O desastre de Fukushima estupidificou as abelhas

Abelhas a recolher água açucarada num alimentador. Uma das abelhas transporta um código QR, permitindo que os labirintos automáticos a identifiquem.

Na área contaminada em redor de Fukushima, no Japão, os cientistas estão a estudar o impacto da radioatividade nas capacidades cognitivas de insetos polinizadores como abelhas e vespas.

As abelhas e vespas são conhecidas por terem uma ampla gama de capacidades cognitivas, incluindo a capacidade de reconhecer cores e navegar no espaço.

No entanto, a poluição por substâncias libertadas no ambiente pelos humanos, como pesticidas, pode prejudicar o seu desempenho.

Num novo estudo, os investigadores franceses Olivier Armant e Mathieu Lihoreau questionaram-se sobre o efeito que a radiação ionizante poderia ter nestes polinizadores.

Armant, investigador da ASNR, a agência francesa de segurança nuclear e proteção contra radiação, trabalha há anos no impacto ecológico deste tipo de radiação, tendo realizado estudos a longo prazo sobre a fauna e flora em redor de Chernobyl e Fukushima.

Por seu turno, Lihoreau, etólogo do Centro de Investigação em Cognição Animal do Centro de Biologia Integrativa, em França, tem realizado estudos sobre a inteligência das abelhas e os fatores que podem interferir com ela.

Recentemente, os dois investigadores criaram um conjunto de sistemas de monitorização automática da atividade biológica de certas espécies — que usaram para avaliar o impacto que o desatre de Fukushima teve nestas espécies.

“Estudo as capacidades de aprendizagem e memória das abelhas“, conta Lihoreau numa entrevista à CNRS. “Embora este seja principalmente um tema de investigação fundamental, também tem aplicações muito concretas em ecotoxicologia: se as abelhas apresentarem défices de aprendizagem em certos locais, significa que há um problema“.

Embora, por exemplo, muitos pesticidas sejam usados em doses suficientemente baixas para não matar estes insetos, acabam como resíduos no néctar de que se alimentam e podem ter um efeito neurotóxico, explica o etólogo.

Isto resulta em perturbações cognitivas difíceis de observar, como a incapacidade de associar uma recompensa a uma cor ou cheiro específico.

O sistema desenvolvido pelos dois investigadores franceses consegue medir estes efeitos — que, embora não sejam letais, são ainda assim graves, porque têm um impacto em cadeia na sobrevivência das colónias e, mais geralmente, nos serviços de polinização.

Quando perturbadas por alterações no seu habitat, as abelhas começam a procurar alimento em flores de diferentes espécies, em vez de se focarem apenas numa, e deixam de levar o pólen certo para as plantas certas, o que afeta todo o ecossistema.

O dispositivo desenvolvido pela equipa de Lihoreau, composta por biólogos, engenheiros, modeladores e ecologistas, tinha sido testado até agora apenas perto de Toulouse, no sudoeste de França, e não nas condições extremas de uma área como Fukushima, à qual os cientistas puderam aceder com a ajuda dos seus colegas japoneses.

Como testar abelhas?

Os locais onde as colmeias especiais desenvolvidas pelos investigadores foram instaladas foram selecionados com base no gradiente de contaminação do solo por césio-137.

A comunidade local de vespas foi também incluídos no estudo de cognição. Embora não seja claro se estas espécies são polinizadoras, vale a pena estudá-las, pois descendem de muitas gerações de insetos expostos à radiação, explica Lihoreau

Mas como se realizam testes cognitivos num inseto?  “O sistema baseia-se em protocolos experimentais convencionais desenvolvidos em laboratório nos últimos 50 anos”, diz Lihoreau.

Este sistema usa um labirinto em forma de Y, no qual o inseto pode escolher entre dois ramos iluminados por LEDs coloridos, azuis ou amarelos. O inseto precisa de entender que será recompensado com água açucarada, dispensada por uma bomba no final do ramo, apenas se escolher a cor certa.

Uma abelha saudável precisa de 10 testes em média para encontrar o caminho correto, seguindo as cores certas. “Este número permite-nos estabelecer curvas de aprendizagem, que podem ser comparadas para ver se há um impacto na sua capacidade de resolver o problema“, acrescenta Lihoreau.

O protocolo utilizado em Fukushima é automatizado. Cada abelha é equipada com um código QR de 2 mm de largura que é lido por uma câmara, ativando a abertura do labirinto.  Recentemente, cientistas da Penn State University usaram também códigos QR em abelhas para seguir os seus movimentos e ciclos da vida.

Mathieu Lihoreau

Uma das vespas testadas pelos investigadores, equipada com um dosímetro

Esta personalização torna possível testar o processo de aprendizagem de cada inseto individual, cujo comportamento é filmado, analisado e enviado em tempo real para um servidor. Toda a operação é alimentada por painéis solares.

As vespas, que são demasiado grandes para entrar no sistema, foram testados manualmente em labirintos mais tradicionais. “Os nossos colegas japoneses inicialmente tentaram dissuadir-nos de as manipular, porque são perigosas”, recorda Lihoreau.

“No entanto, são extremamente úteis para compreender o impacto ambiental da contaminação radioativa, porque estes predadores estão no topo da cadeia alimentar e, ao contrário das nossas abelhas, sempre estiveram presentes na área, desde muito antes do acidente nuclear.”

Embora os resultados do estudo ainda não tenham sido publicados, os cientistas já conseguiram identificar um declínio na cognição dos insetos na área contaminada da Prefeitura de Fukushima.

Podemos ver correlações“, diz Armant. “No entanto, ainda não foi estabelecida uma relação causal com a contaminação radioativa. Mas como a área já não é habitada, é improvável que o efeito se deva a fatores como pesticidas“.

ZAP //

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