O Presidente da República considera que qualquer proposta de reforma da Lei de Bases da Saúde que feche totalmente a hipótese da sua gestão por privados “é uma lei irrealista”, mas a proposta do Governo “abre essa hipótese”.
Esta terça-feira, Marcelo Rebelo de Sousa deu a entender que pode não vetar uma Lei de Bases da Saúde que não tenha o acordo dos dois principais partidos, desde que o documento que venha a ser aprovado dê provas de “sensatez”, sobretudo nas escolhas políticas sobre a participação dos privados no Serviço Nacional de Saúde – as parcerias público-privadas (PPP).
No programa O Outro Lado, na RTP 3, o Presidente da República sublinhou que o debate em relação ao fim das PPP está circunscrito a saber se a gestão do SNS deve ou não ter a participação do setor privado.
“A minha resposta não é ideológica, é pragmática: uma lei que feche totalmente essa hipótese é uma lei irrealista. A gestão pública do SNS integral não é possível”, afirmou.
Para Marcelo, o “inteligente é prever fórmulas que tenham válvulas de escape. Traduzirá porventura o estado de espírito da maioria deste momento, mas permitirá acautelar a possibilidade, no futuro, de prestações de saúde por parte do setor privado”.
O moderador João Adelino Faria perguntou como seria se não acontecesse desta forma, ao que Marcelo respondeu “não vejo porque não há-de ser assim. A lei em vigor foi aprovada por uma maioria de direita, mas não impunha [que a gestão fosse privada]. Permitia dois caminhos”.
Neste contexto, uma reforma que vá no sentido da fórmula “apresentada pelo Governo”, que inclua “mais qualificativo, menos qualificativo, a título supletivo, a título complementar, em circunstâncias excecionais, em função da ponderação das circunstâncias, proporcionalmente, como uma válvula de escape”, é, para Marcelo, “um problema de sensatez, não é um problema ideológico”.
Questionado sobre se espera que exista “sensatez” numa eventual reforma da Lei de Bases da Saúde que venha a ser aprovada e que tenha de apreciar, o Presidente reiterou: “Se houve [essa sensatez] na proposta de lei do Governo, acho que pode vir a haver” naquilo que o parlamento vier a aprovar.
Marcelo lembrou que “o setor público não pode garantir, e não deve”, com os meios de que dispõe, os cuidados continuados de saúde com a amplitude com que eram prestados anteriormente pela rede hospitalar a uma população cada vez mais envelhecida. E esta circunstância, segundo o Presidente, explica a importância crescente do setor social neste domínio.
De igual forma, continuou, “há de haver situações em que a gestão pública integral do SNS não é possível”. “Já não é possível hoje e poderá não ser no futuro. Há crises económicas, crises financeiras, situações orçamentais, situações de nichos em que isso não é possível”, insistiu o chefe de Estado, escusando-se a colocar “a questão no plano doutrinário”.
O Presidente espera que a reforma que sair do parlamento traduza, “porventura, o estado de espírito da maioria existente neste momento”, mas essa eventual futura lei deverá “no futuro acautelar a possibilidade de se recorrer à gestão – mais ampla, menos ampla – da prestação de cuidados de saúde, por parte do setor social e privado”.
“Uma lei votada no atual quadro político pode ser marcada por esse quadro político. Não se vê como é que uma lei em vésperas de eleições seja uma lei que possa abranger um acordo fácil entre a liderança da oposição e a maioria governativa. Não é fácil. Mas, não sendo fácil, é uma questão de imaginação”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa, realçando: “Aliás, a proposta apresentada pelo Governo abre essa hipótese, tal como está”.
Bloco não vai ceder
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, considerou que atualmente o debate é se no futuro os hospitais serão geridos pelo Estado ou por privados e salientou que o partido não vai ceder nesta matéria.
Intervindo numa sessão pública sobre o Serviço Nacional de Saúde organizada pelo partido e que decorreu em Lisboa, Catarina Martins começou por dizer que atualmente existem “três hospitais apenas” que são geridos através de Parcerias Público Privadas (PPP), referindo-se às unidades de Cascais, Vila Franca de Xira e Loures.
“Quando vemos, por um lado, toda a pressão do Presidente da República para que se mantenham as PPP, por outro lado toda a indefinição do Partido Socialista, que parece não querer cumprir o acordo que foi feito pela própria ministra da Saúde e pelo próprio primeiro-ministro, para acabar com as PPP na área da saúde, não estamos a falar seguramente destes três hospitais”, afirmou.
Na ótica da bloquista, “o que está em debate é se, no futuro, todas as unidades de saúde do país podem ser geridas por privados ou se devem ser geridas pelo Estado”. “O que está verdadeiramente em jogo nesta Lei de Bases é se queremos que o Serviço Nacional de Saúde se transforme numa gigantesca PPP, indo entregando unidade de saúde, após unidade de saúde à gestão privada, ou se nós queremos, pelo contrário, reforçar um Serviço Nacional de Saúde público, que responde a toda a gente”, salientou.
A líder do BE referiu que não existe “nenhuma dúvida” quanto a esta matéria, concretizando que, quando um utente entra “num hospital que tem gestão pública, esse hospital tem o dever de fazer tudo ao seu alcance para responder pela saúde do utente”, pelo contrário, “quando se entra num hospital PPP, esse hospital só faz o que está contratualizado”.
Referindo que “essa é toda a diferença” quando se fala de saúde, Catarina Martins sustentou que o Bloco pretende que exista em Portugal um SNS que, “em todo o território, e em todas as condições, a todas as pessoas, dê a melhor resposta” que o “país possa ter para cada situação concreta”.
“É por isso que lutamos, é por isso que temos feito este debate, é por isso que não cedemos. Não cedemos e o problema não são três PPP, o problema é saber se nós queremos deixar o caminho aberto para um qualquer governo futuro que, não estando condicionado à esquerda, decida entregar a generalidade dos hospitais à gestão privada ou se, pelo contrário, nesta legislatura respondemos à expectativa das pessoas de salvar o Serviço Nacional de Saúde”, frisou.
Assim, a coordenadora assinalou ainda que “ao Bloco de Esquerda interessa muito pouco o debate com os partidos da direita”, uma vez que “não têm nada para oferecer a este debate, a não ser manter tudo como está, manter que uma boa fatia dos 10 mil milhões de euros do orçamento da saúde continue a ir para os privados e, de preferência, fazer crescer essa sangria de sangria de recursos do SNS para os hospitais privados”. “A nós interessa-nos a discussão que temos tido com o Partido Socialista”, frisou.
O fim de novas PPP na área na gestão de hospitais é uma das propostas de alteração à Lei de Bases da Saúde, apresentadas pelo BE e que o partido diz terem sido concertadas com o Governo, liderado pelo socialista António Costa.
ZAP // Lusa