Em plena campanha eleitoral, Moscovo orquestrará danos a carros de várias cidades alemãs, para gerar revolta contra o Partido Verde. Vítimas encontram panfletos nos carros com a mensagem: “seja mais verde!”.
As autoridades estão a investigar se a Rússia está por trás de uma série de atos de vandalismo cometidos contra carros particulares em vários estados alemães, que teriam como objetivo prejudicar a campanha do partido governamental Partido Verde.
Os ataques, realizados em plena campanha eleitoral, seguem sempre o mesmo padrão: o tubo de escape do veículo é obstruído com espuma expansiva. A ação leva apenas alguns segundos e, assim que a espuma endurece, o carro fica inutilizável.
Quando as vítimas se aperceberam da situação, encontraram panfletos e adesivos no veículo com a imagem do atual vice-chanceler federal da Alemanha, ministro da Economia e candidato do Partido Verde à liderança do governo, Robert Habeck, e o slogan “seja mais verde!”.
Desde dezembro, a polícia nos estados de Baden-Württemberg, Baviera, Berlim e Brandemburgo contabiliza 270 ataques que seguem esse mesmo padrão – que, astutamente, parece explorar a antipatia crescente na sociedade por ativistas do clima que, nos últimos anos, bloquearam diversas autoestradas e aeroportos e intervieram em monumentos públicos e museus para pedir o fim dos combustíveis fósseis.
Antes que as autoridades cogitassem a hipótese de sabotagem russa, estes atos de vandalismo já haviam sido noticiados em dezembro do ano passado pelo jornal alemão Bild que surgiu com a manchete: “Radicais do clima atacam carros com espuma expansiva e pedem mais proteção climática ao ministro Habeck”. O artigo citava uma das vítimas, um cidadão de Baden-Württemberg: “um amigo já me andava a tentar convencer há muito tempo a votar nos verdes, mas sem sucesso”.
Em 2023, a imprensa alemã noticiou vários episódios de pessoas que viram os pneus dos seus SUV esvaziados mas, ao contrário do caso da espuma expansiva, sem grandes danos. A ação teria sido realizada por um grupo de ativistas que se autointitulava “The Tyre Extinguishers” (“extintores de pneus”).
Embora o movimento dos ativistas do clima seja apartidário, muitos associam-no ao Partido Verde, que tem na agenda ambientalista o seu principal pilar e tem sido alvo recorrente de desinformação e campanhas difamatórias.
A nível federal, políticas ambientalistas defendidas pelo Partido Verde no governo também têm sido exploradas mediaticamente por radicais de direita.
Suspeito disse ter sido recrutado por russo: 100 euros por carro estragado
Quatro suspeitos dos atos de vandalismo – jovens de origem alemã, sérvia e bósnia – foram interrogados pela polícia.
Um deles disse ter sido recrutado por um russo que teria enviado instruções pelo Viber, uma aplicação russa de mensagens. Os voluntários recebiam alguns milhares de euros, mais 100 euros por cada carro danificado.
Após atribuir inicialmente as ações a ativistas do clima, a polícia acredita agora que os ataques são sabotagem russa, cometida com o objetivo de influenciar a campanha eleitoral.
A Alemanha vai às urnas no dia 23 de fevereiro para eleger um novo parlamento. As eleições, inicialmente previstas para o final do ano, foram antecipadas após o colapso da coligação tripartidária de governo liderada pelo chanceler federal Olaf Scholz, do Partido Social Democrata (SPD).
A crise foi precipitada pela saída da aliança do Partido Liberal Democrático (FDP), que estava em rota de colisão frequente com os social-democratas e os verdes.
Guerra híbrida
Colega de Habeck, a ministra dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock disse não ter dúvidas de que a Rússia está por trás dos atos recentes de vandalismo, e atribuiu a ação ao apoio do Partido Verde à Ucrânia.
“Há muito tempo está claro que o Kremlin tenta, por diferentes métodos, desestabilizar democracias europeias e desacreditar partidos indesejáveis. Quem defende a ordem de paz europeia e se opõe à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, uma violação do direito internacional, torna-se alvo do Kremlin e dos seus aliados”, declarou Baerbock, que também tem mandato no parlamento e está em campanha pela reeleição.
O governo monitoriza com preocupação tentativas russas de interferir no processo eleitoral, e garante que isso já ocorre desde a última campanha ao parlamento, em 2021. Os episódios quadruplicaram desde o início da guerra na Ucrânia, segundo uma análise do órgão militar de inteligência MAD.
“Não podemos ignorar que o cenário de ameaça híbrida se acentuou desde então”, sublinhou Baerbock, citando outras campanhas russas de propaganda para tentar influir nas eleições alemãs.
O caso dos escapamentos entupidos não é o primeiro ato de sabotagem do género. Segundo o Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), órgão de inteligência alemão, a Rússia tem recrutado há meses pessoas no exterior para cometer crimes de menor potencial ofensivo, a fim de desestabilizar governos rivais.
A lista de casos suspeitos na Alemanha cresce: pacotes incendiários em centros logísticos e queda de aviões; sobrevoos de drones em instalações das Forças Armadas; buracos em cercas nas casernas militares; pessoas estranhas a invadir áreas de treino militar; danos à infraestrutura ferroviária e a empresas que prestam serviços essenciais; notícias de um atentado contra o chefe da empresa alemã de armamentos Rheinmetall.
A esses episódios somam-se os danos a cabos submarinos no Mar Báltico causados por navios-tanque da frota fantasma mobilizada pela Rússia para contornar as sanções à exportação do seu petróleo. Em resposta, navios de vários países do Mar Báltico passaram a patrulhar juntos pela região.
É o que especialistas chamam de “guerra híbrida”: a expansão de operações militares de combate com o auxílio de espionagem, sabotagem, ataques cibernéticos, interferência eleitoral, propaganda ou campanhas de desinformação com o objetivo de enfraquecer e desestabilizar o inimigo internamente.
Mas a Alemanha não é o único alvo da guerra híbrida russa. A representante diplomática da União Europeia, Kaja Kallas, disse à DW que as operações de influência russa visam além: “Não devemos olhar para cada um desses casos isoladamente, mas sim vê-los num contexto mais amplo”.
ZAP // DW