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“Decisão escandalosa”. EUA com prioridade sobre vacina que está a ser desenvolvida por empresa francesa

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Cugnot Mathieu / EPA

O presidente francês Emmanuel Macron.

A França ficou em tumulto depois de o director geral da farmacêutica Sanofi, Paul Hudson, ter revelado que os EUA teriam prioridade sobre uma vacina contra a covid-19 que está a ser desenvolvida no seu laboratório, por se terem chegado à frente no apoio à investigação. Donald Trump é um dos accionistas da Sanofi.

Foi em declarações à agência Bloomberg que Paul Hudson, o director britânico da Sanofi, farmacêutica francesa, anunciou que os EUA “obterão as vacinas em primeiro lugar”, notando que terão “acesso a elas vários dias ou várias semanas antes do resto do mundo”.

O Governo norte-americano garantiu “o direito às maiores pré-encomendas” porque o país “partilha o risco” do processo de desenvolvimento, explicou Paul Hudson, realçando que os EUA “investiram para tentar proteger a sua população”.

A Sanofi, que é descrita pelo jornal francês Le Figaro como “uma das campeãs mundiais das vacinas”, tem em andamento um projecto de desenvolvimento de uma vacina contra a covid-19, em parceria com a empresa britânica GlaxoSmithKline, tendo recebido financiamento do Governo dos EUA. Em causa estarão cerca de 30 milhões de dólares.

A farmacêutica criada em França chegou a acordo, em Fevereiro passado, com a Autoridade Americana para a Pesquisa e o Desenvolvimento Biomédico (Barda), organismo público dos EUA que se dedica a financiar projectos no âmbito de crises sanitárias. Os EUA terão garantido, assim, prioridade sobre uma futura vacina contra a covid-19.

O presidente da Sanofi France, Olivier Bogillot, já veio pôr água na fervura, garantindo que a vacina “estará acessível para todo o mundo”.

“O argumento de Paul Hudson foi mal compreendido”, salientou Olivier Bogillot em declarações ao canal francês BFM-TV, justificando as declarações do director-geral da farmacêutica como uma forma de pressão sobre a Comissão Europeia para que acorde para a realidade.

“Se descobrirmos uma vacina, ela estará acessível para todo o mundo, os americanos e os europeus vão tê-la ao mesmo tempo”, apontou Bogillot, frisando, porém, que isso só acontecerá “se os europeus trabalharem tão rapidamente quanto os americanos”.

Estas declarações devem-se à falta de uma estratégia conjunta da União Europeia (UE) e da demora na tomada de decisões, enquanto os americanos, por outro lado, já prometeram milhões de euros e a garantia de facilitar as certificações regulamentares necessárias para agilizar as investigações e a futura comercialização.

“Os americanos são eficazes neste período. É preciso que a UE seja também eficaz, ajudando-nos a colocar à disposição tão depressa quanto possível a vacina”, realçou Bogillot.

Até agora, as conversas entre a Sanofi e as autoridades europeias e francesas não surtiram efeitos concretos, o que está a decepcionar a farmacêutica.

Trump, família e amigos têm participações na Sanofi

As declarações de Paul Hudson acenderam um rastilho de polémica em França, tratando-se a Sanofi de uma das grandes bandeiras da investigação científica do país, apesar de, actualmente, 60% dos accionistas da farmacêutica serem estrangeiros.

Entre os accionistas da Sanofi está o próprio Presidente dos EUA, Donald Trump, com uma pequena participação, como apurou o jornal The New York Times.

Os maiores accionistas da Sanofi incluem a Fisher Asset Management, sociedade gerida por Ken Fisher que é “o maior doador dos Republicanos“, especialmente de Trump, e o Fundo Invesco que é gerido por Wilbur Ross, o Secretário de Estado do Comércio escolhido pelo actual presidente dos EUA.

Trump e a família têm investimentos num fundo – Dodge & Cox – que também tem participação na Sanofi.

A Sanofi é também a farmacêutica que produz o medicamento Plaquenil, a versão comercial da hidroxicloroquina que foi anunciada por Trump como a “cura milagrosa” para a covid-19.

Marine Le Pen, líder da extrema-direita francesa, abordou a polémica realçando que a Sanofi “já não é uma empresa francesa”. E o Partido Socialista (PS) francês até fala de uma possível “nacionalização” da empresa.

“Nenhuma empresa francesa deve poder jogar contra a nossa própria soberania sanitária sem se expor a uma nacionalização”, apontou o PS num comunicado, onde sublinha que “a Saúde é um bem comum a subtrair do jogo do mercado”.

O PS fala de uma “decisão escandalosa” e apela ao Governo para “agir com a maior das firmezas para impedir” a eventual prioridade dos EUA.

Macron ficou “tocado” e chamou Sanofi ao Eliseu

Emmanuel Macron, Presidente da República de França, já chamou responsáveis da Sanofi ao Eliseu, para uma audição na próxima semana.

“A presidência, como toda a gente, sentiu-se tocada com esta declaração que não corresponde à realidade da relação entre o grupo Sanofi e o governo francês na investigação por uma vacina”, apontou o gabinete de Macron numa nota aos jornalistas.

