Uma mulher que atualmente pretenda ficar grávida do marido que já morreu e que tenha deixado sémen reservado pode fazê-lo no prazo de três anos, estipula uma lei aprovada esta quinta-feira, por maioria, no Parlamento.
Na votação final global, o diploma teve os votos a favor do PS, Bloco de Esquerda, PCP, PAN, Verdes, Iniciativa Liberal e as duas deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira (ex-Livre) e Cristina Rodrigues (ex-PAN). O PSD, CDS-PP e Chega votaram contra. Abstiveram-se cinco deputados do PS – Euridíce Pereira, Bruno Aragão, Filipe Neto Brandão, Porfírio Silva e Fernando Anastácio.
O projeto para consagrar a inseminação post mortem na lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA) teve origem numa iniciativa legislativa de cidadãos, lançada por uma mulher que queria engravidar do marido, mas que já morreu.
A lei admite a inseminação no caso de casais em que o homem está vivo, tendo de assinar uma declaração de consentimento para a utilização do seu sémen após a sua morte e também para os casos em que o marido ou companheiro em união de facto tenha morrido, mas que tinha planos para ter uma criança com a mulher.
A inseminação post mortem pode acontecer se o homem tiver deixado instruções claras nesse sentido ou se a mulher provar a “existência de um projeto parental claramente consentido e estabelecido”, segundo o texto da lei consensualizado entre os partidos no parlamento.
Para o provar, lê-se na lei, “são admissíveis todos os meios de prova que demonstrem a existência desse consentimento”, pela parte da mulher.
De acordo com o semanário Expresso, que ouviu Eurico Reis, juiz e antigo presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), “aceitam-se todos os meios de prova, seja ela prova testemunhal, escrita, através de mensagem, de e-mail, do Twitter, de todas as plataformas”
A partir do material genético deixado, é apenas permitido que seja concluído um processo de gravidez que resulte no nascimento de um filho. As crianças nascidas de uma inseminação post mortem são considerados filhos do falecido.
A lei estipula ainda que quem desrespeitar a lei – “com a intenção de obter ganhou próprio ou de causar prejuízo a alguém” – pode ser “punido com pena de prisão até dois anos ou multa de 240 dias“.
A proposta da Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) – que reuniu mais de 20 mil assinaturas e que foi dinamizada por Ângela Ferreira, que pretende engravidar do marido que morreu – e dos projetos do BE, PS, PCP e PAN aprovados na generalidade no dia 23 de outubro de 2020 foram debatidos na especialidade por um grupo de trabalho criado para o efeito.
Ouvido em 18 de março, o juiz-desembargador Eurico Reis, da Comissão Representativa da ILC, considerou o trabalho realizado “muito profícuo” e afirmou que a comissão promotora abdicou da sua proposta a favor do texto comum, que contempla “todas as questões suscitadas” pela iniciativa de cidadãos.
“O texto é extremamente equilibrado, ponderado, dá resposta às questões que foram colocadas por outras entidades e está em conformidade com a Constituição”, disse. “Para quem costuma dizer muito mal do parlamento, nós temos aqui um bom exemplo de como o trabalho no parlamento é profícuo e benéfico para os cidadãos”.
Ângela Ferreira agradeceu o esforço feito pelos deputados do grupo de trabalho e confessou estar “muito feliz” com o texto comum aprovado que segue depois para a Comissão da Saúde para votação na especialidade. “Agora é só perceber, porque não sou jurista, como é que vai decorrer o processo, quais são os prazos que existem” para a inseminação post mortem ir a plenário.
ZAP // Lusa