Simpático, bom falante, jovem, popular e homossexual. Eis o retrato do novo primeiro-ministro de França, Gabriel Attal, de 34 anos – o mais novo de sempre a ocupar o cargo. A escolha de Emmanuel Macron é tão “audaciosa” quanto “perigosa”.
Gabriel Attal substituiu Élisabeth Borne que se demitiu no cargo de primeiro-ministro de França, após ter sido nomeado pelo presidente Emmanuel Macron.
A escolha não é de todo uma surpresa e o presidente francês anunciou Attal como uma aposta “em fidelidade ao espírito de 2017”: superação e audácia“.
Mas a escolha de Macron é tão “audaciosa” quanto “perigosa”, segundo o redactor-chefe do jornal Le Figaro Guillaume Tabard.
Attal é “jovem e popular” e isso é uma vantagem para Macron numa altura em que a sua presidência é alvo de grande contestação, entende o jornalista.
Mas, para Tabard, a escolha “lança, de facto, a competição para a sucessão” de Macron. E, nesse caso, o “feitiço pode virar-se contra o feiticeiro”, queimando aquele que é visto como “o filho de Macron e o seu sucessor” natural.
Em termos imediatos, o presidente francês aposta na juventude e na popularidade de Attal para fortalecer um Governo enfraquecido pela ausência de uma maioria parlamentar. E procura também criar uma onda de entusiasmo a pensar nos eleitores mais decepcionados, já com um olho nas próximas eleições europeias.
“O meteoro Gabriel Attal”
Attal ocupava o cargo de ministro da Educação e, aos 34 anos, tornou-se no mais jovem primeiro-ministro da história de França e no primeiro líder do Governo que é abertamente homossexual.
É visto como uma estrela em ascensão na política francesa. O politólogo Pascal Perrineau refere-se mesmo a ele como um “meteoro” num artigo de 26 de Dezembro de 2023, escrito para a think tank Telos.
Perrineau realça uma sondagem realizada entre 8 e 9 de Dezembro de 2023 que colocava Attal como o líder político francês mais popular, com 40% de opiniões favoráveis, à frente de três líderes da extrema-direita – Marine Le Pen (37%), Jordan Bardella (36%) e Marion Maréchal (30%).
Macron somava apenas 27% de opiniões favoráveis, à frente da primeira-ministra a que Attal sucede, Elisabeth Borne (24%).
Attal era, então, especialmente popular entre as pessoas com 60 anos ou mais (56%), entre os quadros superiores (49%), entre as famílias mais ricas (50%) e entre o eleitorado do centro (78%) e da direita (64%). Por outro lado, era menos popular entre os mais jovens e entre as classes sociais mais baixas.
Antes disso, numa sondagem de Outubro de 2023 que avaliou eventuais candidatos às próximas eleições presidenciais francesas, Attal recolheu 19% das intenções de voto atrás do ex-primeiro-ministro Edouard Philipe (25%), mas à frente de Bruno Le Maire (18%), ex-ministro das Finanças, e de Gérald Darmanin (16%), ex-ministro do Interior.
Estes números são assinaláveis face a políticos de renome na sociedade francesa e considerando a pouca experiência política de Attal. Mas provam como o jovem tem tido uma trajectória realmente “meteórica”.
Quem é Gabriel Attal?
Filho de um advogado com ascendência judaica tunisina e de uma mãe descendente de cristãos ortodoxos ucranianos, Attal tem três irmãs mais novas e confessou que chegou a ser vítima de bullying na escola.
O novo primeiro-ministro francês vive em união de facto com Stéphane Séjourné, de 38 anos, deputado e secretário-geral do partido de Macron e conselheiro do Presidente francês até 2021.
De origem burguesa, Attal teve uma educação elitista nas “escolas certas”, como sublinha Perrineau, destacando as suas passagens por algumas das instituições de ensino privadas mais conceituadas de França, como a École Alsacienne e a Sciences Po University, frequentadas por algumas grandes figuras da política francesa.
