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Portugal já teve um discurso muito parecido com o que a Rússia tem sobre a guerra na Ucrânia

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ZAP // Arquivo RTP; Wirestock / Depositphotos

Paiva Brandão, Vladimir Putin

A Guerra Colonial só estava a acontecer por “legítima defesa perante uma agressão preparada por estrangeiros”. Fala Paiva Brandão.

Falava-se na importância dos reformados na campanha eleitoral. Falou-se em “Brigada do Reumático”. E aí fomos recuperar a verdadeira “Brigada do Reumático” – que não, não é uma designação sobre os reformados portugueses no geral.

Era uma designação irónica sobre a maioria dos oficiais-generais dos três ramos das Forças Armadas que estiveram numa famosa cerimónia de solidariedade com o Estado Novo.

O porta-voz foi Paiva Brandão. Era na altura o Chefe do Estado Maior do Exército e era o mais antigo dos chefes do Estado Maior.

Entre outros argumentos, entre algumas justificações para a criação daquele evento, o general falou sobre a Guerra Colonial.

Citando Marcello Caetano, disse que os conflitos em África só se estavam a verificar por “legítima defesa perante uma agressão preparada e desencadeada a partir de territórios estrangeiros”.

“De facto, desde 1961 que fomos objecto de insidioso ataque, tendo sido cometida às Forças Armadas – de terra, mar e ar – a primordial missão de manter a integridade do solo pátrio”, continuou o general.

Paiva Brandão assegurou que “essa missão de defesa tem sido cumprida com bravura, reconhecido sacrifício e espírito de abnegação”, elogiando, não só os oficiais presentes naquela cerimónia, como também os “milhares de outros portugueses, militares e civis, que, nada solicitando, tudo deram e continuam a oferecer, numa exemplar de disponibilidade de serviço à comunidade nacional”.

O responsável explicou que era preciso manter aquele “esforço de defesa” para defender o “interesse colectivo, protecção das populações que continuam a ser ameaçadas”. Tudo “em busca da paz”.

Mas, acrescentou, “tudo valerá a pena quando está em causa a segurança das populações e o desenvolvimento dos territórios da nação”.

Paiva Brandão nunca disse a palavra “guerra”. Falou sobre “operações militares” em Angola, Moçambique e Guiné. Tal como Marcello Caetano tinha dito.

E agora… Putin

O contexto é diferente. Muito diferente. Mas aquela declaração de Paiva Brandão faz – muito – lembrar as justificações de Vladimir Putin e do Kremlin para a guerra na Ucrânia. As descrições, os elogios, também são semelhantes. Saltamos de 1974 para 2022.

Primeiro, a origem: Paiva Brandão falava em “legítima defesa”. Recordemos que, uma semana antes do início da guerra na Ucrânia, separatistas pró-russos, apoiados pelo Kremlin, acusaram a Ucrânia de bombardear os seus territórios. No dia 24 de Fevereiro de 2022, dia do início da invasão, Vladimir Putin alegou que foi “forçado” a invadir a Ucrânia; os militares iam fazer a “desmilitarização e desnazificação” da Ucrânia, para proteger a Rússia e os russos que vivem no país vizinho.

Paiva Brandão alegava que havia em África uma “agressão preparada e desencadeada a partir de territórios estrangeiros”. Logo no primeiro dia da guerra na Ucrânia, o presidente da Rússia avisou que “qualquer tentativa estrangeira de interferir com a acção russa levará a consequências nunca antes vistas“. E, ao longo destes três anos, o Kremlin tem repetido que a Ucrânia só resiste graças ao apoio dos estrangeiros e tem avisado a NATO que a organização também está a atacar a Rússia.

O general português elogiou os “milhares de outros portugueses” que tudo dão pela pátria, sem pedir nada em troca – um discurso repetido pelo presidente da Rússia, 50 anos depois. Algo normal em cenário de guerra.

Paiva Brandão também mencionou que era preciso proteger as “populações que continuam a ser ameaçadas”. O Kremlin alega o mesmo, especialmente sobre os russos que habitam nas regiões da Ucrânia parcialmente controladas por russos: estão sempre sob ameaça dos ucranianos.

Por fim, a “operação”. Paiva Brandão e Marcello Caetano recusaram chamar “guerra” à guerra colonial; eram “operações militares”. Putin e o Kremlin não chamam “guerra” à guerra na Ucrânia; desde o primeiro dia que é uma “operação militar especial”.

Essa cerimónia de apoio a Marcello Caetano – que garantiu que as Forças Armadas estavam unidas e solidárias com o Estado Novo, e que a “pátria” estava no rumo certo – decorreu no dia 14 de Março de 1974. Cerca de um mês depois, 25 de Abril.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

11 Comments

  1. o paralelo que há é que PT tal como a UIcrania foi alvo de ataque exterior, e mais precisamente também pelos Russos, Chinas e Cubas.

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    • Foi? Ou terá sido por termos espezinhado a maioria das populações? Porque é que, ainda hoje, há gente que diz que preto não sabe fazer nada?
      Cresçam e respeitem para serem respeitados!

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  2. Não tem comparação possível. Desde o início, que Putin atacou um país soberano chamado Ucrânia. No caso da Guerra do Ultramar/Colónias foram as colónias portuguesas em África, parte integrante do território nacional há vários séculos, que foram atacadas por movimentos independentistas a soldo de potências estrangeiras como EUA, URSS e China Popular.

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  3. Pois, a grande diferença é que naquela altura, à luz do direito internanional, Angola era território Português, por isso era Portugal que estava a ser invadido.
    Aqui é a a Ucrania que está a ser invadida.

  4. Desde o início da Invasão russa à Ucrânia ficou claro que Putin tinha ambições Imperialistas e um projeto Colonial de ocupação e administração do território Ucraniano.

  5. Vendo as coisas pelo prisma de certos comentadores, seria correcto o território e o povo português ainda hoje pertencerem a um qualquer califado muçulmano, uma vez que assim foi por muitos séculos. Talvez o Daesh/ISIS tenha afinal razão em reivindicar a Península Ibérica…?

    • É pendurar estes esquerdalhas nos pelourinhos isto já é demais andamos nisto há 50 anos a aturar estes anormais k rezam ao santo lenine, e depois na prática são mais capitalistas k o Trump. Em 5 festas do Avante k fui nunca vi oferecerem seker uma sopa e só sacar. Cromos

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  6. Continuam as conversas da treta. Não existe qualquer possibilidade de comparar as duas situações. Já se esqueceram dos acordos de Minsk, entre Rússia, Ucrânia, Alemanha e França, celebrados unicamente para dar tempo à Ucrânia de se armar, segundo opinião divulgada e logo abafada da antiga Chanceler alemã Ângela Merkel?

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