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Cravos vermelhos, lutas indispensáveis, promiscuidades. E Ferro rendido a Marcelo

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António Cotrim / Lusa

A sessão solene do 25 de Abril na Assembleia da República começou às 10:02, após o hino nacional pela banda da GNR, com o Presidente da República a entrar de cravo vermelho na mão.

Marcelo Rebelo de Sousa chegou às escadarias do Palácio de São Bento, em Lisboa, pelas 9:45h, de gravata azul e sem cravo na lapela, ao contrário do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que o recebeu e ao lado de quem passou revista militar, exibindo a flor que batizou a revolução do 25 de Abril.

Pelo quarto ano consecutivo, Marcelo entrou para a cerimónia com o cravo na mão e não na lapela. Dos ex-Presidentes, o único ausente foi Cavaco Silva, dado que Ramalho Eanes e Jorge Sampaio estiveram presentes nas galerias.

Antes de se iniciar a sessão solene, alguns deputados tiravam ‘selfies’ na sala do plenário decorada com cravos vermelhos, flor-símbolo da revolução de há 45 anos. A deputada socialista Isabel Moreira foi uma das que aproveitou e tirou uma fotografia com o pai, Adriano Moreira, presente como convidado.

Ferro: Marcelo tem sido “muralha” contra o populismo

O presidente da Assembleia da República fez um rasgado elogio à ação do chefe de Estado, considerando que Marcelo Rebelo de Sousa tem sido um “exemplo de lealdade democrática” e uma “muralha simbólica” contra o populismo.

Num discurso aplaudido em vários momentos por todas as bancadas e em que  homenageou o antigo deputado e “capitão de Abril” Marques Júnior, Ferro Rodrigues defendeu que, na presente legislatura, o parlamento “teve uma centralidade sem precedentes” na vida democrática nacional.

Em final de legislatura, Ferro Rodrigues disse que não podia deixar de aproveitar a presença de Marcelo Rebelo de Sousa “para enaltecer” a forma como o Presidente da República “tem prestigiado o sistema democrático português”.

Vossa Excelência é um exemplo de lealdade democrática, numa relação com o parlamento que só enaltece o prestígio de ambos os órgãos de soberania. Nenhum é condicionável – e os dois têm disso consciência”, disse.

Segundo Ferro Rodrigues, Marcelo Rebelo de Sousa “tem sido uma muralha simbólica contra o crescimento do populismo, pelo papel decisivo e essencial que tem assumido durante a sua Presidência da República”.

Em ano eleitoral deixo um apelo aos líderes políticos e parlamentares: que sejam capazes de travar um debate franco e leal, baseado em alternativas políticas claras. A política democrática é essencialmente isso: um confronto tolerante entre interesses sociais e programas políticos conflituantes”, concluiu Ferro Rodrigues, num discurso que não foi aplaudido de pé pela bancada socialista.

SNS vai andar de cravo ou ceder à pressão de Marcelo?

Na sua intervenção na cerimónia desta quinta-feira, o representante do Bloco de Esquerda questionou se “o Serviço Nacional de Saúde pode voltar a andar de cravo ao peito” ou se haverá cedência à pressão presidencial na Lei de Bases da Saúde, considerando que “o espírito de Abril está bem vivo”.

“Hoje passam 45 anos da revolução de Abril. Os cravos nos nossos peitos devem ser mais que um enfeite na lapela. A esperança que voltou a sair à rua com a solução governativa alcançada em 2015 olha para estes cravos e pergunta o que faremos nas decisões fundamentais”, afirmou o deputado do BE Jorge Falcato na sessão solene comemorativa do 45.º aniversário do 25 de Abril de 1974, na Assembleia da República, em Lisboa.

A questão da Lei de Bases da Saúde não foi esquecida pelo BE  e Jorge Falcato questionou se “o Serviço Nacional de Saúde pode voltar a andar de cravo ao peito, como António Arnaut e João Semedo o sonharam, ou manterá a porta aberta para o negócio dos privados em cedência à pressão presidencial”.

“A Lei de Bases da Habitação chegará a ser uma realidade, plena e de cravo ao peito, ou o direito à habitação ficará a depender da vontade dos especuladores imobiliários”, perguntou ainda. Jorge Falcato considerou ainda que “Abril é sinónimo de conquistas“, mas, sublinhou “engana-se quem afirma que não é sinónimo de lutas“.

