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Após mortes nos Comandos, recruta quis desistir, mas acabou preso

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António Cotrim / Lusa

O Ministério Público acusou 19 militares, incluindo um médico e um enfermeiro, no caso das mortes dos recrutas do curso de Comandos Hugo Abreu e Dylan Silva, em Setembro de 2016, concluindo que vários instruendos quiseram desistir, mas que foram impedidos de o fazer – e um deles foi mesmo preso.

O comandante do Regimento de Comandos, coronel Dores Moreira, é um dos acusados pela procuradora do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, Cândida Vilar, no âmbito do processo em torno das mortes de Hugo Abreu e Dylan da Silva, durante as provas do Curso 127, em Setembro de 2016.

Ao coronel, que vai ser investigado pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, são imputados três crimes, entre os quais o da prisão ilegal de um recruta que quis desistir do curso, conforme reporta o jornal Público.

Este instruendo de 21 anos terá pedido para desistir, mas não o deixaram fazê-lo. Ele acabou por decidir fugir, ao cabo de três dias do primeiro pedido para desistir, escapando “por um buraco na rede ao lado do portão de saída”, refere o diário.

O recruta refugiou-se na casa dos pais que receberam um telefonema do comandante de formação “ameaçando considerá-lo desertor“, conta a publicação.

Ele decidiu assim, voltar ao regimento com o intuito de confirmar a desistência do curso, mas “o comandante de formação colocou-o sozinho numa caserna, onde não podia falar com ninguém”, refere o Público.

Cândida Vilar conclui assim, que o soldado “ficou em regime de prisão, ou pelo menos de sequestro, sem qualquer fundamento“, culpando directamente o comandante do Regimento de Comandos por esse facto, segundo a mesma fonte.

A procuradora acrescenta no processo que, depois da morte de Hugo Abreu, “muitos dos formandos pretenderam desistir”, mas que foram “obrigados a permanecer no curso”.

O recruta que fugiu passou três dias na caserna, “era levado como se fosse um preso para as refeições” e “no refeitório era colocado num canto sozinho e virado para a parede”, relata o Público.

Como alegações para a desistência, o recruta alegou que “não gostou do que viu na Prova Zero”, referindo que “foi empurrado”, “ao pontapé”, “para cima dos colegas que já tinham sido atirados para as silvas, como castigo por pedirem água ou não aguentarem o que lhes era exigido”.

Entre os 19 militares acusados no processo, estão o director do curso, tenente-coronel Mário Maia, o comandante de formação, capitão Rui Passos Monteiro, o capitão-médico Miguel Onofre Domingues, o enfermeiro, sargento João Coelho, o comandante e o encarregado da instrução do grupo de graduados, tenente Hugo Pereira, o sargento Ricardo Rodrigues e o comandante de grupo, tenente Miguel Almeida, conforme refere o Público.

Em causa estão os crimes de abuso de autoridade e ofensas à integridade física agravadas.

A Procuradora considera que “há indícios abundantes de terem sido cometidas ofensas à integridade física dolosas” e que “há prova” para atribuir as mortes “a essas ofensas à integridade física, no plano objectivo, e aos militares que supervisionaram as provas ao nível subjectivo”, cita o Público.

Os militares acusados arriscam penas que podem ir dos oito aos 16 anos de prisão efectiva.

ZAP // Lusa

6 Comments

  1. Pois, este recruta é um VERDADEIRO HERÓI!
    Um herói porque não se vergou à tirania, e manteve as suas referências, mesmo nas situações mais adversas.
    Já a hierarquia militar, que deveria orientar este recruta e com o qual o recruta deveria aprender e crescer, é uma vergonha, uma miséria nos princípios e nas atitudes e acima de tudo muito FRACA, porque mais uma vez quis ser arrogantemente “forte” com os mais vulneráveis.
    Agora que se conhece oficialmente o que se passou (porque oficiosamente sempre se soube), agora que a vergonhosa conduta da hierarquia militar teve a derradeira consequência – perda de vidas humanas, que pelo menos não se assobie mais uma vez para o ar e haja coragem para se mudar alguma coisa, honrando-se a coragem dos recrutas que souberam bater o pé à tirania e dar voz ao que se passou.

  2. …se não esta preparado para encarar a morte então não deve ser um Comandos, deixa para quem tem nervos para isso, para tornar-se um membro de elite tem que ter isso em mente. Ou vai chorar no num possível conflito quando o colega do lado morrer???

    • Foi exactamente isso que tentaram alguns e não conseguiram: sair. Para serem membros de «elite» pelos vistos é preciso não se ter miolos, sensibilidade e dignidade. Porque não recrutar zombies? Aguentam tudo, já estão mortos de qualquer maneira.

