O presidente da Câmara do Porto vai a julgamento no processo Selminho, no qual é acusado de favorecer a imobiliária da família, da qual era sócio, em detrimento do município, decidiu o Tribunal de Instrução do Porto esta terça-feira.
A juíza Maria Antónia Ribeiro, do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto, decidiu pronunciar (levar a julgamento) Rui Moreira, “nos exatos termos” da acusação do Ministério Público (MP), disse à agência Lusa fonte judicial.
No debate instrutório, realizado a 29 de abril, o MP defendeu que o autarca fosse a julgamento, reiterando que, enquanto presidente do município, agiu em seu benefício e da família, em prejuízo do município, no negócio dos terrenos da Arrábida.
A defesa de Rui Moreira, acusado de prevaricação, em concurso aparente com um crime de abuso de poder, incorrendo ainda na perda de mandato, requereu a abertura de instrução, fase facultativa que visa decidir por um Juiz de Instrução Criminal se o processo segue e em que moldes para julgamento.
Na altura, o presidente independente “repudiou veementemente” os factos que lhe são imputados e salientou que a acusação é “descabida” e “infundada”.
Entretanto, o independente falou aos portuenses e afirmou que a decisão do Tribunal de Instrução Criminal de o levar a julgamento no âmbito do caso Selminho não interferirá na sua avaliação sobre uma recandidatura à Câmara do Porto.
Numa declaração nos paços do concelho sem direito a perguntas dos jornalistas, o autarca independente reagia assim pouco depois de conhecida a decisão do TIC, lamentando-a e considerando que “nada de novo resulta” dela.
“Como sabem, a senhora juíza de Instrução decidiu hoje que o processo em que fui acusado deve ser submetido a julgamento. Fê-lo entendendo que essa seria a sede processual adequada para se apurar o que consta da acusação e que eu sempre refutei. Nada de novo resulta, portanto, desta decisão. Não me deu, nem tirou razão“, afirmou o autarca, esta terça-feira.
Rui Moreira disse lamentar a decisão do Tribunal de Instrução do Porto e que a mesma “não tem qualquer fundamento”.
“É uma decisão que naturalmente lamento , pois sei que a acusação não tem qualquer fundamento e por isso procurei evitar o prolongamento do processo sem recorrer a qualquer expediente dilatório, entendendo que o mesmo tinha custos desnecessários já que, tal como há quatro anos, estamos perante um processo que surge em véspera de eleições“, atirou, citado pelo SAPO24.
Num tom visivelmente emocionado, Rui Moreira considerou “um insulto e uma infâmia que se possa sequer pôr a hipótese de” poder ter beneficiado a sua família, num assunto em que a família acabou por perder os terrenos a favor da Câmara.
“Sofreu na pele uma perseguição terrível, venceu sem nunca se ter vitimado, sem nunca ter perdido amor pela cidade e pela cidadania ativa. É a memória dele e da sua coragem que me inspira. É por isso que estou sentido neste dia em particular”, disse Rui Moreira referindo-se ao aniversário do pai, que faria hoje 90 anos.
Garantindo que não irá ignorar a existência do processo, o autarca sublinhou que não interferirá na sua recandidatura a Presidente da Câmara Municipal do Porto.
“Naturalmente não ignoro a existência do processo, por isso quer dizer-vos e deixar bem claro, em particular àqueles que há muito me tentam afastar dos portuenses, que este processo não interferirá na avaliação sobre a minha candidatura a presidente da Câmara Municipal do Porto”, referiu.
“Isso seria uma traição a tudo aquilo em que acredito bem como aqueles que sempre me apoiaram e têm estado ao meu lado. (…) Desiludam-se pois os que pensam que este processo me afasta de continuar a lutar pela cidade que amo sempre na defesa dos altos valores que nos caracterizam. Tal como muito portuense sou cioso da minha integridade e do meu bom nome que tentam vilipendiar”, concluiu.
Segundo a acusação do MP, a Selminho, de que Rui Moreira e familiares detinham parte do capital social, “vinha, desde 2005, esgrimindo perante o município o direito de construir um edifício de apartamentos num terreno na Calçada da Arrábida, no Porto, direito que o município não lhe reconhecia”.
Isto por a autarquia entender que as operações urbanísticas pretendidas pela Selminho não estarem de acordo com o Plano Diretor Municipal (PDM).
A acusação conta que, “face a esta posição do município, a Selminho instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 15 de dezembro de 2010, uma ação em que pedia a declaração de ilegalidade dos artigos 41.º e 42.º do PDM – normas de que derivava a inviabilidade da construção – ou, se tal pedido improcedesse, a condenação do município no pagamento de uma indemnização pelos danos causados pela aplicação daquelas normas ao terreno onde queria construir”.
A acusação do MP sustenta que, após tomar posse como presidente, em outubro de 2013, Rui Moreira determinou que o município alterasse a posição jurídica e/ou urbanística “que vinha sucessivamente adotando, quer nos litígios judiciais, quer nos procedimentos administrativos, relativamente à pretensão” da Selminho de construir num terreno na escarpa da Arrábida.
“Tal alteração de posição foi motivada pela intenção de beneficiar a sociedade comercial de que era sócio com os familiares; e que se concretizou na assunção pelo município, em transação judicialmente homologada em setembro de 2014”, refere a acusação.
A transação foi realizada “sem qualquer autorização da Assembleia Municipal, do compromisso de diligenciar, nomeadamente durante a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM), pela alteração da qualificação do solo do terreno, de modo a que esta pudesse aí construir, e na aceitação de submeter a um tribunal arbitral a fixação de uma indemnização devida à sociedade comercial caso as alterações ao plano diretor municipal não fossem efetuadas”.
No acordo de 2014, no primeiro mandato do independente, o município assumiu o compromisso de devolver capacidade construtiva àquele terreno, no âmbito da atual revisão do PDM, ou recorrer a um tribunal arbitral para definir uma eventual indemnização à imobiliária.
No centro da disputa estava um terreno na escarpa do Douro, vendido por um casal que, em Montalegre, o registou por usucapião à imobiliária Selminho, em 2001, e que o tribunal considerou ser propriedade municipal, na sequência de uma ação movida pela autarquia em 2017.
Este processo foi iniciado após ter sido divulgado que um técnico da autarquia concluiu serem municipais 1661 dos 2260 metros quadrados apresentados pela Selminho para construção na escarpa da Arrábida.
Em maio, o Supremo confirmou a decisão do Tribunal da Relação do Porto, julgando improcedentes os recursos apresentados pela Selminho, imobiliária da família do presidente da Câmara do Porto, e pelo casal que em 2001 vendeu à empresa um terreno na Arrábida.
Em outubro de 2019, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão da primeira instância que, em janeiro desse ano, julgou “nula” a escritura de venda de 2.260 metros quadrados na Arrábida por um casal à Selminho, ordenando o “cancelamento” da sua inscrição na Conservatória do Registo Predial.
ZAP // Lusa