Foi uma bala da PSP que me colocou nesta cadeira por ter protestado contra a realização de uma manifestação da extrema direita”, recordou Jorge Falcato. O deputado do BE ficou paraplégico em 1978 e utiliza uma cadeira de rodas para se deslocar, tendo o parlamento implementado um sistema que permite que Jorge Falcato suba até à tribuna para discursar, tal como aconteceu hoje.

Não me silenciaram. Nem a mim, nem ao nosso povo. Construímos a Segurança Social universal, a escola pública e o Serviço Nacional de Saúde. Garantimos do salário mínimo ao direito à greve. Aprendemos que nada é oferecido, tudo se conquista”, destacou.

PS alerta para focos antidemocráticos

O líder parlamentar do PS, Carlos César, alertou para “os perigos” das correntes que pretendem suprimir as instituições democráticas, defendendo como resposta um reforço dos mecanismos de representação, participação social, de transparência e escrutínio dos interesses dos decisores.

Na sua intervenção, o também presidente do PS frisou que “democratizar é uma tarefa continuamente incompleta, inevitavelmente centrada na promoção da igualdade de oportunidades, mas indiscutivelmente associada à revitalização dos mecanismos de representação e de participação social e, mais ainda, ao reforço da transparência e do escrutínio dos interesses dos decisores ao mais variado nível dos poderes intervenientes”.

“Quando olhamos, porém, as incertezas e disfunções do nosso tempo e nos confrontámos com aliciamentos e receituários que se fazem atrativos, que trocam os medos pela intolerância, pela mentira e pelo apoucamento dos políticos e das instituições democráticas – com o propósito inconfessado não de as reformar, mas de as suprimir -, será um erro desvalorizarmos esses perigos para as democracias”, advertiu Carlos César.

Neste capítulo, Carlos César citou Primo Levi: “Aconteceu, pode acontecer de novo“.

Além do combate às correntes populistas e extremistas, o líder parlamentar socialista considerou também urgente uma atenção especial “às novas dimensões do desenvolvimento económico e social, que o futuro agendou e com que grande parte dos nascidos a partir da passada década de oitenta vivem e se confrontam”.

A luta indispensável do PCP

O PCP fez hoje um paralelo entre a revolução dos cravos e a atualidade, considerando que tal como a luta “foi imprescindível para derrotar o fascismo”, também hoje a luta “é indispensável para avançar nos direitos”.

na sua intervenção, a deputada Diana Ferreira destacou que, “tal como no passado, a luta foi imprescindível para derrotar o fascismo, também hoje a luta é indispensável para avançar nos direitos e garantir progresso e justiça social”.

“Num país fustigado por mais de quatro décadas de política de direita, com especial brutalidade durante o período da política dos PEC e do Pacto de Agressão, foi preciso lutar muito para derrotar os planos daqueles que, a partir dos grupos económicos e do Governo PSD/CDS-PP, pretendiam eternizar a política de cortes de direitos, agravamento da exploração e empobrecimento”, salientou.

Foi preciso lutar muito, acrescentou, “mas com a luta dos trabalhadores e a ação decisiva do PCP conseguiu-se esse objetivo imediato, hoje claramente traduzido na recuperação de direitos e rendimentos”.

Para o PCP, “é muito o que se conquistou e foi destruído por responsabilidade dos sucessivos governos que puseram em causa as conquistas de Abril e o cumprimento do que está consagrado na Constituição da República Portuguesa”.

Diana Ferreira defendeu que ainda “é preciso ir mais longe e avançar decisivamente no sentido de uma verdadeira política alternativa, comprometida com os valores de Abril, que dê resposta aos problemas estruturais que atingem o povo e o país, não andar para trás”.

Para os comunistas, “a revolução de Abril é a prova viva de que vale a pena lutar, de que a força de um povo derrota inevitabilidades”.

“Promiscuidade com o poder” e dignidade democrática

O deputado do CDS-PP Filipe Anacoreta Correia defendeu que os políticos devem pautar-se por uma “ética exigente” e advertiu que a “promiscuidade com o poder” é incompatível com a “dignidade democrática”.

Anacoreta Correia defendeu que a pertença à portugalidade exige dos políticos que “sirvam o país com uma ética exigente, um escrutínio constante e um horizonte mais amplo que o mero ciclo eleitoral ou mediático”.

