De skinheads a “movimento político”? O que liga o Chega e o Grupo 1143 de Mário Machado

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A marcha anti-muçulmanos que está marcada para 3 de Fevereiro em Lisboa tem por trás o Grupo 1143 de Mário Machado, que foi o mais famoso “skinhead” português. Mas, segundo o Projecto Global contra o Ódio e o Extremismo, o grupo neo-nazi está a renascer como “um movimento político”.

Uma investigação do Projecto Global contra o Ódio e o Extremismo (GPAHE, na sigla em inglês), organização não-governamental dos EUA que estuda grupos radicais de extrema-direita, aponta que o Grupo 1143 foi “ressuscitado” por Mário Machado, após ter hibernado durante algum tempo.

Recentemente, o grupo chegou às notícias por estar a organizar uma marcha anti-muçulmanos para Lisboa, a 3 de Fevereiro próximo.

A Câmara de Lisboa já anunciou que não autoriza a manifestação, mas Mário Machado, porta-voz do Grupo 1143, alertou que a iniciativa vai prosseguir, com uma acção de protesto no mesmo dia e no mesmo local.

“Vamos estar na rua”, prometeu aquele que foi o mais conhecido “skinhead” português, que esteve preso por diversos crimes violentos.

Ligações aos Hammerskins Portugal

Inicialmente, o 1143 era um grupo de adeptos ultra formado por dissidentes da Juventude Leonina, a claque do Sporting, liderado por Mário Machado.

Integravam o grupo vários “skinheads” com menos de 30 anos que protagonizaram alguns actos de violência em jogos de futebol, com gritos racistas pelo meio.

O Grupo 1143 era conhecido por usar cruzes suásticas como símbolos. Os seus membros tinham tatuagens neo-nazis e uma faixa branca com os dizeres “Sporting SSempre”, com os dois SS a fazer lembrar os raios nazis.

Documentos judiciais obtidos pelo GPAHE no âmbito do julgamento dos Hammerskins Portugal, grupo de neo-nazis violentos que também foi liderado por Mário Machado, revelam uma “relação de proximidade” com o Grupo 1143.

Em 2022, 22 membros dos Hammerskins foram condenados a penas entre os seis meses e os nove anos de prisão por crimes de homicídio, discriminação racial e sexual, detenção de arma proibida e roubo, após vários espancamentos a homossexuais, negros e muçulmanos na Grande Lisboa.

As buscas policiais realizadas em 2016, no âmbito desse caso judicial, encontraram objectos ligados ao 1143 na posse dos membros dos Hammerskins, indiciando ligações entre os dois grupos.

Mas as detenções dos elementos dos Hammerskins acabaram por afectar a actividade do Grupo 1143, que ficou “dormente” após a saída de Mário Machado, em 2014.

Mário Machado condenado a várias penas de prisão

O próprio Mário Machado teve à sua conta de problemas com a justiça, nomeadamente por ter integrado o grupo de “skinheads” que agrediu até à morte o cabo-verdiano Alcindo Monteiro em 1995, no Dia de Portugal.

Contudo, não se viria a provar o envolvimento directo de Mário Machado na morte, que acabou condenado a quatro anos e três meses de prisão por apenas oito casos de “lesões corporais simples” por agressões a pessoas de ascendência africana no Bairro Alto.

Em 2007, Machado voltou a ser condenado a 4 anos e 10 meses de prisão por discriminação racial, posse de arma, ameaças, coerção e agressão após vários “skinheads” terem agredido duas pessoas num bar em Peniche.

Dois anos mais tarde, foi condenado a sete anos e dois meses de prisão por crimes de sequestro, roubo e coerção.

Grupo 1143 renasce como “movimento político”

Enquanto esteve preso, Mário Machado concluiu o curso de Direito da Universidade Autónoma, e, após ter saído em liberdade condicional, em Maio de 2017, manteve-se afastado dos holofotes durante alguns anos. Mas nunca abdicou, realmente, das suas convicções políticas “nacionalistas”.

Machado, também antigo dirigente do extinto grupo neo-nazi Frente Nacional, que chegou a ter ligações ao Partido Nacional Renovador (PNR), está agora a usar toda a sua rede de contactos para fazer “renascer” o Grupo 1143, um processo que se iniciou no final de 2023, segundo o GPAHE.

