pântanos e florestas que cobrem a fronteira russa com os Estados bálticos.

A iniciativa não tem data de conclusão, mas, segundo dizem os seus promotores, poderia ser construída em apenas 12 meses.

Paralelos históricos

A “Cortina de Ferro” soviética não foi a primeira grande linha defensiva erguida na Europa no século XX.

Nos anos 1930, a França construiu ao longo das suas fronteiras um conjunto de barreiras defensivas, que ficou conhecida pelo nome de Linha Maginot, com o objetivo de impedir uma eventual invasão da Alemanha.

Na altura, os franceses assumiram que os alemães não conseguiriam atravessar a floresta das Ardenas, na Bélgica. A Linha Maginot falhou catastroficamente.

Embora as fortificações da Linha Maginot tenham levado os alemães a alterar os planos de ataque, a Bélgica ficou vulnerável, e durante a II Guerra Mundial as tropas nazis passaram pelas Ardenas facilmente, a caminho de Paris.

Hoje, a cooperação entre todos os países que fazem fronteira com a Rússia  e o conhecimento do terreno são cruciais para evitar os erros da Linha Maginot.

A nações europeias sabem que não podem evitar totalmente um ataque russo, mas podem, possivelmente, condicionar a sua natureza. O objetivo destas barreiras é simultaneamente dissuadir e tentar controlar o local de uma eventual invasão.

Se for anunciado um cessar-fogo entre a Ucrânia e a Rússia, os líderes bálticos receiam que o Kremlin possa reposicionar tropas nas suas fronteiras. E nessa altura, os países vizinhos da Rússia querem estar o mais preparados possível para o que Vladimir Putin possa fazer a seguir.

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