O julgamento do insólito assalto aos paióis de Tancos e da alegada encenação da Polícia Judiciária Militar (PJM) na recuperação do armamento, com o suposto conhecimento do ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, em 2017, deverá estar concluído no próximo ano.
O furto nas instalações militares provocou várias ondas de choque, colocou a descoberto fragilidades da segurança dos paióis e afetou gravemente a imagem da PJM, desde logo pela acusação criminal de vários dirigentes, noticiou a agência Lusa.
O julgamento dos 23 arguidos começou em 02 de novembro, no Tribunal Judicial de Santarém, e tem como protagonistas o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, que se demitiu do cargo no seguimento do caso, elementos da PJM – entre os quais o seu ex-diretor -, militares da GNR de Loulé e arguidos acusados de envolvimento no furto, cometido em 29 de junho de 2017.
Pouco antes do início do julgamento, o arguido João Paulino assumiu ter sido autor do furto, disse que elementos da GNR de Loulé lhe tinham proposto um acordo para devolver o material e entregou à Polícia Judiciária (PJ) as munições e granadas que faltavam.
As investigações dirigidas pelo Ministério Público (MP) foram além do furto e debruçaram-se sobre a atuação da PJM, criando divergências entre a ex-procuradora-geral da República Joana Marques Vidal e a PJ, por um lado, e a PJM e o seu diretor, por outro.
O MP sustenta que a recuperação do material, na região da Chamusca, em outubro de 2017, foi encenada pela PJM, com a conivência do autor do furto, João Paulino, e de elementos da GNR de Loulé e que a operação era do conhecimento do então ministro da Defesa, que também estava ciente da contestação desta polícia à orientação de Joana Marques Vidal ao entregar o caso à PJ.
O inusitado furto nas instalações militares teve também implicações políticas e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, foram arrolados como testemunhas.
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que, numa visita aos paióis de Tancos em 2017, Azeredo Lopes lhe sugeriu que falasse com o diretor da PJM, que discordava das orientações da PGR, mas que isso nunca aconteceu, revelando que teve conhecimento do aparecimento do material bélico por uma notícia da Lusa.
Numa recente entrevista à TVI, Marcelo Rebelo de Sousa declarou que nunca se sentiu enganado por Azeredo Lopes, porque este não lhe deu o mínimo sinal de que sabia de algo sobre o furto ou sobre a forma como foi encontrado o material, e que a conclusão do julgamento “é fundamental para a dignidade do Estado de direito democrático”.
Por sua vez, o primeiro-ministro disse acreditar que Azeredo Lopes desconhecia a alegada encenação na recuperação das armas e a investigação paralela da PJM e enalteceu a lealdade do seu ex-ministro da Defesa.
Na versão do MP, Azeredo Lopes sonegou informação à PGR e quis que Joana Marques Vidal fosse complacente com a situação, tendo aceitado a encenação em vez de se ter oposto e participado a irregularidade.
Contrariando esta suspeita, Azeredo Lopes disse, em julgamento, que ex-PGR nunca o alertou que a PJM estava a fazer uma investigação paralela ao furto, negou tê-la autorizado ao arrepio da decisão de Joana Marques Vidal e reiterou que a sua “implicação” no caso é “esmagadoramente política”.
O julgamento continua em 04 de janeiro, faltando depor dois importantes arguidos: o ex-diretor da PJM Luís Vieira e o antigo porta-voz da instituição major Vasco Brazão, tendo este último já afirmado que “a ação paralela” da PJM foi “oportunamente comunicada” ao antigo ministro da Defesa.
Dez arguidos respondem por associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo, por envolvimento no furto do armamento e os restantes 13, entre os quais Azeredo Lopes, elementos da PJM e da GNR, sobre a encenação/encobrimento na recuperação do material.
Azeredo Lopes está acusado de denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e denegação de justiça.
// Lusa