A organização não-governamental realça que Mário Machado “reorganizou” o grupo, transformando-o num “movimento político” que se apresenta como “anti-muçulmano” e que inclui entre os seus membros “neo-nazis e skinheads”.

Membros do Chega “fazem parte do movimento”

O Grupo 1143 tem atraído “mais apoiantes fora dos círculos tradicionais de extrema-direita e dos neonazis” que “não se enquadram no estereótipo típico” de membros destas organizações, como repara o GPAHE.

“Vários actuais e antigos membros do Chega fazem parte do movimento“, adianta ainda a organização não-governamental, dando o exemplo de Rui Roque que foi expulso do partido depois de ter proposto, numa convenção, a remoção do útero das mulheres que fizessem um aborto.

Nas redes sociais, como é o caso do X, o antigo Twitter, há perfis que apoiam, par a par, o Grupo 1143 e o Chega.

O utilizador do X Mauro Silva, que se assume como militante do Chega, diz que vai à manifestação anti-muçulmanos organizada pelo grupo “como cidadão português”, “pela liberdade de expressão e contra o rumo que o país e a Europa estão a levar”.

Em perfis como o “Racismo contra Europeus” que usam o X para passar mensagens anti-Islão e anti-imigração, e para divulgar ações do Grupo 1143, são habituais os elogios ao Chega, nomeadamente pela abstenção no voto de repúdio da Câmara de Lisboa à marcha anti-muçulmanos de 3 de Fevereiro.

De resto, a retórica do Chega também vai ao encontro do que o Grupo 1143 refere como a “islamização da Europa”, embora de uma forma mais subtil.

A extrema-direita europeia reporta, recorrentemente, para a teoria racista da “Grande substituição” que diz que há um plano para substituir os europeus nos seus países por imigrantes e refugiados. Mas, no Chega, o discurso assenta, sobretudo, na ideia de que os muçulmanos podem representar uma ameaça terrorista.

Ainda recentemente, o deputado do Chega Pedro dos Santos Frazão partilhou no X uma publicação sobre “um ataque terrorista islâmico” numa Igreja Católica em Istambul, na Turquia. “Quem garante que não temos células do Isis/Hamas/Al-Qaeda/Hezbollah em Portugal?”, questiona na mesma mensagem.

“Orgulhosamente sós” e de cara tapada

As redes sociais são palco privilegiado para o Grupo 1143 divulgar as suas mensagens. Até porque alguns dos seus membros são “promotores regulares de conteúdos neo-nazis” em plataformas como o X, realça o GPAHE.

“Activistas locais do Chega, incluindo alguns que estiveram presentes em convenções anteriores do partido de André Ventura, podem ser vistos a gostar e a partilhar o conteúdo [do Grupo 1143] nas redes sociais”, constata ainda a investigação da organização não-governamental.

São habituais as publicações a divulgar acções do grupo em várias cidades do país, nomeadamente em Braga, Guimarães, Porto, Viseu, Loures, Santarém e em localidades do Algarve.

Os membros aparecem quase sempre com as caras tapadas – à excepção de Mário Machado – e com dizeres como “Reconquistar Lisboa aos mouros” e “Pela pátria lutar”.

Se outrora o grupo reunia somente adeptos ultra de Lisboa, agora tem membros por todo o país — e o recrutamento de novos simpatizantes é constante nas redes sociais.

A “máquina” de propaganda do grupo é alimentada pela venda de merchandising que inclui t-shirts, bandeiras e outros objetos com símbolos nacionalistas, e slogans como “Orgulhosamente sós” e “Portugal aos portugueses”. O grupo organiza também convívios com entradas pagas.

Nos últimos tempos, espalhou autocolantes pelas ruas de várias cidades portuguesas com os dizeres “contra a islamização da Europa” e com os símbolos do 1143 que reporta para o ano da fundação de Portugal, com a assinatura do Tratado de Zamora que garantiu a independência de Espanha.

Susana Valente, ZAP //

3 Comments

  1. Em 1143 Portugal tornou-se independente de Leão e Galiza (cristãos), não dos Mouros islamistas. Mas os factos históricos importam pouco para os lunáticos e os preconceituosos.

  2. @Afonso e quem disse que 1143 referia-se aos mouros islamistas a não ser alguns jornalistas ou comentadeiros incompetentes ?? Já que sabe tanto de historia atualize-se sobre o presente.

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