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Hospitais já testavam pacientes internados com regularidade. Profissionais de saúde podem vir a sofrer de stress pós-traumático

Mahmoud Khaled / EPA

Vários hospitais já faziam rastreios aos doentes internados, mesmo antes da Direção Geral da Saúde ter determinado uma nova norma para que tal fosse implementado. De acordo com o diretor de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria, os profissionais de saúde podem vir a sofrer de stress pós-traumático.

Os profissionais de saúde podem vir a sofrer de stress pós-traumático, idêntico ao que sofrem os militares que combatem na guerra, alerta o diretor do serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria, Cláudio Laureano.

“Há ainda falta de dados fiáveis, mas se compararmos com a infeção do SARS-CoV-1 (que não teve o impacto do SARS-CoV-2), os estudos realizados na altura mostraram que, nos três ou quatro anos a seguir, os infetados apresentaram prevalências de síndrome pós-traumático, perturbações de ansiedade, de pânico e depressivas, muito acima da média da população geral”, revelou à agência Lusa Cláudio Laureano.

O psiquiatra admitiu ainda que o “sentimento de impotência e de exaustão” leva ao “desenvolvimento de níveis de ansiedade e mesmo posteriormente a quadros depressivos reativos e burnout, não só em profissionais de saúde, como em quem trabalha em instituições e tenha lidado com muitas mortes que não eram expectáveis”.

Também o enfermeiro especialista na área mental, António Mota, acredita que se verificará “muitas pessoas a sobreviverem como os ex-militares que passaram a vida toda a sobreviver e a sofrer silenciosamente por causa do stress pós-combate“.

Por isso, desafia o Governo a que seja criado um programa a nível nacional para dar resposta a todas as situações.

“Não devem ser projetos individuais, mas um desígnio nacional que estabeleça uma estratégia que facilite o acesso à ajuda dos sobreviventes”, apelou.

O Centro Hospitalar de Leiria (CHL) criou, no início da pandemia, uma linha de apoio para profissionais de saúde e para a população em geral. Sem dados concretos, Cláudio Laureano adiantou que, no período mais calmo da pandemia, a linha esteve praticamente inativa, mas que os pedidos aumentaram em novembro.

Nesta terceira onda temo-nos apercebido de mais solicitações por parte dos profissionais de saúde do hospital”, constatou António Mota, um dos enfermeiros que integra a linha de apoio.

Dificuldades em dormir, ansiedade, medo, angústia e depressão são alguns dos sintomas que a pandemia da covid-19 está a provocar na população em geral, com ou sem histórico de doenças mentais.

A pressão, o sentir-se impotente e as mortes acima do normal também deixam marca nos profissionais de saúde. No entanto, o “estigma” e a “vergonha” são alguns dos motivos que travam os pedidos de ajuda formal dos profissionais de saúde.

“Como dizia no outro dia o António Raminhos [humorista], também espero que um dia seja tão natural dizer que se vai ao psiquiatra como se diz que se vai ao dentista. Em Portugal, não é nada assim”, lamentou António Mota.

Cláudio Laureano também constatou que “às vezes há dificuldade em reconhecer, numa autoavaliação, que se precisa de ajuda, até porque a doença mental ainda é vista como uma fraqueza: não fui forte o suficiente“.

“Continua a existir um estigma por parte do próprio ou de certas pessoas que o rodeiam, que fazem algum julgamento em relação a esse tipo de situações e tudo isso dificulta o pedido de ajuda, o que vai acarretar sempre mais sofrimento e agravamento da situação”, sublinhou o psiquiatra.

Muitos colegas procuram Lídia Vieira, enfermeira chefe da Psiquiatria, e “fazem desabafos, choram, mas não querem ajuda formal”.

“Quando tento marcar consulta, recusam. Uma jovem a quem recomendei um especialista optou por ir à privada. As pessoas não querem expor as suas fragilidades e inseguranças”, contou a enfermeira.

Cláudio Laureano reconhece que a resposta mais indicada até seria o encaminhamento para uma consulta de psicologia, mas lamentou que o CHL tenha dois psicólogos para 400 mil habitantes.

Já há hospitais a fazerem rastreios regulares

Apesar de a Direção Geral da Saúde ter determinado uma nova norma para a realização de rastreios regulares aos doentes internados – um teste entre o 3.º e o 5.º dia após o teste na admissão e periodicamente a cada cinco dias ou a cada sete dias a partir do último teste – já havia vários hospitais com essas medidas implementadas, revela o jornal Público.

O Centro Hospitalar de São João, por exemplo, já faz “rastreio a todos os doentes no 5.º dia de internamento” desde o dia 10 de novembro e, passado um mês, os doentes passaram a ser testados “a cada cinco dias”.

“Em 25 de Janeiro introduzimos também a testagem às 48 horas após admissão”, diz a unidade, referindo que foram detetados 95 casos de doentes infetados.

Segundo o diário, naquela unidade hospitalar, também os profissionais de saúde que estão em serviços de maior risco são testados, a cada 14 dias. A norma interna está “a ser revista em função do plano de vacinação”.

Já no Amadora-Sintra, “a testagem ao 5.º dia de internamento” começou em outubro do ano passado e, em janeiro, “foi adicionada a indicação para testagem de doentes que permanecem internados de sete em sete dias”.

Naquele hospital, o serviço de patologia clínica “tem capacidade para realizar 700 testes à covid por dia” e todos os profissionais sintomáticos são testados, assim como os contactos de alto e baixo risco. Nos serviços onde sejam detetados casos positivos com evidencia de transmissão interna, o rastreio é feito semanalmente.

O Hospital Garcia de Orta, em Almada, também já “efetua testes regulares aos doentes internados desde outubro”.

Estes “são testados aquando do início do internamento e semanalmente até à data de alta”. Os testes aos profissionais são feitos sempre que tenham estado em contacto com um caso suspeito ou confirmado ou quando manifestam sintomas.

A norte, no Hospital de Braga, o teste é repetido ao 5.º e ao 14.º dia de internamento, mas a política de testagem está a ser revista, estando prevista “a antecipação dos testes periódicos aos doentes internados a partir do 3.º dia de internamento, e a realização de teste semanal, a partir dessa data, enquanto permanecerem internados”.

Os profissionais, “são testados sempre que necessário, de acordo com a avaliação do contexto epidemiológico de cada caso”, seguindo os critérios definidos pela saúde ocupacional e do grupo de controlo de infeções.

Também a Unidade Local de Saúde de Matosinhos “está a fazer a revisão da estratégia de testagem para a adequar à nova norma”.

Já tinham, desde 13 de Novembro, regras de testagem ao 5.º dia de internamento em caso de existência de surto comunitário e os profissionais são testados “em caso de sintomas, em situação de contacto familiar positivo, de surto na enfermaria onde trabalham e sempre que pensem estar em risco”, explica a unidade, que identificou 498 profissionais positivos desde o início da pandemia.

ZAP // Lusa

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