Hiroshima do século XXI: Há uma “zona de morte” em Gaza. Quem entra não pode sair

Abir Sultan / EPA

É um dos primeiros relatos na primeira pessoa de militares israelitas desde o início do conflito. Soldados não relatam apenas uma “zona tampão”, mas uma “zona de morte”. 

Combatentes israelitas contam ao Breaking the Silence que lhes foi pedido que destruíssem casas e terrenos agrícolas a cerca de 1km da fronteira Israel-Palestina para criar uma “zona de morte de enormes proporções”.

O testemunho é inédito — trata-se de uma das primeiras vezes que a comunicação social tem acesso a testemunhos pessoais de militares israelitas desde outubro de 2023. O grupo Breaking the Silence foi criado por veteranos israelitas que querem contar a realidade do controlo militar sobre os palestinianos. O The Guardian entrevistou 4 testemunhas que corroboraram os relatos.

“Este espaço não deveria ter culturas, estruturas ou pessoas. Quase todos os objetos, instalações de infraestruturas e estruturas dentro do perímetro foram demolidos”, lê-se no relatório. Uma das testemunhas compara este espaço a Hiroshima, a cidade japonesa destruída pela bomba atómica em 1945.

E quem passa nessa área, não sai: os soldados tiveram ordens para destruir tudo o que quer que lá estivesse. Foi-lhes dito para “aniquilar deliberada, metódica e sistematicamente tudo o que estivesse dentro do perímetro designado, incluindo bairros residenciais inteiros, edifícios públicos, instituições educativas, mesquitas e cemitérios, com muito poucas exceções”.

“Lugares onde as pessoas viviam, cultivavam e estabeleciam indústrias foram transformados num vasto terreno baldio, uma faixa de terra erradicada na sua totalidade”, explica o grupo.

De acordo com os soldados, este terreno, agora desértico, estende-se ao longo da fronteira, entre Israel e Gaza, e alberga o canto sudeste do enclave. De acordo com o relatório, a área abrange cerca de 15% do território de Gaza, e 35% da sua área agrícola.

A plataforma OCHA das Nações Unidas revela em mapa as zonas de Gaza controladas por Israel.

“Atirar a matar”

Segundo os soldados, a mentalidade que lhes foi incutida foi a de que não existem civis, apenas terroristas naquele território. “Começámos a receber missões que consistiam basicamente em rebentar casas ou o que restava das casas”, revela um sargento. Mas o mesmo se aplicava às pessoas.

Em 2024, um sargento diz que foi ordenado a “disparar a matar” contra qualquer adulto do sexo masculino que entrasse no perímetro. Quanto às mulheres e crianças, devia “disparar para afastar”.

Mas um capitão que operou em Gaza em novembro de 2023 diz que “a fronteira é uma zona de morte. Qualquer pessoa que ultrapasse uma determinada linha, que nós definimos, é considerada uma ameaça e é condenada à morte”.

“Decidimos uma linha a partir da qual toda a gente é suspeita”, clarificou outro militar. Mas os palestinianos não foram informados sobre qual é essa linha.: “Como é que eles sabem é uma pergunta muito boa. Já morreram ou ficaram feridas pessoas suficientes ao atravessar essa linha, por isso não se aproximam dela.” Conhecimento empírico? Quem lá passa morre, e só aí se conhece a linha.

Arriscam a morte devido à fome

De acordo com as testemunhas, os palestinianos, mesmo depois de verem os seus compatriotas serem mortos nessa zona, continuavam a voltar. Isto porque, explicam os soldados, iam em busca de plantas comestíveis.

A fome, mais forte que o medo, levava os habitantes de Gaza a regressar “uma e outra vez depois de termos disparado contra eles”, contam as testemunha.

“Havia ali hubeiza (erva malva) porque ninguém se aproximava. As pessoas têm fome, por isso vêm com sacos para apanhar hubeiza, penso eu”, relata um militar.

ZAP //

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