A promiscuidade com o poder, seja de âmbito económico, partidário ou familiar, é incompatível com a dignidade democrática”, advertiu o deputado, considerando que “a deferência diante das instituições em que se tem a honra de servir o país aconselha prudência e repúdio de banalizada familiaridade”.

Citando Alberto Caeiro, o deputado do CDS-PP disse depois que “não basta abrir a janela para ver os campos e o rio, é preciso também não ter filosofia nenhuma”, sustentando que por vezes o debate ideológico de hoje “impede” que se veja um metro à frente dos olhos.

“Que mais incêndios ou secas – quantas mortes terão ainda de ocorrer! – para encararmos o isolamento dos territórios e os portugueses abandonados à sua sorte pelo centralismo eleitoralista?”, questionou.

“O que precisaremos de constatar ainda em Tancos ou nos roubos relatados em hospitais para perceber que o Estado não pode simplesmente fingir que existe, que tem mesmo de exercer a sua autoridade?”, interrogou Anacoreta Correia,

Portugueses repudiarão clubismo e nepotismo

Na sua intervenção na sessão solene, o deputado do PSD Pedro Roque fez uma referência implícita à polémica das nomeações familiares no executivo. “Os portugueses repudiarão qualquer Governo que ouse administrar a ‘coisa pública’ fazendo uso daquilo que pertence a todos como se se tratasse de uma propriedade de qualquer partido”.

“Rejeitamos que critérios ‘clubístico-partidários’ ou de nepotismo se sobreponham ao mérito e ao interesse coletivo”, alertou, recebendo palmas da bancada do PSD. No seu discurso,Pedro Roque confessou que, apesar de o dia ser de “união em torno de um bem maior”, tem “alguma apreensão” com o futuro do país.

“Não gostaríamos de voltar a ver Portugal sujeito a ajuda financeira externa, tal como aconteceu em 2011″, sublinhou.

Num balanço de três anos e meio de governação do que chamou de “troika coligativa“, Pedro Roque enumerou que “a justiça não deixou de ser morosa”, “as queixas no Serviço Nacional de Saúde amplificaram-se”, “os salários são baixos e insatisfatórios“, “a descentralização não saiu do papel e da oratória”, “a sustentabilidade da Segurança Social continua ameaçada de morte a prazo” e “a carga fiscal também não deu sinais de baixar”.

“Tudo isto, já para não falar de elevada conflitualidade laboral e greves sem precedentes”, criticou o também secretário-geral dos Trabalhadores Sociais-Democratas.

“Toda a ciência governativa se resumiu ao exercício de uma gestão corrente adequada aos interesses de uma agenda tática, por forma a garantir a sobrevivência da coligação parlamentar. Compreende-se, mas é contraproducente”, criticou.

Realçando o valor do diálogo e da concertação, o deputado do PSD repudiou um “crescente número de posições radicais”, nomeadamente no plano internacional.

Pedro Roque, coordenador do grupo parlamentar do PSD na Comissão de Defesa, fez ainda questão de saudar de forma especial as Forças Armadas pelo seu papel no 25 de Abril. “O processo de democratização conducente a um Portugal progressista inaugura-se nesse momento fundador e também com o 25 de novembro de 1975”, defendeu.

“Mais ambição” para resolver problemas

No discurso de encerramento da cerimónia, o Presidente da República pediu hoje “mais ambição” para resolver os problemas do país e dos “jovens de 2019”, um programa quase impossível em que é preciso garantir a economia a crescer e o endividamento a diminuir. Marcelo Rebelo de Sousa fez um discurso de cerca de 20 minutos, em que comparou as ambições dos “jovens de 1974”, como ele, e os jovens de hoje, “os jovens de 2019”.

Para o Presidente da República, é preciso “mais ambição no Portugal pós-colonial, mais ambição na democracia, mais ambição na demografia, mais ambição na coesão, mais ambição na era digital e mais ambição na antecipação do futuro do emprego e do trabalho. Mais ambição na luta por um mundo sustentável”, acrescentou Marcelo.

Estes objetivos têm que ser conseguidos, afirmou, “com a economia a crescer, com dependência pelo endividamento a diminuir, sensatez financeira a salvaguardar, com acrescida justiça a repartir”.

Parece um programa impossível?”, perguntou Marcelo. “Talvez, mas a história faz-se sempre de programas, de ideias impossíveis. Portugal é uma impossibilidade com quase 900 anos. Porque haveríamos de ser nós a não acreditar em Portugal?”, respondeu o Presidente.

ZAP // Lusa

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