Retrato sem precedentes dos ciclos sazonais revela pontos críticos com consequências ecológicas, evolutivas e até económicas.
O ciclo anual das estações – inverno, primavera, verão, outono – é frequentemente dado como certo. Mas um novo estudo publicado na Nature, que recorre a uma nova abordagem para observar os ciclos de crescimento sazonais a partir de satélites, mostra que essa noção é muito simplista.
O estudo traz um retrato íntimo e sem precedentes dos ciclos sazonais dos ecossistemas terrestres da Terra. Isso revela “pontos críticos” de assincronia sazonal em todo o mundo – regiões onde o tempo dos ciclos sazonais pode estar fora de sincronia entre locais próximos.
Essas diferenças de tempo podem ter consequências ecológicas, evolutivas e até económicas surpreendentes.
As estações do ano, vistas do Espaço
As estações definem o ritmo da vida. Os seres vivos, incluindo os humanos, ajustam o tempo das suas atividades anuais para explorar recursos e condições que flutuam ao longo do ano.
O estudo desse calendário, conhecido como fenologia, é uma forma milenar de observação da natureza pelo ser humano. Mas hoje também podemos observar a fenologia a partir do Espaço.
Com arquivos de imagens de satélite que abrangem décadas, podemos usar a computação para compreender melhor os ciclos sazonais do crescimento das plantas. No entanto, os métodos para fazer isso geralmente se baseiam na suposição de ciclos sazonais simples e estações de crescimento distintas.
Isso funciona bem em grande parte da Europa, América do Norte e outros locais de alta latitude com invernos rigorosos. Mas o método pode apresentar dificuldades nos trópicos e em regiões áridas. Nesses locais, as estimativas do crescimento das plantas baseadas em satélites podem variar subtilmente ao longo do ano, sem estações de crescimento bem definidas.
Padrões surpreendentes
Ao aplicar uma nova análise a 20 anos de imagens de satélite, a equipa criou um mapa mais preciso do calendário dos ciclos de crescimento das plantas em todo o mundo. Além dos padrões esperados, como o atraso da primavera em latitudes e altitudes mais elevadas, observámos também outros mais surpreendentes.
Um padrão surpreendente ocorre nas cinco regiões climáticas mediterrânicas da Terra, onde os invernos são amenos e húmidos e os verões são quentes e secos. Estas incluem a Califórnia, o Chile, a África do Sul, o sul da Austrália e o próprio Mediterrâneo.
Todas estas regiões partilham um padrão sazonal de duplo pico, anteriormente documentado na Califórnia, porque os ciclos de crescimento florestal tendem a atingir o pico cerca de dois meses mais tarde do que noutros ecossistemas. Também apresentam diferenças marcantes no tempo de crescimento das plantas em relação às terras áridas vizinhas, onde as precipitações no verão são mais comuns.
Pontos críticos
Essa complexa mistura de padrões de atividade sazonal explica uma importante descoberta do trabalho: os climas mediterrânicos e as terras áridas vizinhas são pontos críticos de atividade sazonal fora de sincronia. Por outras palavras, são regiões onde os ciclos sazonais de locais próximos podem ter tempos drasticamente diferentes.
Outros pontos críticos globais ocorrem principalmente nas montanhas tropicais. Os padrões complexos de estações fora de sincronia que observamos nessas regiões podem estar relacionados às formas complexas como as montanhas influenciam o fluxo de ar, determinando os padrões locais de precipitação sazonal e nebulosidade. Esses fenómenos ainda são pouco compreendidos, mas podem ser fundamentais para a distribuição das espécies nessas regiões de biodiversidade excecional.
Sazonalidade e biodiversidade
Identificar regiões globais onde os padrões sazonais estão fora de sincronia foi a motivação original para o novo trabalho. E a descoberta de que elas se sobrepõem a muitos dos pontos críticos de biodiversidade da Terra — locais com um grande número de espécies vegetais e animais — pode não ser uma coincidência.
Nestas regiões, como os ciclos sazonais de crescimento das plantas podem estar fora de sincronia entre locais próximos, a disponibilidade sazonal de recursos também pode estar fora de sincronia. Isso afetaria os ciclos reprodutivos sazonais de muitas espécies, e as consequências ecológicas e evolutivas poderiam ser profundas.
Uma dessas consequências é que populações com ciclos reprodutivos fora de sincronia teriam menos probabilidade de se cruzar. Como resultado, seria de esperar que essas populações divergissem geneticamente e, talvez, acabassem por se dividir em espécies diferentes.
Se isso acontecesse mesmo que fosse a uma pequena percentagem de espécies em qualquer momento, então, a longo prazo, essas regiões produziriam grandes quantidades de biodiversidade.