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Clã de José Eduardo dos Santos “apropriou-se” das riquezas de Angola

Pedro Parente / Lusa

A autora do livro “O Domínio de Angola, um retrato do poder de José Eduardo dos Santos”, considera que o reinado do antigo Presidente foi “autoritário e funcionou sobre a apropriação por um clã das riquezas do país”.

Em entrevista à Lusa a propósito do lançamento do livro, na terça-feira, Estelle Maussion considerou que o poder de que gozou José Eduardo dos Santos durante 38 anos em Angola teve por base um “sistema que tem raiz na guerra civil, que tornou-se autoritário e que funcionou sobre a apropriação por um clã das riquezas do país”.

Para a autora, jornalista da agência francesa de notícias France Presse e da rádio France Internationale (RFI) correspondente em Angola entre 2012 e 2015, “este sistema, que parecia intocável, finalmente está em dificuldades com a saída do poder da família e a chegada do João Lourenço”.

Questionada sobre se os documentos com vários contratos de Isabel dos Santos, conhecidos como Luanda Leaks, a surpreenderam, Estelle Maussion respondeu que há “detalhes sobre a rede internacional de ativos do casal Isabel dos Santos-Sindika Dokolo que ficavam na sombra até lá”, mas acrescentou que “as revelações levaram questões antigas sobre a origem da fortuna da filha do antigo Presidente angolano, sobre a relação entre o seu sucesso e o seu estatuto de filha de chefe de Estado”.

O livro agora publicado “descreve o sistema de governação do antigo Presidente e da sua família ao longo de 38 anos” e que beneficiou da “hipocrisia de países, organizações e empresas em nome de interesses diplomáticos ou económicos”, incluindo em Portugal, onde houve uma “posição muito ambígua do governo português e de várias personalidades do país durante o passado”.

No livro, que passa em revista os 38 anos de poder de José Eduardo dos Santos, recuperando as principais notícias e acontecimentos do reinado e enquadrando-os nos jogos de poder da elite angolana, a autora pretendeu “dar um testemunho vivo, documento e ao mesmo tempo acessível deste período.

A trajetória da família de José Eduardo dos Santos “é única, uma extraordinária ascensão seguida de uma queda espetacular”, considera Estelle Maussion, que se mostra confiança na capacidade do novo Presidente em impor reformas e um combate assertivo contra a corrupção.

“Há uma vontade muito forte de encarnar uma rutura”, responde, quando questionada sobre se João Lourenço representa uma mudança de paradigma ou apenas uma mudança de cadeiras entre a elite de Angola.

Esta rutura, defende, “passa por declarações, nomeações em série, inquéritos e processos judiciais, e ao mesmo tempo, várias reformas foram lançadas para rever as regras dos negócios, implementar outras práticas na administração, melhorar a eficácia e a transparência”.

Tudo isto, acrescenta, “envia bons sinais, mas ainda é cedo para fazer um balanço e vai demorar muito tempo para mudar as mentalidade em relação à corrupção”, alerta a jornalista escritora, que admite surpresa na rapidez com que João Lourenço substituiu figuras importantes do antigo Executivo e lançou processos judiciais contra familiares do antigo Presidente.

“Acho que foi uma surpresa para muita gente; ver membros da antiga família presidencial em frente de um tribunal era impensável alguns anos atrás; a rotura é muito forte mas não é suficiente”, argumenta a autora, concluindo: “O novo Presidente tem também que produzir resultados concretos na melhoria das condições de vida da população, e esse é o real desafio num contexto económico difícil”.

Cervejeira angolana só sabe do arresto por comunicado de imprensa

O administrador da Sodiba, uma das empresas de Isabel dos Santos arrestadas, afirmou esta segunda-feira que, mais de um mês depois, só sabe daquela decisão pelo comunicado de imprensa e que a cervejeira apenas tem recursos para funcionar até março.

Em entrevista à agência Lusa, Luís Correia, presidente do conselho de administração da Sociedade de Distribuição de Bebidas de Angola (Sodiba), que produz em Luanda a marca própria de cerveja Luandina e a portuguesa Sagres, garantiu que a empresa, para já, está a “laborar normalmente” e que de dezembro para janeiro, no primeiro mês após o arresto decretado pelo tribunal, as vendas até cresceram 13%.

“No curto prazo a situação está normalizada e controlada, o que me preocupa é o médio prazo”, afirmou Luís Correia, aludindo à sua proposta, aprovada pelos acionistas, de um plano de negócios dependente da injeção de 1.500 milhões de kwanzas (2,7 milhões de euros) no primeiro trimestre, essencialmente para compra de matéria-prima, travado pelo arresto anunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana em 30 de dezembro às empresas de Isabel dos Santos.

