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Mil casos diários era de “esperar”, mas não é “alarmante”. Cadeias de transmissão mais difíceis de controlar

Guillaume Horcajuelo / EPA

O dia de ontem ficou marcado pelos números elevados de novas infeções. Foi o segundo pior dia da covid-19 em Portugal, ainda assim foi o dia menos alarmante, uma vez que o número de mortes continua reduzido, tal como os internamentos. Pode-se respirar de alívio, mas esta situação pode mudar rapidamente, até porque controlar as cadeias de transmissão está a ser cada vez mais difícil.

Os mais de mil casos de infeção registados esta quinta-feira pela DGS, não surpreenderam os especialistas portugueses. Francisco Antunes, infeciologista do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, disse ao Observador que apesar Portugal já estar a entrar numa segunda vaga, para já não é “alarmante”. Contudo, admite que o crescimento está a ser mais acentuado que o da vaga anterior.”

Jaime Nina, infeciologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, explica que apesar de haver um grande aumento diário de casos, o que importa “são as mortes”, pois “o número de casos varia muito de acordo com o número de testes que se faz.

Em março ou abril faziam-se menos testes e eram testadas as pessoas em estado mais grave, por isso os números eram mais pequenos. Agora, felizmente, fazem-se mais testes e, por isso, apanham-se mais casos ligeiros”, explica o especialista.

Mas então, o que está a mudar para haver menos mortes? Além da capacidade de testagem, outros dois aspetos. O primeiro é a idade: se nas últimas duas vezes em que o país ultrapassou a marca dos mil casos diários os jovens na faixa etária dos 20 aos 29 anos representavam cerca de 10% do total dos contágios, esta quinta-feira a percentagem passou para os 16%, diz o Observador.

O segundo aspeto relaciona-se com a pressão que a covid-19 está a exercer no sistema nacional de Saúde. A 10 de abril, o número de doentes internados era de 1179 pessoas, e estavam 226 doentes nos cuidados intensivos. Esta quinta-feira, os números são menores do que os valores de há seis meses: 801 internamentos em enfermaria, e 115 nos cuidados intensivos.

O facto de haver menos mortos e menos pessoas internadas é um sinal positivo, mas que deve ser interpretado com cautela, avisa Francisco Antunes. Para o infeciologista só há uma maneira de travar o avanço destes números: “proteger as pessoas vulneráveis. E tenho alguma dificuldade em perceber como é que não foram tomadas mais medidas sanitárias em relação a todos os lares”.

Celso Cunha, virologista do IHMT, concorda com o colega e afirma que “nem o número de mortes, nem o número de internados está perto dos valores do pico da epidemia. Estamos longe disso”. Porém, alerta que “se o número de novos casos continuar a subir, é provável que esses números também subam até valores próximos aos do pico da epidemia”.

Jaime Nina também afirma que “devíamos estar a testar mais”. O médico explica que “é preciso um bom rastreio de casos e um isolamento eficaz”.

Fazer mais testes, como acontece em Singapura, Hong Kong, Taiwan, e outros, tem significado menos letalidade, garante o infeciologista. “Estes países têm um número de casos semelhante ao nosso, mas, se olharmos para o número de mortes, Singapura tem 27 mortes. Conseguem descobrir os casos muito precocemente”.

Dificuldade em quebrar cadeias de transmissão

Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, garante que ultrapassar as mil infeções por dia “é uma barreira mais psicológica do que epidemiológica”, uma vez que não há qualquer quantificação que coloque uma linha vermelha nos mil casos.

Contudo, Mexia considera que o que está em causa é a capacidade de quebrar cadeias de transmissão, sendo cada vez mais difícil aos médicos “já muito assoberbados” garantir que são feitos todos os contactos nas vigilâncias ativas.

“É muito difícil conseguir dar resposta de forma sistemática a este tipo de pressão e agora além deste avolumar dos casos os profissionais já estão numa situação de grande desgaste fruto do trabalho acumulado ao longo do tempo”, disse Ricardo Mexia à Lusa.

ZAP //

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