As autoridades chinesas estão a pressionar as famílias das primeiras vítimas da covid-19 para que não entrem em contacto com os investigadores da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Wuhan, segundo familiares dos falecidos.
Mais de um ano após o novo coronavírus surgir, no centro da China, uma equipa da OMS deslocou-se a Wuhan para investigar a origem da pandemia, noticiou a agência Lusa.
Após duas semanas em quarentena, os doze especialistas estão a preparar-se para começar a investigação, na quinta-feira, enquanto Pequim promove a narrativa de que a pandemia não começou na China. Familiares das vítimas acusaram o regime comunista de tentar dissuadi-los de abordar os especialistas internacionais.
As famílias reuniram-se, no ano passado, para exigir compensações às autoridades locais, que minimizaram e encobriram informações sobre a epidemia, chegando a repreender os primeiros médicos que alertaram para a doença. Vários familiares tentaram ir a tribunal, mas as suas queixas foram rejeitadas pelas instâncias judiciais.
Desde a chegada dos especialistas da OMS, a pressão das autoridades aumentou, dizem, segundo a agência France-Presse. Enquanto quase uma centena de familiares das vítimas trocavam mensagens na aplicação WeChat, o grupo de discussão foi bloqueado, há dez dias, revelou Zhang Hai, um dos responsáveis pelo movimento, citado pela AFP.
“Isto mostra que [as autoridades] estão muito nervosas. Temem que as famílias entrem em contacto com especialistas da OMS”, disse à AFP o homem de 51 anos, cujo pai morreu no início do ano. “Quando a OMS chegou a Wuhan, [o grupo] foi bloqueado. Como resultado, perdemos o contacto com muitos membros”, lamentou.
Como outras redes sociais na China, o WeChat, administrado pela Tencent, bloqueia regularmente conteúdo considerado sensível pelas autoridades.
A pandemia matou oficialmente 3.900 pessoas em Wuhan, a grande maioria das mortes na China. O país conseguiu conter a pandemia na primavera, embora casos tenham surgido nas últimas semanas. Com menos de 90.000 pacientes, segundo dados oficiais, continua longe dos balanços no resto do mundo, que soma mais de 100 milhões de infetados.
Muitos parentes das vítimas dizem duvidar desses números, relatando que mortes ocorreram antes que pudessem ser identificadas como doentes com o coronavírus.
Uma aposentada, que acredita que a filha foi vítima do vírus em janeiro de 2020, contou à AFP que foi convocada na semana passada pelas autoridades, que a ordenaram que não “falasse com a imprensa”. “Depois disto, vieram a minha casa e deram-me 5.000 yuan (640 euros) como condolências”, testemunhou.
Questionado pela AFP, o governo de Wuhan não respondeu às perguntas relacionadas com os pedidos das famílias.
Zhang Hai pediu aos especialistas da OMS que tivessem “coragem” de se reunir com as famílias, dizendo temer que fossem enganados pelas autoridades ou restringidos durante a investigação. O depoimento de famílias sobre a explosão do vírus em Wuhan, continuou, pode esclarecer os investigadores, já que Pequim recusa assumir responsabilidades.
Segundo os primeiros elementos fornecidos por investigadores chineses no início de 2020, o vírus teria sido transmitido por um morcego a outro animal, antes de ser transmitido para os humanos. A contaminação teria ocorrido num mercado de Wuhan onde animais selvagens, incluindo pangolins, foram vendidos vivos.
Outra teoria, difundida em particular pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, culpa o laboratório de virologia de Wuhan, onde se investiga o coronavírus. Não ficou claro se os especialistas internacionais terão acesso a este laboratório durante sua estada em Wuhan.
Pandemia no Twitter antes de se falar em covid-19
Uma equipa de investigadores da Escola de Estudos Avançados em Institutos, Mercados e Tecnologias (IMT), de Lucca, na Itália, analisou publicações no Twitter sobre “pneumonias desconhecidas” e “tosse seca”, concluindo que semanas antes dos primeiros casos públicos de covid-19 na Europa já havia sinais do vírus na rede social.
O Público noticiou que foram identificados relatos sobre pneumonia desconhecida no Twitter entre o final de 2019 e o início de 2020, que acreditam representar os primeiros casos de covid-19 na Europa. No estudo, publicado na Scientific Reports, foram analisadas 891 mil publicações.
Em janeiro de 2020, houve 13 mil publicações sobre “pneumonias desconhecidas” em regiões onde semanas mais tarde foram identificados os primeiros casos, como Lombardia, na Itália, Madrid, em Espanha, e Île-de-France, em França.
“Estas descobertas apontam para a urgência de criar um sistema de vigilância digital integrado para que as redes sociais possam ajudar a localizar cadeias de contágio”, disse a equipa. “Falhas em identificar os primeiros sinais [de covid-19] deixaram muitos governos nacionais cegos quanto à escala da emergência de saúde pública que estava para chegar [em 2020]”, acrescentou.
Os autores criaram uma base de dados com todas as mensagens publicadas no Twitter com os termos “pneumonia” e “tosse seca” nas sete línguas mais faladas da União Europeia (inglês, alemão, francês, italiano, espanhol, polaco e holandês) entre dezembro de 2014 e 01 de março de 2020.
“Optámos pelo Twitter devido à ampla utilização da plataforma nos países europeus e também porque os dados podiam ser obtidos sem violar a privacidade”, esclareceu ao Público Pietro Panzarasa, um dos investigadores envolvidos no estudo.
“O nosso estudo [é mais uma] prova de que as redes sociais podem ser uma fonte útil na vigilância epidemiológica”, reforçou em comunicado Massimo Riccaboni, professor que coordenou o estudo. “Isto pode ajudar a intercetar os primeiros sinais de uma nova doença antes que prolifere escondida, e também rastrear a sua proliferação”, referiu.