“Estes valores são essenciais para nos permitir o investimento em embalagens de vasilhame, grades e garrafas, pois o mercado angolano, fruto da falta de poder de compra, é um mercado cada vez mais de retornável, bem como, para pagamentos de responsabilidades vencidas a fornecedores e compra de matéria prima para dar continuidade ao negócio”, explicou o administrador, português.

Só em janeiro, esse plano de negócios previa uma injeção de 600 milhões de kwanzas (1,1 milhão de euros) que não foi concretizada, com Luís Correia a recordar que com apenas três anos a empresa ainda não gera cash flow suficiente para cumprir com todas as responsabilidades, o que só deverá acontecer em 2021. A isto, acrescenta, surgem as “responsabilidades” junto dos bancos financiadores, com prestações de juros que vencem, diz, no primeiro trimestre deste ano.

“Com o arresto dos bens dos últimos beneficiários da Sodiba e o congelamento das suas contas bancárias, a exequibilidade deste plano de negócios está em causa, bem como o cumprimento das responsabilidades junto dos bancos financiadores que estão muito preocupados com as potenciais imparidades e provisões que esta situação possa gerar”, alertou.

Em dezembro de 2019, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo de contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, do marido, o congolês Sindika Dokolo, e do português Mário da Silva, além de nove empresas nas quais a empresária detém participações sociais, por alegados negócios privados que terão lesado o Estado angolano.

Com o arresto, divulgado em comunicado de imprensa pela PGR, a Sodiba foi uma das mais afetadas, uma vez que conta apenas com Isabel dos Santos e Sindika Dokolo como acionistas, aguardando-se entretanto a apresentação em tribunal da ação principal.

Absolutamente nenhuma informação por parte do tribunal. Aliás, a Sodiba nunca foi formalmente notificada do Despacho-Sentença e apenas dele tomou conhecimento pelo comunicado de imprensa do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa da PGR de Angola”, afirmou Luís Correia. Questionado pela Lusa, explicou que apenas foram feitas, entretanto, duas reuniões, para “alguns esclarecimentos e a pedido da administração de cervejeira, com a direção jurídica do Banco Nacional de Angola.

Apreensivo com a indefinição atual, aponta para as consequências da falta de injeção do capital previsto até ao final do próximo mês: “Se o arresto se prolongar no tempo e se nenhuma decisão for tomada no sentido de permitir o apoio dos acionistas à Sodiba, conforme previsto e necessário, a viabilidade da empresa tal como estava pensada e idealizada está claramente condicionada”.

A Sodiba emprega atualmente, de forma direta, 390 colaboradores na fábrica, logística, distribuição e serviços centrais, além de 130 colaboradores na área comercial.

Luís Correia garante que “no imediato nenhum posto de trabalho está em risco”, o mesmo acontecendo com a produção das cervejas Luandina e Sagres, tendo em conta que a empresa “está a crescer” e tem um plano de negócios para implementar em 2020.

“Quero acreditar que toda esta situação se vai resolver, de uma forma ou de outra, e que os acionistas poderão injetar na Sodiba os valores necessários à continuidade, como previsto e como é sua vontade expressa”, afirma, recordando que os acionistas (Isabel dos Santos e Sindika Dokolo) já investiram naquela fábrica mais de 160 milhões de dólares (146,1 milhões de euros) desde 2017.

Luís Correia, escolhido em 2019 por Isabel dos Santos para liderar Sodiba, está em Angola desde 2006, inicialmente no grupo Refriango, também na área das bebidas, onde chegou a ser administrador-executivo. Exerceu depois, durante quatro anos, funções de direção no Grupo Castel, que produz a histórica cerveja angolana Cuca, liderando a equipa responsável por vendas de 40 mil milhões de litros de cerveja e mais de 15 mil milhões de litros de refrigerantes e bebidas não alcoólicas.

Segundo dados da empresa, a Sodiba pagou mais de 1.971 milhões de kwanzas (3,6 milhões de euros, à taxa de câmbio atual) de impostos em 2019. De acordo com o plano de negócios para 2020, este ano deverá contribuir para os cofres do Estado angolano com cerca de 3.000 milhões de kwanzas (5,5 milhões de euros, à taxa de câmbio atual), também em impostos, devido ao previsto “aumento de vendas, mas também do aumento da carga fiscal nas cervejas”.

// Lusa

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