As aranhas, quando encontram a sua vítima, costumam enrolar-se em seda e perfura-na com as presas cheias de veneno.
Na maioria dos casos, este veneno é suficiente para paralisar completamente, e por vezes até matar, a presa.
Mas para os insetos que ficam presos nas raras teias das aranhas da família Uloboridae, não são presas venenosas que devem temer. O perigo vem do que se está a preparar no interior do seu aparelho digestivo.
Segundo o nautil.us, Giulia Zancollli, bióloga evolutiva da Universidade de Lausana, encontrou “uma referência num artigo muito antigo a dizer que esta família de aranhas não era venenosa e perguntei: o quê? Espera lá. Eu pensava que todas as aranhas eram venenosas. Então comecei a investigar”.
Zancollli encontrou um desenho de um artigo de 1931 que mostrava a cabeça desta aranhas não tinha as glândulas de veneno que a maioria das espécies de aranhas possui. “Mas isto era basicamente a única informação disponível”, diz. Por isso, decidiu verificar por si própria.
A bióloga e os colegas voltaram a atenção para uma espécie de família Uloboridae, chamada Uloborus plumipes, conhecida como aranha tecedeira de pernas emplumadas.
Pequena e delicada, a U. plumipes envolve a presa em centenas de centímetros de seda — um embrulho mais extenso do que o de outras aranhas. Depois de mumificar a presa, a aranha vomita por cima de todo o pacote apertado.
Quando dissecaram as cabeças destas aranhas, encontraram grandes músculos proeminentes, mas nenhuma glândula de veneno. Ao observarem as presas de perto, viram que nem sequer possuíam um oríficio por onde pudesse ser expelido veneno — mais uma prova de que estas aranhas perderam as glândulas de veneno ao longo da evolução.
“Até onde sei, não há outros grupos de aranhas que tenham perdido as glândulas de veneno”, diz Ronald Jenner, biólogo evolutivo do Museu de História Natural de Londres, que não participou no estudo.
Os cientistas quiseram saber se algum outro órgão no corpo da aranha poderia conter o veneno em falta. Procuraram genes ativos produtores de veneno noutras partes, como os órgãos reprodutivos, as glândulas de seda e o intestino. E, surpresa, foi no intestino que encontraram genes capaz de codificar substâncias semelhantes a veneno.
Para confirmar que as secreções intestinais da U. plumipes eram realmente tóxicas, injetaram-nas em moscas-da-fruta.
Para comparar, também injetaram as moscas com secreções intestinais de uma espécie de aranha venenosa. Ambos os tipos de secreções mataram as moscas, sugerindo que a U. plumipes usa os seus fluidos digestivos tóxicos para matar, mas que estas secreções intestinais são comuns nas aranhas em geral.
Ou seja, o veneno que outras aranhas utilizam nas presas não “migrou” para o intestino. A U. plumipes terá aprendido a usar de forma inovadora secreções intestinais já existentes. Os cientistas publicaram recentemente as conclusões na revista BMC Biology.
“O sistema de veneno é dispendioso… consome energia metabólica para produzir veneno e manter o sistema”, explica Jenner. “Portanto, nestas aranhas, a perda do sistema de veneno significa que tiveram de aprender outra forma de imobilizar as presas”.
O segredo da imobilização da U. plumipes está no extenso embrulho com seda e na aplicação igualmente abundante de fluidos. A aranha faz “um burrito” da sua presa, diz Jenner.
Depois regurgita fluidos digestivos tóxicos sobre todo o pacote, o que mata a presa e dissolve os seus tecidos. “Uma aranha só ingere alimento líquido, por isso tem de aspirar o “caldo digestivo” resultante da regurgitação dos fluidos”, explica Jenner.
Normalmente, as aranhas apenas injetam toxinas através das feridas de mordida, de modo que, se o veneno não matar a presa, o vómito tratará do resto. “É uma característica conservada ter fluidos digestivos tão potentes, mas a ideia é que estas aranhas não venenosas o adaptaram para usá-lo na caça”, afirma Zancolli.
Quanto à razão pela qual a família U. loboridae perdeu por completo as glândulas de veneno na cabeça, Jenner acredita que se deve ao facto de já não precisarem de veneno para dominar as presas. “Acho que se tornaram tão especialistas a fazer “burritos” de seda que deixaram de precisar de veneno para imobilizar”, diz.
Algumas cobras marinhas evoluíram de forma semelhante, perdendo todos os órgãos relacionados com a produção de veneno na altura em que começaram a alimentar-se de ovos de peixe, que não exigem captura nem imobilização.
Como próximo passo, Jenner considera que os cientistas devem analisar a expressão de determinados genes de toxinas ou venenos em toda a árvore filogenética das aranhas e também noutras aranhas e aracnídeos.
“Foi muito interessante ver quantas toxinas estão presentes no intestino” da U. plumipes, diz Jenner. Mas será que estas toxinas também existem noutras aranhas.
De uma forma ou de outra, ao longo do tempo, as aranhas parecem ter aprendido várias maneiras de saborear o seu almoço líquido.