“Os esforços realizados, nas últimas semanas e meses, mostram que é necessário que a vacina seja um bem público e global, ou seja, extraído das leis do mercado”, acrescenta a presidência, concluindo que deve ser feito tudo para que a vacina esteja “acessível o mais rapidamente possível” e seja “distribuída de maneira justa e equitativa por todos e na mesma altura”.

O primeiro-ministro francês, Edouard Philippe, também veio notar, numa publicação no Twitter, que “o acesso igual de todos à vacina não é negociável”.

Edouard Philippe assegura ainda que o presidente do Conselho de Administração da Sanofi, Serge Weinberg, lhe deu “todas as garantias necessárias quanto à distribuição em França de uma eventual vacina” desenvolvida pelo laboratório.

O Secretário de Estado da Economia francês, Agnès Pannier-Runacher, acrescenta que o “acesso privilegiado deste ou daquele país sob um pretexto pecuniário seria inaceitável“.

“Contactei directamente o patrão da Sanofi que me confirmou que a vacina estará facilmente acessível em França”, vincou ainda Pannier-Runacher em declarações à Sud Radio.

O grupo Sanofi publicou um comunicado onde realça que está a colaborar com as autoridades europeias para facilitar o acesso a uma eventual vacina no Velho Continente.

Apontando que dispõe de uma “base industrial diversificada e internacional”, a Sanofi frisa que tem “capacidades de produção nos EUA, na Europa, nomeadamente em França, e noutros locais do mundo”.

“A produção em solo americano será principalmente dedicada aos EUA e o resto da nossa capacidade de produção será destinada à Europa, à França e ao resto do mundo”, afiança o grupo.

A Sanofi já anunciou que espera ter uma vacina contra a cavodi-19 pronta dentro de 18 a 24 meses.

Em períodos normais, desenvolver uma vacina “leva 10 anos”, destaca Bogillot, realçando que, neste caso extraordinário, a farmacêutica está a tentar “acelerar todas as fases”.

SV, ZAP //

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26 Comments

  1. Se os EUA é que estão a financiar o desenvolvimento da vacina, é normal que em contrapartida sejam eles a receber as primeiras encomendas. Se os franceses querem ter acesso à vacina em primeiro lugar, que se cheguem à frente e paguem eles o desenvolvimento.

    • O normal seria a vacina ir primeiro para onde faz mais falta, mas o mais interessante da notícia é governo americano financiar uma multinacional francesa onde o presidente americano tem uma participação!…

          • Oh pobre Quim… achas que a tua opinião (sobre a minha opinião) conta para alguma coisa?!
            Vê lá se consegues dizer alguma coisa sobre o assunto, senão, vais continuar e fazer essa triste figura!…

      • Pois… Queria ver se fosse Portugal, com o dinheiro dos seus impostos, a bancar o financiamento da vacina, se também achava bem as primeiras encomendas serem distribuídas em outros países. É fácil falar quando se trata do dinheiro dos outros. E a vacina certamente faz tanta falta em NY/NJ, como em França, Itália ou Espanha. A questão do possível conflito de interesses que levanta, é relevante, mas não é o cerne da questão. A questão aqui é que desenvolver novas vacinas ou medicamentos custa muito dinheiro, em muitos casos pode custar mais de mil milhões de euros/dólares. Ninguém investe esse dinheiro se não antecipar contrapartidas. Retire-se essa possibilidade e as vacinas/medicamentos nem são inventados.

        Era interessante a França nacionalizar a Sanofi, como sugerido pela Marine Le Pen. Era ver os 60% de investidores estrangeiros desaparecerem de um dia para o outro. Queria ver se a Sanofi continuaria a ser “uma das grandes bandeiras da investigação científica do país”.

        • Esquece meu!.. Aqui as leis de mercado não se aplicam.
          As pessoas bem formadas deste mundo, sabem que nem tudo é objecto das leis do mercado. Chama-se democracia. É para isso o povo elege um governo: para ter a certeza de que dinheiro não compra direitos nem justiça.

          Triste personagem que julga que a saúde é um produto de mercado. Deves ser dos tais que se te pagarem bem, até a tua Mãe vendes.

          • Bem… nem sei por onde hei de começar. Diga-me lá quantas vacinas, medicamentos… não estão patenteados? Em que a produção só é possível mediante pagamento de licenças às entidades que desenvolveram esses fármacos.
            O amigo não percebe o fundamental. As patentes existem por um motivo. E um excelente motivo. Permitir um retorno a quem investigue. Caso contrário ninguém investigaria. Ficavam todos à espera e assim que alguém descobrisse uma vacina ou um qualquer tratamento todos a produziriam sem lhe pagar nada. Nessas condições quem seria o tolinho que iria gastar dinheiro em investigação?
            Como disse, escapa-lhe sempre o essencial nas suas análises.

          • Olha um ingénuozinho…
            É de facto espantoso como é que este comentário é possível.
            Todos os medicamentos e vacinas estão patenteados! E ainda vem afirmar que a saúde não é um produto de mercado. Que tristeza.