Os seus dois filhos estudam na mesma escola que frequentou, o que nem sempre tem sido visto com bons olhos por alguns franceses.
“Sniper de palavras”
Attal juntou-se ao Partido Socialista francês em 2006, e apoiou a candidatura de Ségolène Royal nas eleições presidenciais de 2007.
Aos 23 anos, já trabalhava a tempo inteiro no ministério da Saúde, onde chegou pela mão da então ministra, Marisol Touraine, que era mãe de um dos seus colegas de escola.
Mas, em 2016, aderiu ao Em Marcha – actual Renaissance (Renascimento) -, fundado por Macron, e rapidamente subiu na hierarquia do partido.
É “o mais macronista de entre nós”, chegou a dizer Gérald Darmanin em privado, segundo realça o Le Figaro.
Em 2017, foi eleito deputado e, no ano seguinte, tornou-se porta-voz do partido.
Foi também um dos conselheiros de Macron no arranque da sua presidência, em 2017, e destacou-se pelas excelentes capacidades de comunicação – falava-se dele como “o sniper de palavras” por ser tão certeiro no que dizia.
Aos 29 anos, tornou-se secretário de Estado do Ministro da Educação Nacional, tornando-se no mais jovem membro do Governo da altura.
Entre 2020 e 2022, foi porta-voz do Governo, ganhando palco mediático devido às intervenções relacionadas com a pandemia de covid-19.
Em Maio de 2022, foi nomeado Ministro Delegado das Contas Públicas e em 2023, assumiu o seu primeiro grande cargo político como ministro da Educação Nacional e da Juventude.
A proibição da “abaya”
Neste percurso, passou de uma popularidade de 21% em 2021, aos 30% em 2022. Mas foi com a nomeação como ministro da Educação que a sua popularidade aumentou, com um “salto” para os 40%.
A Educação é uma área “onde as expectativas dos franceses são muito altas” e desempenha “um papel determinante na hora de votar“, repara Perrineau, salientando que o discurso “sem complacências” de Attal conquistou os franceses num contexto em que a classe política tem hesitado “em colocar na agenda os problemas reais da integração, do islamismo e da educação”.
A proibição do uso da “abaya” nas escolas francesas, em Agosto de 2023, valeu-lhe uma boa dose fama e de elogios, sobretudo por ter reagido com firmeza aos protestos contra a decisão.
Após o assassinato de um professor numa escola, em Outubro de 2023, ordenou a exclusão de 68 estudantes que fizeram comentários particularmente graves durante cerimónias de homenagens em vários estabelecimentos de ensino.
Também tomou várias medidas que agradaram aos pais mais exigentes e mais preocupados com a degradação da Educação dos filhos, nomeadamente a possibilidade de os professores decidirem chumbar alunos e o regresso dos trabalhos de casa.
Poderá Attal queimar as asas?
A aposta em Attal como primeiro-ministro pode ser o “oxigénio” de que a presidência de Macron precisa para ultrapassar esta fase difícil. Mas há quem desvalorize a escolha, considerando que no regime presidencialista francês, Attal volta ao cargo de “porta-voz” de Macron.
“Attal é a voz do seu mestre e o primeiro-ministro está agora no Eliseu”, critica um leitor do Le Figaro, considerando que “ninguém de qualidade desejava” ocupar o cargo.
Certo é que o ministério da Educação foi apenas “um trampolim” para um jovem ambicioso que pode sonhar com o mais alto cargo do Estado francês. Falta saber se o seu voo chegará lá, ou se acabará por queimar as asas como primeiro-ministro de Macron.
Se o pior cenário acontecer, Marine Le Pen poderá ter o caminho aberto para o Eliseu – e por exclusiva culpa de Macron que decidiu colocar o seu trunfo de ouro no centro da política francesa.