Recorrendo a ferramentas de edição genética CRISPR, os investigadores conseguiram que as plantas de trigo produzissem maiores quantidades de um dos seus próprios compostos naturais. A descoberta pode representar uma poupança de até 10% no uso de fertilizantes.
Uma equipa de cientistas desenvolveu plantas de trigo capazes de estimular a produção do seu próprio fertilizante, abrindo caminho para uma agricultura menos poluente para o ar e para a água a nível global e com custos mais baixos para os agricultores.
A tecnologia, desenvolvida por uma equipa liderada por Eduardo Blumwald, investigador da Universidade da Califórnia, foi apresentada num artigo publicado na revista Plant Biotechnology Journal.
Recorrendo a ferramentas de edição genética CRISPR, os investigadores conseguiram que as plantas de trigo produzissem maiores quantidades de um dos seus próprios compostos naturais.
Quando libertado em excesso para o solo, o composto estimula certas bactérias a transformar o azoto presente no ar numa forma assimilável pelas plantas. Este processo denomina-se fixação de azoto.
Nos países em desenvolvimento, esta descoberta poderá representar um importante contributo para a segurança alimentar.
“Em África, as pessoas não usam fertilizantes porque não têm dinheiro, e as explorações agrícolas são pequenas, não ultrapassando os dois a três hectares”, explicou Blumwald, num comunicado da universidade.
“Imagine-se plantar culturas que estimulam as bactérias do solo a produzir, de forma natural, o fertilizante de que necessitam. É uma enorme diferença!”, acrescenta o investigador.
À escala mundial, o trigo é a segunda cultura cerealífera em termos de rendimento e a que mais consome fertilizantes azotados, representando cerca de 18% do total.
Em 2020, produziram-se mais de 800 milhões de toneladas de fertilizantes, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Contudo, as plantas apenas absorvem entre 30 a 50% do azoto dos fertilizantes. O restante escorre para os cursos de água, provocando zonas mortas sem oxigénio, que sufocam peixes e outras espécies aquáticas.
Parte do azoto em excesso no solo transforma-se ainda em óxido nitroso, um potente gás com efeito de estufa.
A solução: proteger a “fixadora”
As bactérias fixadoras de azoto produzem uma enzima chamada nitrogenase, responsável pela fixação do azoto. A nitrogenase só existe nestas bactérias e só funciona em ambientes com baixo teor de oxigénio.
Leguminosas como o feijão ou a ervilha possuem estruturas nas raízes, designadas nódulos, que oferecem esse ambiente protegido e pobre em oxigénio às bactérias.
O trigo e a maioria das outras plantas não formam nódulos, razão pela qual os agricultores recorrem a fertilizantes azotados.
“Durante décadas, os cientistas tentaram desenvolver cereais que produzissem nódulos ativos nas raízes, ou colonizá-los com bactérias fixadoras de azoto, sem grande sucesso. Optámos por uma estratégia diferente“, explicou Blumwald.
“Concluímos que a localização das bactérias não é o mais importante, desde que o azoto fixado chegue à planta e esta o consiga utilizar”.
A equipa analisou 2.800 compostos produzidos naturalmente pelas plantas e identificou 20 que, além de outras funções, estimulavam as bactérias a formar biofilmes.
Estes biofilmes criam uma camada protetora em torno das bactérias, reduzindo o oxigénio e permitindo o funcionamento da nitrogenase. Os cientistas determinaram como as plantas sintetizam esses compostos e quais os genes envolvidos.
Recorrendo depois ao CRISPR, modificaram geneticamente plantas de trigo para produzirem em maior quantidade um desses compostos, um flavonoide chamado apigenina.
O trigo com níveis de apigenina superiores ao necessário liberta o excedente para o solo através das raízes. Nos ensaios realizados, a apigenina estimulou as bactérias do solo a formarem biofilmes protetores, permitindo a fixação de azoto e a sua assimilação pelas plantas de trigo.
As plantas de trigo geneticamente modificadas apresentaram ainda uma produtividade superior às de controlo quando cultivadas com níveis muito baixos de fertilizante azotado.
Só nos EUA, os agricultores gastaram em 2023 quase 30 mil milhões de euros em fertilizantes, segundo estimativas do Departamento de Agricultura norte-americano. Blumwald calcula que quase 200 milhões de hectares de terras agrícolas no país são ocupados por cereais.
“Imagine-se poupar 10% da quantidade de fertilizante usado nessas terras”, projeta o investigador. “Mesmo numa estimativa conservadora, isso representaria uma poupança superior a mil milhões de euros todos os anos”, conclui.