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Nova lei de criptomoedas nos EUA pode abrir caminho para a próxima crise financeira global

Lei GENIUS: a nova lei americana sobre as criptomoedas está a preocupar economistas. Pode abrir caminho para a próxima crise financeira mundial.

No dia 17 de junho, o Senado dos EUA aprovou a Lei GENIUS, que foi considerada uma grande vitória para o sector das criptomoedas.

O projeto de lei visa regulamentar um tipo de criptomoeda conhecido como “stablecoins”.

No entanto, como refere o economista catalão Sergi Basco, num artigo no The Conversation, um olhar mais atento sobre a lei revela que esta pode, muito facilmente, conduzir ao próximo colapso económico mundial.

Para compreender a Lei GENIUS, olhemos para os primórdios das criptomoedas. Foram criadas como moedas descentralizadas cuja oferta – e, portanto, valor – não seria determinada por pessoas de fato escuro em Washington DC ou Frankfurt, mas sim por um sistema informático complexo e globalizado.

A mais proeminente das primeiras criptomoedas foi a Bitcoin, e a ideia era que fosse semelhante ao ouro. Poderia ser extraída para proporcionar um fornecimento (quase) constante, oferecendo um regresso à era do padrão-ouro, quando o valor de qualquer moeda era determinado pelo valor do ouro e não pelas economias nacionais.

No entanto, a forma mais benigna de definir a criptomoeda atualmente é um casino. De facto, as pessoas investem em criptomoedas precisamente porque não são estáveis e fiáveis como o ouro, mas sim porque o seu valor volátil pode levar a enormes retornos sobre o investimento.

Uma vez que os fatores que determinam o seu preço não são muitas vezes claros, o investimento em criptomoedas é essencialmente um lançamento de dados. Obter lucros no comércio de criptomoedas é muitas vezes tão provável como ganhar na roleta.

Tornar as criptomoedas credíveis

A indústria das criptomoedas compreendeu que esta elevada volatilidade (e imprevisibilidade) era uma barreira para atrair investidores mais cautelosos. Para dar uma aparência de estabilidade, as empresas começaram a criar “stablecoins”: criptomoedas cujos preços estão indexados a outra moeda.

Imagine-se, por exemplo, que uma dada empresa chamada “T” cria a sua própria criptomoeda, “t-coin”, que está indexada ao dólar americano a uma taxa de 1:1.

Se comprarmos uma t-coin, sabemos que podemos voltar à empresa T e obter 1 USD. Se a empresa não me puder fornecer 1 USD, a moeda e a empresa entram em colapso e os investidores que compraram t-coin perdem o seu dinheiro.

Este tipo de colapso está longe de ser hipotético. Na Coreia do Sul, em 2022, a stablecoin Terra, indexada ao dólar, caiu a pique, provocando um colapso cataclísmico que eliminou cerca de meio bilião de dólares dos mercados internacionais de criptomoedas de um dia para o outro.

Criptomoedas seguras?

Sergi Basco conta que há uns anos teve o “prazer de visitar um casino em Las Vegas”.

À entrada, trocou dólares americanos por fichas de casino ou “chips”, que utilizou em vez de dinheiro dentro do casino. Se, no final da noite, ainda restassem algumas fichas, podia trocá-las novamente por dólares à mesma taxa.

Uma stablecoin é essencialmente a mesma coisa, mas com fichas eletrónicas em vez de fichas de casino.

Com a aprovação da Lei GENIUS no Senado dos EUA, grandes empresas como a Amazon e a Walmart já estão a planear emitir as suas próprias stablecoins para utilização dos clientes.

Mas a ideia de as empresas terem a sua própria moeda levanta algumas questões sérias. Poder-se-ão utilizar tokens da Amazon para pagar no Walmart, ou vice-versa?

O valor dos tokens da Amazon será o mesmo se eu os utilizar para pagar no Walmart? Se cada uma das grandes empresas dos EUA decidir criar o seu próprio token, que token utilizar para cada transação?

Uma vez que a Lei GENIUS irá regulamentar as stablecoins, as pessoas podem pensar que todas as stablecoins são igualmente seguras. No entanto, tal é impossível de garantir e subsistem enormes dúvidas sobre a forma como as empresas poderão tirar partido das suas próprias stablecoins.

A próxima crise financeira mundial

Durante a sua ida ao casino, Basco diz não ter tido qualquer receio de que, quando fosse trocar os meus tokens por dólares americanos, o estabelecimento cumprisse a sua parte do acordo.

No entanto, imagine-se que levava as fichas para casa e voltava na noite seguinte e descobria que o casino tinha fechado ou que não tinha dólares suficientes para me levantar o dinheiro.

O mundo já viveu várias crises monetárias como esta, em que um país, em vez de uma empresa, emite uma moeda indexada.

A Argentina é o exemplo clássico. Entre 1991 e 2002, o Banco Central argentino prometeu trocar um peso por um dólar, mas isso distorceu artificialmente o comércio com as economias que não usam o dólar. Seguiu-se uma crise económica, que se agravou quando a paridade foi finalmente eliminada.

Agora imagine que, nos EUA, uma grande empresa emite 100 mil milhões de moedas estáveis indexadas ao dólar americano. A empresa é bem sucedida e tem ativos suficientes (incluindo títulos ou obrigações do tesouro americano) para garantir o valor da moeda. Continua a emitir mais “stablecoins”, mas depois as suas finanças sofrem uma reviravolta.

Isto desencadearia uma reação em cadeia. A dada altura, os investidores aperceber-se-iam de que a empresa emitiu mais stablecoins do que o valor dos títulos do tesouro americano que afirma possuir. Começariam então a devolver stablecoins, o que levaria a empresa a vender os seus títulos do tesouro americano para (provavelmente sem sucesso) acalmar os investidores nervosos.

“Os efeitos começam rapidamente a fazer-se sentir”, refere Sergi Basco.

Uma venda de obrigações dos EUA diminuiria o preço das próprias obrigações, provocando um aumento das taxas de juro dos EUA. Um aumento súbito, inesperado e drástico das taxas de juro dos EUA poderia facilmente traduzir-se numa crise financeira global, uma vez que os bancos e os governos de todo o mundo enfrentariam subitamente crises de solvência.

A regulamentação não é uma garantia

Ao abrigo da nova legislação, as empresas que emitem stablecoins serão reguladas e os reguladores certificar-se-ão de que têm reservas suficientes para cumprir as suas promessas se os investidores começarem a entrar em pânico.

No entanto, os reguladores financeiros dos EUA não são infalíveis.

Ainda há poucos anos, não repararam que o Silicon Valley Bank tinha demasiados ativos em risco de aumento das taxas de juro, um lapso que provocou o colapso do banco em 2023.

“Por conseguinte, não é difícil imaginar uma situação em que várias empresas possam emitir irresponsavelmente demasiadas stablecoins. Se isso acontecer, as consequências poderão ser terríveis, não só para os EUA, mas para toda a economia mundial“, finaliza o especialista Sergi Basco, no seu artigo.

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