“Corte” na alegada cultura de gangues, na liberdade e nos opositores políticos. Está a acontecer em El Salvador.
A ministra da Educação de El Salvador chegou ao poder no mês passado, mas já começou a introduzir rígidas regras nas escolas públicas do país.
Capitã militar e membro cada vez mais influente do governo do país, Karla Trigueros, proibiu penteados como os moicanos e o chamado “corte Edgar”, uma reinvenção do corte “à tigela”, muito popular entre jovens de todo o mundo.
A ministra defende que o corte está associado à cultura de gangues.
Naturalmente, a diretiva muito elogiada pelo presidente Nayib Bukele, o auto-intitulado “ditador mais cool do mundo“, gerou polémica, sobretudo entre os sindicatos de professores.
Os diretores escolares foram instruídos a aplicar o código de vestuário de forma rigorosa, com penalizações que podem incluir a descida de notas ou a obrigatoriedade de prestar serviço comunitário para os alunos que não cumprirem.
Numa escola técnica de San Salvador, o diretor Óscar Melara inspeciona agora diariamente os estudantes à entrada, verificando os uniformes, o estado do calçado e… o comprimento do cabelo. Através da NBC News, agradece à ministra, uma vez que a medida “permite-lhe corrigir e melhorar os alunos”.
Entretanto, a imprensa local tem noticiado longas filas nas barbearias: os vários estudantes correm para cortar o cabelo antes do regresso às aulas. Alguns estabelecimentos estão a oferecer descontos associados à nova ordem do Governo.
O presidente de El Salvador, popular em grande parte pela postura ofensiva anti-gangues, que tem vindo a reduzir a taxa da criminalidade no país, saiu em defesa da medida radical, como parte de uma reforma profunda do sistema educativo.
Já organizações de direitos humanos alertam que cidadãos inocentes têm sido detidos no âmbito da campanha discriminatória.
Democracia “a morrer” no país
As associações de professores questionam não só a medida, mas até a nomeação de Trigueros, considerando um “absurdo” colocar um militar à frente da Educação e recordando os anos de ditadura militar no país. Na verdade, a polémica surge numa altura altamente tensa em que Bukele reforça e concentra o seu poder.
O seu partido aprovou no final de julho uma reforma constitucional que elimina os limites de mandatos presidenciais, o que poderá permitir-lhe manter o cargo indefinidamente.
A alteração à Constituição “foi a mais recente ação num processo de anos para desmantelar o Estado de Direito”, assinala a Humans Right Watch, que aponta o presidente dos EUA, Donald Trump, como um “aliado ativo” desta situação de deterioração, depois de ordenar a deportação de mais de 250 venezuelanos e 20 salvadorenhos para uma prisão em El Salvador, “apesar das provas credíveis de tortura e outros abusos nas prisões do país.”
Na verdade, a mudança na lei só foi possível graças a uma anterior, aprovada em janeiro, que permite aos legisladores alterar a constituição numa única legislatura. Mas as red flags estavam lá desde a chegada do novo Executivo, em 2019, com “intimidações aos legisladores” e “desconsideração” das decisões do Supremo Tribunal relacionadas com a pandemia de COVID-19, aponta ainda a HRW.
Um ano depois, os cinco magistrados da Câmara Constitucional e o procurador-geral, que investigava funcionários do governo por corrupção e negociações com gangues, foram substituídos.
A nova Câmara decidiria, no mesmo ano, contra um pilar fundamental da Constituição, dando carta branca para que o presidente Bukele se recandidatasse novamente em 2024 sem limite de tempo no cargo.
A “guerra aos gangues” tem sido desculpa para detenções em massa no país, que entrou em estado de emergência desde 2022.
Cerca de 2% da população foi detida. Nessa percentagem inclui-se, segundo a HRW, detenções arbitrárias baseadas em provas fabricadas ou não corroboradas, desaparecimentos forçados, e mortes sob custódia e tortura e maus-tratos em detenção.