  3. Mas será que é tudo ignorante (refiro-me ao Ministério Público e aos comentadores daqui)? As forças Armadas não é uma democracia!!! Quem entra para lá sugeita-se. Quis sair? Então porque entrou? Achava que era pêra doce? Só anda lá quem quer! é óbvio que não vão lá para morrer, mas; por outro lado, o que faz um soldado (a sério)? Mata ou é morto. Ou vocês acham que ir para as Forças Armadas é só para a brincadeira? O Ministério Público nunca devia ter metido o bedelho num assunto que desconhece totalmente. É um Tribunal Militar que deve julgar estas coisas. “abuso de autoridade e ofensas à integridade física agravadas”. Isto é prova disso! É SUPOSTO QUE ISTO HAJA!!! Então acham que um recruta (que já veio da outra recruta) dos comandos… DOS COMANDOS!!!… Deve ser tratado com paninhos quentes? Coitadinho dele quando fôr para o palco de guerra… Morre em dois tempos!
    O homem desertou, mas depois voltou… Então acham que nas Forças Armadas são obras de caridade? Foi preso, pois então! Talvez tivesse sido preso por mais tempo se não se tivesse entregado.
    “Cândida Vilar conclui assim, que o soldado “ficou em regime de prisão, ou pelo menos de sequestro, sem qualquer fundamento“” Sem qualquer fundamento? Cá está o total desconhecimento das leis militares. O fundamento é o seguinte: DESERTOU! Chega? É no que dá civis julgarem militares. Merd…a!
    “não gostou do que viu na Prova Zero”. Então achava que ia ser um mar de rosas?… É parvo e acho bem que seja preso! Quanto mais não seja, pela parvoíce!

    O senhor (ou senhora) Pois, revela também total ignorância do que é o serviço militar. Especialmente algo ainda mais exigente como os Comandos.
    “Um herói porque não se vergou à tirania, e manteve as suas referências, mesmo nas situações mais adversas.” Um militar não tem escolhas nem direitos! Tem de obedecer aos superiores (a menos que seja contra as regras militares) sem hesitação! Já ouviu o juramento? Sabe o que lá diz? A pátria primeiro e depois a familia. Os seus valores? Isso é cá fora. Lá dentro, os seus valores acabam. Não sabia? Informe-se. Talvez não diga tantos disparates. Um herói? Por ser parvo? O seu conceito de herói está um pouco “desfocado”… Os verdadeiros heróis são os bombeiros voluntários que arriscam a vida por quase nada… Esses são os heróis. Os soldados? São mercenários. São gente que é paga para defender os interesses de alguns (e não da pátria) a matar ou a ser morto.
    Depois deste desabafo, gostaria de dizer e afirmar, que sou totalmente contra a existência de Forças Aramadas portuguesas. Mas isso não quer dizer que não compreenda a “forma agressiva” como eles são tratados. Porque é assim! Quem não quer, não vai. Essa de ir e depois já não querer, não pega. É demosntração de burriçe pura!

    • Concordo em quase tudo com este comentário, diz-se até que “chuva civil não molha militar”, o que quer dizer que as regras civis não se aplicam aos militares. Fiz serviço militar quando este era obrigatório, hoje isso já não acontece, quem vai para lá sabe ao que vai e quão rigorosa é essa formação, ainda mais nas tropas especiais. No meu tempo também não era fácil desistir, mesmo por “objecção de consciência”, mas o serviço militar era obrigatório. Hoje é um emprego e deveria poder-se desistir quando se entendesse que era o momento sem que houvesse objecção de qualquer entidade, levando como castigo, o militar desistente, o ressarcimento integral das despesas efectuadas pela entidade militar, o que parece que são as regras e me parece justo..
      É apenas a minha opinião e vale o que vale.

      • Essa da “chuva civil não molha militar” está demais. Embora tenha sido por pouco tempo (razões de saúde) também fiz serviço militar (obrigatório) a apercebi-me como aquilo funciona. Não há democracia nem pode haver. Isso é algo que os comuns “mortais” não atingem. Só lá estando mesmo.
        Tem razão quando diz que é emprego. Mas há um contracto que tem de ser respeitado. E não me parece que as regras civis sejam aplicadas no mesmo. Não concordo consigo quando diz que deveriam poder desistir. O que acho é que os recrutas deveriam informar-se e serem informados (devidamente) para o que vão antes de assinarem o que quer que seja. Por exemplo: Quem estivesse interessado; sem assinar o que quer que seja; experimentar a vida da recruta por uma semana. A qualquer altura poderia sair desta “semana” (uma espécie de estágio). Após esta, se ainda quisesse ficar, então seria de forma informada. É também a minha opinião e vale o que vale. Obrigado pelo comentário assertivo e informado.

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