Caso das gémeas: Costa culpa Lacerda Sales. Ex-secretária diz ser “bode expiatório”

Carlos M. Almeida/José Coelho/Lusa

“Não fiz nada que o secretário de Estado da Saúde não soubesse”, garantiu Carla Silva. Chega avisa: vai chamar ex-secretário de Estado de novo ao Parlamento.

O ex-primeiro-ministro António Costa e a ex-secretária do ministério da Saúde culparam o ex-secretário de Estado António Lacerda Sales pela sua atuação no caso das gémeas luso-brasileiras, tratadas com o medicamento Zolgensma no Hospital de Santa Maria, em 2020.

A ex-secretária, que pediu para não ser identificada, acusa Sales de ter mentido no Parlamento e garante que foi este quem lhe pediu para marcar uma consulta para as gémeas brasileiras no Hospital Santa Maria.

Já António Costa, que enviou esta sexta-feira, por escrito, as suas respostas às perguntas da comissão de inquérito do caso das gémeas tratadas no Hospital Santa Maria com o medicamento mais caro do mundo, responsabiliza o ex-secretário de Estado por “atos e omissões de quem está sob a sua direção ou tutela”.

O que disse António Costa

Os partidos enviaram as perguntas ao antigo primeiro-ministro até 6 de setembro, com a maioria a querer saber se António Costa teve alguma intervenção no caso. António Costa teve 10 dias para responder. O PS decidiu não fazer perguntas.

Questionado se acha que Lacerda Sales pode assumir responsabilidade política das suas secretárias, o ex-primeiro-ministro foi claro.

Os membros do governo são politicamente responsáveis pelos seus atos e omissões e, consoante a situação concreta, por atos e omissões de quem está sob a sua direção ou tutela“, respondeu. E, segundo o Expresso, que teve acesso a pormenores do documento, também se ilibou de culpas no caso.

“Sobre este tema, tenho a certeza a absoluta que nunca falei ou por qualquer forma tive contacto com o Dr. Nuno Rebelo de Sousa”, garantiu. Sublinha, ainda, que também não falou com Marcelo, nem com Marta Temido, Lacerda Sales ou qualquer membro da Casa Civil.

“Não recebi nem tive qualquer contacto sobre este assunto com quem quer que seja”, garante Costa.

O que disse a secretária

A ex-secretária do ministério da Saúde deixou claro que Lacerda Sales mentiu no Parlamento e confirmou, entre lágrimas, que se sente “um bode-expiatório” no caso.

“Eu não fiz nada que o secretário de Estado da Saúde não soubesse”, afirmou Carla Silva, após ser questionada pelo deputado do PS João Paulo Correia.

De acordo com o relatório da Inspeção Geral de Atividades em Saúde (IGAS) sobre este caso, foi Carla Silva quem contactou o Hospital de Santa Maria para marcar a consulta das gémeas — uma informação negada por Lacerda Sales.

No relatório, o IGAS explicou que Carla Silva remeteu informações como “a identidade das crianças, data de nascimento, diagnóstico e datas em que os pais poderiam estar presentes” para o Hospital de Santa Maria sob orientação do ex-secretário de Estado.

No parlamento, esta sexta-feira, a ex-secretária de Lacerda Sales confessou que após a reunião com o filho do presidente da República, Lacerda ordenou-lhe que ligasse a Nuno Rebelo de Sousa para pedir os registos clínicos das crianças. Depois, a ordem do ex-governante do gabinete da então ministra da Saúde Marta Temido era que contactasse o Santa Maria.

“O secretário de Estado pediu para contactar Nuno Rebelo de Sousa. Eu contactei Nuno Rebelo de Sousa, identifiquei-me e pedi os dados clínicos das crianças, e depois encaminhei o email para Ana Isabel Lopes”, que era responsável pelo departamento de pediatria do Hospital de Santa Maria, disse aos deputados.

O email seguiu para o Santa Maria para encaminhar o caso. Lacerda Sales não seguiu em CC no email por a secretária “não achar relevante”.

Recorde-se que, em junho, Lacerda Sales culpou a mesma secretária de ter ido “muito além” do que lhe foi pedido, depois de negar várias vezes ter pedido a marcação da consulta.

“Independentemente de eu ter colocado no assunto do email pedido de avaliação clínica ou ter falado em sinalização, foi um pedido de marcação de consulta”, disse aos deputados.

“Temos um ex-secretário de Estado da Saúde a negar qualquer intervenção neste caso e a levantar suspeições em relação a mim, que era secretária do gabinete, supostamente de confiança. Sim, possivelmente [sou] bode-expiatório”, criticou Carla Silva, em resposta à deputada do BE Joana Mortágua.

Em resposta à deputada do Chega Cristina Rodrigues, indicou ainda que se fosse hoje atuaria “de forma diferente” e que “não voltaria a fazer o mesmo”.

“Hoje tenho uma visão geral de tudo o que está envolvido neste processo e, claro, faria de forma diferente”, referiu, sublinhando que, se fosse agora, teria pedido a Lacerda Sales para enviar o email para o hospital, em nome próprio.

A secretária lembrou ainda que nunca mais voltou a “ter contacto com Nuno Rebelo de Sousa” e não sabia se Lacerda Sales conhecia o filho do Presidente da República.

“Eu não sei [o que está por trás deste processo]. Eu não sei. Eu estou a dizer a verdade. Eu tenho um secretário de Estado a levantar suspeitas em relação a mim e à minha verdade”, acrescentou.

Chega vai chamar Lacerda outra vez

André Ventura garantiu que vai pedir uma nova audição ao ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales. Para si, “ficou claro que houve uma ordem” para que a consulta às gémeas luso-brasileiras fosse feita.

“O Chega decidiu chamar novamente a esta comissão de inquérito Lacerda Sales, depois daquilo que ouvimos hoje, por entendermos que o seu testemunho é flagrantemente contraditado, flagrantemente posto em causa, flagrantemente posto em dúvida”, disse o líder do Chega, que disse que ia pedir ainda esta sexta-feira à comissão, “se necessário potestativamente, para ouvir o ex-governante.

De acordo com André Ventura, a audição da ex-secretária de Lacerda Sales mostrou que “houve uma obra do Estado”.

“Acho que ficou claro com este testemunho como tivemos uma tentativa de encontrar numa funcionária do Estado um bode expiatório para aquilo que foi uma atuação política de primeira linha, irregular e ilegal”, observou.

André Ventura disse ainda que já está decidido pedir “mais esclarecimentos” ao ex-primeiro-ministro António Costa e que vá “diretamente à comissão, fisicamente,” responder aos deputados: respostas de Costa “deixam no ar muitíssimas interrogações” e “são ineficazes e incompletas”, defende o partido.

Tomás //

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