Os números de vítimas mortais por violência doméstica no início do ano passado foram alarmantes. A chegada da pandemia e o confinamento obrigatório tornaram o assunto ainda mais urgente e preocupante. Contudo, a solução do Governo para acelerar o combate à violência doméstica não desata no Parlamento e pode mesmo não avançar.
Desde abril que está na Assembleia da República uma proposta de lei que altera o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das vítimas, mas esta não avança nos trabalhos da comissão parlamentar.
A Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, explica que “a natureza das reservas suscitadas na generalidade e a circunstância de a proposta ter baixado à comissão sem votação levam a admitir que a solução ali desenhada não colherá apoio suficiente para vingar”, disse ao Expresso.
Van Dunem já tinha demonstrado não ter muita esperança que a proposta avançasse. “Não penso que venha a ter bom resultado”, disse em entrevista ao podcast do PS, “Política com Palavra”.
As críticas no Parlamento, e fora dele, foram tantas que a solução passa por deixar cair a medida de dar mais poder aos tribunais criminais para assegurar maior proteção às vítimas. Segundo o Expresso, a proposta não tem sido agendada para discussão pelos socialistas o que leva deputados a acreditar que não há interesse em avançar.
Entretanto entrou em vigor uma alteração legislativa proposta pelo PCP que resolve parte do problema, ao impedir os tribunais de inscreverem as moradas das vítimas nas diligências direcionadas aos agressores.
Um dos problemas identificados nos casos de violência doméstica é o facto de o agressor descobrir a morada da vítima quando há regulação parental. Se o casal está separado e há um processo por violência doméstica a correr, o agressor não tem acesso à morada da vítima nesse processo, mas o mesmo não acontece quando corre um processo paralelo de regulação parental.
A proposta do Governo passava por aumentar os poderes dos tribunais criminais na aplicação de “decisões provisórias urgentes de proteção da vítima, tais como a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais, a utilização provisória da casa de morada de família e a guarda de animais de companhia”.
Uma medida “inovadora” escreveram os juízes, mas não no bom sentido. Na discussão inicial da proposta, o Conselho Superior de Magistratura alertou para as “implicações graves” nas competências dos tribunais, sobretudo nos tribunais de família e menores e que poderia levantar “questões de constitucionalidade”, diz o Expresso.
Há um ano, António Costa apresentava a sua proposta de programa de Governo numa convenção do PS e defendeu uma revisão constitucional para criar tribunais especializados em crimes de violência doméstica. “Se isto não merece uma revisão constitucional, não sei o que mereça”, referiu.
Em 2019, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima registou 45 homicídios. Costa sublinhou a importância de equacionar a possibilidade de uma “abordagem judiciária integrada” dentro do quadro constitucional existente, mas além disso defendia a criação dos tribunais especializados.
Uma ideia com a qual Francisca Van Dunem não concorda. A falta de consenso em torno do assunto parece atrasar ainda mais a aplicação de novas medidas,o que consequentemente não deverá contribuir muito para a resolução deste problema social.
A coisa pode esperar. Ainda não houve suficientes mortes e os agressores até continuam, na sua maioria, em liberdade até ao julgamento e, depois deste, ficam “impossibilitados (?)” de se aproximar das vítimas – até que as matam.