Concurso para a manutenção do Elevador da Glória foi cancelado em agosto. Preço era demasiado alto

Tiago Petinga / Lusa

A Carris garante que a manutenção, que era feita por uma empresa externa, estava em dia apesar do cancelamento do concurso. O sindicato de trabalhadores alega que já há muito que se queixa da qualidade da inspeção.

O trágico descarrilamento do Elevador da Glória, que provocou até ao momento 17 mortos e 23 feridos, aconteceu poucos dias depois de a Carris ter cancelado o concurso público para a manutenção dos ascensores da Bica, Lavra e Glória e do Elevador de Santa Justa.

O concurso foi lançado a 28 de abril com um preço-base de 1,9 milhões de euros (sem IVA) para três anos, mas foi anulado a 14 de agosto porque todas as propostas apresentadas ultrapassavam o valor orçamentado, segundo avança o ECO.

De acordo com o Público, a causa do acidente terá sido a quebra de um cabo fulcral que faz a ligação entre as duas cabines. O sistema de tração elétrica funciona através de um cabo que liga as duas cabines e assegura o contrapeso entre ambas.

A quebra deste cabo levou a que a cabine inferior chegasse ao limite do carril sem descarrilar. Já a outra cabine foi cuspida a alta velocidade, tendo embatido contra edifícios e descarrilado. Era nesta cabine que seguiam as vítimas mortais.

O acidente ocorreu por volta das 18h00, a meio do percurso de 265 metros entre os Restauradores e o Jardim de São Pedro de Alcântara. O impacto destruiu totalmente a composição e provocou danos nos edifícios ao longo da linha.

Carris e sindicato contrariam-se

Perante os jornalistas, o presidente da Carris, Pedro Bogas, esclareceu que a manutenção do equipamento tem estado assegurada por uma empresa externa. Trata-se da MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia, conhecida comercialmente como Main Maintenance Engineering, que desde 2022 tem contrato com a transportadora pública. Esse acordo, no valor de 995,5 mil euros e renovável até três anos, estipulava, só para o Elevador da Glória, uma avença mensal superior a 5900 euros. O contrato chegou ao fim no final de agosto.

Apesar do cancelamento do concurso, a Carris garantiu que não houve interrupção na manutenção. Segundo uma informação avançada pela SIC Notícias, um novo contrato foi celebrado por ajuste direto a 1 de setembro, assegurando a continuidade dos trabalhos.

Em comunicado, a empresa frisou ainda que os programas de manutenção têm sido “escrupulosamente cumpridos”, incluindo inspeções diárias, revisões semanais e mensais, bem como uma manutenção intercalar em 2023 e uma revisão geral quadrienal.

No entanto, o sindicato dos trabalhadores da transportadora alega que há muito que os funcionários se queixam da “deficiente manutenção por parte da empresa MAIN – Maintenance Engineering​”.

“Os próprios trabalhadores iam reportando, de facto, estas diferenças em termos daquilo que a manutenção que há uns anos era feita pelos trabalhadores da Carris e as diferenças para a manutenção que é feita hoje, nomeadamente com queixas sucessivas dos trabalhadores que lá laboram quanto ao nível de tensão dos cabos de sustentação destes elevadores”, refere.

Em declarações ao Público, Manuel Leal, funcionário da Carris e membro da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações, garante também que “a Carris sempre teve meios” para fazer a manutenção internamente, mas a externalização é um sinal do “processo de destruição oficinal” deliberado por parte da administração da Carris.

Ministério Público abre inquérito

O acidente será agora investigado pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), a entidade responsável por fazer relatórios sobre os acidentes na ferrovia e na aviação. O Público denota que a investigação só arrancou esta quinta-feira porque há apenas um inspetor para todo o país.

O Ministério Público também abriu um inquérito ao descarrilamento, indicou a Procuradoria-Geral da República (PGR). Estão ainda presentes no local inspetores da Polícia Judiciária.

“À semelhança do que acontece neste tipo de situações, e tal como determina a lei, o Ministério Público vai instaurar inquérito”, refere a PGR, numa resposta enviada à Lusa.

A PGR indica ainda que o Ministério Público “encontra-se a realizar os procedimentos necessários, no âmbito das suas competências, nomeadamente para efeitos de preservação da prova, com orientação e em articulação com os órgãos de polícia criminal”.

A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) assegurou também que vai realizar uma ação de supervisão ao descarrilamento do elevador da Glória, em Lisboa, pretendendo divulgar os resultados “com a maior celeridade possível”.

“Nos próximos dias, a AMT irá realizar uma Ação de Supervisão ao acidente, cujos resultados serão divulgados com a maior celeridade possível”, garantiu, em comunicado.

O Elevador da Glória, inaugurado em 1885 e classificado como Monumento Nacional, é uma das infraestruturas históricas mais emblemáticas de Lisboa, transportando diariamente residentes e turistas. Já tinha descarrilado em 2018 num acidente sem vítimas, sendo o desastre desta quarta-feira o mais grave da sua história.

Adriana Peixoto, ZAP // Lusa

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