A escolha de Michel Barnier, ex-comissário europeu e ex-ministro de direita, como novo primeiro-ministro de França atiça a revolta contra o Presidente Emmanuel Macron. A esquerda fala num “golpe de estado” após a vitória nas legislativas.
Depois de 60 dias de impasse, na sequência das eleições legislativas de Julho passado, Macron escolheu Michel Barnier, de 73 anos, como primeiro-ministro.
O político foi cognominado de “Joe Biden francês” pela extrema-direita, dada a sua idade, e é o primeiro-ministro mais velho da V República francesa.
Numa ida do 8 ao 80, Barnier sucede a Gabriel Attal, de 35 anos, que foi o primeiro-ministro mais novo de França.
“Golpe de estado inaceitável em democracia”
Depois de intermináveis semanas de consultas, Macron esforçou-se por encontrar um nome que reunisse “as condições” para um Governo “o mais estável possível”, o que será complicado dada a actual realidade do Parlamento gaulês.
Barnier já está a ser contestado pela esquerda, até porque o seu partido, Les Républicains, foi um dos menos votados nas legislativas que deram a vitória à coligação de esquerda Nova Frente Popular, embora sem maioria absoluta.
“Emmanuel Macron nega oficialmente o resultado das eleições legislativas”, critica o fundador do movimento França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, que integra a Nova Frente Popular.
Mélenchon diz mesmo que “Macron roubou as eleições ao povo francês”.
Já a presidente do França Insubmissa, Mathilde Panot, fala de “um golpe de estado inaceitável numa democracia“.
Emmanuel Macron nie officiellement le résultat des élections législatives.
Il vient de nommer Michel Barnier. Un membre, parmi d’autres, d’un parti qui a été le dernier à l’élection législative.
Emmanuel Macron a volé l’élection au peuple français.#PremierMinistre pic.twitter.com/kFdkSPlKIc
— Jean-Luc Mélenchon (@JLMelenchon) September 5, 2024
França Insubmissa quer destituir Macron
O França Insubmissa já apresentou uma proposta de destituição do presidente francês, acusando-o de se ter recusado a nomear a socialista Lucie Castets, candidata da coligação de esquerda, como primeira-ministra.
A petição online para destituir Macron já tem mais de 245 mil assinaturas numa altura em que a popularidade do presidente anda pelas ruas da amargura.
Para o movimento de esquerda, a alegada recusa de Macron de nomear Castets “constitui uma grave violação do dever de respeitar a vontade expressa pelo sufrágio universal”.
Entretanto, já está a ser convocada uma “marcha pela democracia” para o próximo sábado, 7 de Setembro, para protestar contra a decisão de Macron.
“O perdedor das primárias de um partido que perdeu as eleições legislativas torna-se primeiro-ministro”, queixa-se, por seu lado, o senador de Paris Ian Brossat do Partido Comunista francês.
“Este pode ser o sonho de Macron, mas é o pesadelo dos franceses“, critica ainda Brossat numa publicação na rede social X, sublinhando que o presidente quer “continuar tudo como antes”.
Vous voyez la petite partie bleue ?
C’est de là que vient Michel #Barnier !
Son camp est arrivé 4ème aux élections législatives.
Pourtant c’est lui que Macron décide de nommer Premier ministre. Démocratie ? 🤡#MacronDestitution pic.twitter.com/XgWxVY9orC
— Ilies Djaouti 🇫🇷 (@IliesDjt) September 5, 2024
Um piscar de olhos de Macron a Marine Le Pen
Mélenchon acusa ainda Macron de ter escolhido Barnier “com a permissão, e talvez, a sugestão” do Rassemblement National (RN), o partido de extrema-direita de Marine Le Pen.
O mesmo referiu o ex-presidente francês François Hollande que foi candidato da Novo Frente Popular.
E as palavras de Marine Le Pen deixam antever que o RN aprova Barnier, considerando que “parece cumprir” o que o partido tinha “solicitado”.
Mas a líder da extrema-direita francesa realça que é preciso “esperar pelo discurso de política geral” no Parlamento, para saber se o RN deixa, ou não, passar o nome do novo primeiro-ministro.
Quem já aprovou a escolha foi a eurodeputada Marion Maréchal, sobrinha de Le Pen que foi eleita nas eleições europeias pelo Reconquista, o partido de extrema-direita do polémico Éric Zemmour.
Marechal recuperou um extracto de um debate eleitoral em que Barnier participou e onde falou das suas ideias anti-imigração.
Assim, a eurodeputada de extrema-direita diz que espera que o novo primeiro-ministro “cumpra as suas promessas”, nomeadamente uma “moratória sobre a imigração”, a “limitação drástica do reagrupamento familiar”, o “fim das regularizações”, “expulsões facilitadas” e “reforma do direito ao asilo”.
Allez Monsieur le Premier ministre @MichelBarnier, c’est le moment de tenir vos promesses !
✅ Moratoire sur l’immigration
✅ Limitation drastique du regroupement familial
✅ Fin des régularisations
✅ Fin de l’AME
✅ Expulsions facilitées
✅ Réforme du droit d’asile
✅… pic.twitter.com/CrW7XQHTA9— Marion Maréchal (@MarionMarechal) September 5, 2024
Note-se que o partido de Le Pen e os seus aliados foram a terceira força mais votada nas últimas legislativas com 142 deputados num total de 577.
A coligação de esquerda tem 193 deputados e a aliança centrista de Macron conseguiu 166.
Mas o RN é o partido mais votado, a título isolado, com 37% dos votos, e, por isso, é fundamental para que um novo Governo de Macron se aguente no poder.
Barnier promete “mudanças e rupturas”
Barnier enfrenta, assim, o maior desafio da sua carreira política num ambiente de alta tensão. Tornou-se no “coelho tirado da cartola” por Macron para resolver um impasse que durava desde a noite das eleições, a 7 de Julho.
Mas o novo primeiro-ministro francês tem uma sólida experiência política, tanto em França como em Bruxelas, o que o poderá ajudar a estar à altura da árdua tarefa.
Barnier tem reputação de ser um bom mediador: foi o negociador da União Europeia (UE) durante o Brexit, o processo de saída do Reino Unido do bloco comunitário.
Antes disso, foi várias vezes ministro em França, nomeadamente durante as presidências de Jacques Chirac e de Nicolas Sarkozy.
No seu primeiro discurso no cargo, Barnier prometeu “mudanças e rupturas” para “responder, na medida do possível, aos desafios, à ira, ao sofrimento, ao sentimento de abandono, de injustiça” que impera entre muitos franceses.
Barnier também apontou a educação, a segurança, a imigração, o trabalho e o poder de compra como as suas principais prioridades.
Susana Valente, ZAP // Lusa