          • Países onde as leis de mercado não se aplicam, são sítios podres onde ninguém quer viver, e onde já agora Saúde e Justiça não existem!
            Na tua mentalidade mesquinha, é preferível NINGUÉM ter, do que uns terem antes do que outros. Boa sorte, investe tu os 1000 milhões que isto custa. No que me diz respeito, não tenho problema nenhum em quem investe e arrisca receber primeiro, sabendo que vou beneficiar do investimento alheio, ainda que seja um pouco depois. Deves ser dos tais que prefere ver a tua Mãe a morrer de uma doença, que aceitar receber um medicamento depois de outros.

        • O “pormenor” que te escapou (e que eu queria focar) é o facto do Trump ter interesses na Sanofi!
          Logo, quanto mais o governo americano investir na Sanofi, maior será retomo para a conta do Trump e amigos….

    • Não, não é assim, isto é uma questão sanitária global, nestas circunstancias eles deveriam ceder/divulgar a substancia primária para em conjunto com outros laboratórios a vacina ser massificada, é mais assim dada a excepção do caso.

      • Onde é que na notícia diz que isso não vai ser feito? A questão não é essa. As primeiras encomendas têm que ir para algum lado. Como é óbvio, quem avança com o dinheiro quer algo em troca. Se fosse Portugal, com o dinheiro dos seus impostos, a bancar o financiamento da vacina, também quereria receber primeiro.

      • Claro, um arrisca e todos usufruem, se tiver êxito! Se não descobrirem nada, quem perde? quem investiu. Muito interessante e incentivador ao risco!

      • A produção da vacina será sempre massificada e produzida em muitos países diferentes. Até em Portugal muito provavelmente. Muitas unidades irão produzir a vacina num regime de licenciamento, isto é, pagando direitos pela produção da vacina ao detentor da patente.
        Acha mesmo que alguma empresa vai investir milhões sem nada receber? Que idade tem o senhor, mesmo?

    • É assim… É anão… Mental. Não sabes ler???
      “é necessário que a vacina seja um bem público e global, ou seja, extraído das leis do mercado” – tá tudo dito, não? Aqui as leis do cliente pagador, não se aplicam. Se querem fazer donativos, que o façam à vontade e a malta agradece. Se não quiserem fazer donativos, não façam e metam o dinheiro no cú. Mas prioridades ninguém as leva, paguem o que pagarem.

      • LOL
        Boa sorte! É só que o lhe desejo. Espero que tenha 1000 milhões de dólares/euros disponíveis, que é o custa. Na sua cabeçinha pequenina, é preferível NINGUÉM ter a vacina, do que uns terem primeiro que outros.

    • É assim… como tu não deves ter investido a ponta dum corno, devias ficar para o fim, e ser mesmo o último a ser vacinado (se entretanto não te desse o badagaio)

  2. Noticia interessante a vários níveis, sendo que, do meu ponto de vista, a principal lição a retirar desta trapalhada é a certeza de que estamos sozinhos.

    Reparem que no meio do «escândalo» todo de que os Americanos teriam acesso à vacina primeiro, o governo Francês quis certificar-se que a vacina estaria facilmente acessível NA FRANÇA… depois da Europa e o resto pode esperar.

    Dependendo da gravidade dos acontecimentos, a Europa estará sozinha… Portugal estará sozinho… a minha cidade estará sozinha…. a minha rua… o meu prédio… a minha família, estará sozinha e poderemos ter que fazer o que for preciso para nós próprios e quem nos é próximo, sobreviver.

    Não é filme! Tem estado a acontecer, desde o inicio deste ano, bem debaixo dos nossos narizes.

    • Qual a dúvida? quem arrisca ‘leva’ primeiro. Se der certo, se não der, perde tudo. Alguém lhe vai restituir o que arriscou?

  3. Olha um ingénuozinho…
    É de facto espantoso como é que este comentário é possível.
    Todos os medicamentos e vacinas estão patenteados! E ainda vem afirmar que a saúde não é um produto de mercado. Que tristeza.

  4. Quem quer saúde paga-a, como dizia um famoso ministro da saúde português! E o que interessa aqui à indústria farmacêutica é vender vacinas ao melhor preço. O grande interesse e a pressa são os lucros em vista, para os primeiros a descobrirem a famigerada vacina, que as pessoas vão a correr tomar sem saberem os efeitos secundários. E não lhes interessa propriamente a saúde das pessoas que quanto mais doentes estiverem mais medicamentos eles vendem. Lembrem-se que quando foi da H1N1 em Portugal foram compradas quantidades exorbitantes de vacinas, a maior parte das quais ninguém tomou!!

  5. E em que medida é que França ter prioridade é justo? Justo é ir para onde faz mais falta, seja lá onde for,
    ou é capitalismo ou nacionalismo, grande escolha….

  6. Estou a ver que o facto do governo americano ter injectado 30 milhões na Sonofi, uma empresa onde o Trump e amigos tem participações, é irrelevante!…

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