O terceiro debate quinzenal do ano foi marcado pela tranquilidade. Ainda assim, houve tempo para António Costa atacar a bastonária dos Enfermeiros e lembrar uma luta antiga com Fernando Negrão.
Esta quarta-feira, o debate quinzenal tomou um rumo diferente: sem gritos nem ofensas, com os ânimos a manterem-se serenos durante duas horas. Serviço Nacional de Saúde (SNS), Venezuela e violência doméstica foram os temas que marcaram este debate, avança o Observador.
Em relação à nova Lei de Bases da Saúde, António Costa marcou na sua intervenção duas visões do Serviço Nacional de Saúde: de um lado, a esquerda que a defende, e do outro a direita, que o ataca, querendo acabar com o sistema. Neste ponto, o primeiro-ministro acusou o PSD e o CDS de, ao longo dos últimos 40 anos, terem tentado diminuir ou até extinguir o papel do serviço público da saúde.
Fernando Negrão tomou a palavra, acusando Costa de estar a apresentar a Lei de Bases da Saúde no fim da legislatura: “ficou clara a forma como ama o SNS”, atirou.
Reiterando a sua perspetiva de evolução que quer para o SNS, Costa anunciou que será aprovada esta quinta-feira, em Conselho de Ministros, uma proposta de lei que estabelece medidas de apoio aos cuidadores informais e às pessoas cuidadas, “de forma a reforçar a sua proteção social e a prevenir situações de risco de pobreza e de exclusão social”.
Violência doméstica e a tolerância zero
Neste tópico, o Parlamento foi unânime em condenar a violência doméstica e em pedir “tolerância zero”. “Enquanto houver no fundo do pensamento a ideia de que entre marido e mulher não se mete a colher, não poderemos livrar-nos dessa chaga que é a violência doméstica”, disse o primeiro-ministro.
Catarina Martins afirmou que “não podemos fechar os olhos às queixas que não têm o seguimento pelas forças de segurança e às sentenças de magistrados que de forma repetida desvalorizam agressões”, apontando a violência doméstica como o “maior problema de segurança interna do país”.
Foi aqui que António Costa tomou a palavra para admitir que há na sociedade portuguesa – nomeadamente nas polícias e nos magistrados – um problema cultural e de mentalidade face a este tema. “Cada vida perdida é uma ofensa à sociedade em que vivemos.”
Mas o que fazer? Ninguém sabe. Para obter resposta a esta pergunta, o primeiro-ministro anunciou que esta quinta-feira vai haver uma reunião entre os ministros da Justiça e da Administração Interna com a PGR e as forças de segurança “para aperfeiçoar a resposta”.
“Não nos peçam para fazer o impossível”
A frase foi endereçada aos enfermeiros, que exigem 1600 euros de salário como ponto de partida, algo que é “insustentável” para o país e “injusto” para as outras carreiras.
Na boca de Portugal nos últimos dias, os enfermeiros marcaram também presença neste debate quinzenal, com António Costa a afirmar que já cedeu à principal reivindicação: a criação pluricategorial, em que além da carreira de enfermeiro é criada a carreira de enfermeiro-especialista e enfermeiro-gestor.
O braço de ferro entre o Governo e a Ordem dos Enfermeiros parece continuar e Costa não está sozinho: teve a ajuda de Catarina Martins para deixar duras críticas à bastonária, Ana Rita Cavaco.
“Senhor primeiro-ministro, os enfermeiros e enfermeiras deste país são muito melhores que a sua bastonária”, atirou a líder do Bloco de Esquerda, uma deixa que António Costa aproveitou para afirmar que “o Governo tem tido extremo cuidado em não confundir os enfermeiros com aquilo que é a sua ordem e a sua bastonária“.
Venezuela: o “seguidismo” do Governo e o Presidente “fantoche”
Catarina Martins acusou o Governo de violar o direito internacional ao reconhecer Juan Guaidó como Presidente da Venezuela, afirmando que Portugal devia ter ficado do lado das Nações Unidas. Heloísa Apolónia arregaçou as mangas e, no mesmo sentido, acusou o Governo de “seguidismo” face aos Estados Unidos.
Mas o mais agressivo foi Jerónimo de Sousa, que acusou Guaidó de ser um Presidente “fantoche” nomeado pela administração de Donald Trump, acrescentando que, com este apoio declarado, Portugal torna-se “co-responsável pela agressão levada a cabo pelos EUA na Venezuela”.
Para os três, António Costa teve a mesma resposta: o Governo limitou-se a reconhecer Juan Guiadó como Presidente interino para convocar eleições livres e democráticas.
Sobre o plano de contingência que o Governo está a preparar para ajudar os mais de 400 mil portugueses que vivem na Venezuela, Costa limitou-se a dizer que havia um plano, mas não entrou em detalhes por uma questão de segurança.
Negrão, Costa e o combate da memória
Segundo o Observador, discutia-se a ferrovia e o facto de o Governo comprar automotoras a gasóleo quando Fernando Negrão disse que uma das suas curiosidades é compreender a “memória” de António Costa que se “esquece há três anos que é primeiro-ministro neste país”.
Costa respondeu que o grande problema da memória é “não ser capaz de esquecer a herança” da governação PSD/CDS e, logo a seguir, incluiu também o governo de José Sócrates. “Não tenha problema, a herança é muito coletiva. Não é há três anos que não se compram automotoras, é há 20 anos. Não precisavam de ficar com a carapuça, que a carapuça é coletiva.”
Negrão disse que a herança a que o primeiro-ministro se estava a referir era “de certeza a da bancarrota em que deixou o país” e perguntou se “não é altura de pedir desculpa ao país”.
Costa contra-atacou, lembrando as eleições intercalares para a Câmara de Lisboa quando enfrentou Negrão e teve de resolver problemas financeiros deixados por Santana Lopes. “O problema de memória é seu. Em 2007, fomos os dois candidatos e eu cheguei à Câmara para resolver a bancarrota que PSD e CDS tinham deixado.”
Respondendo ao primeiro-ministro, Negrão disse que em vez de “orgulho” em salvar a câmara de Lisboa, Costa devia ter “vergonha” de ter feito parte do Governo que levou o país à bancarrota.