Como é que uma conversa de Costa com a Google chegou às mãos dos suspeitos de corrupção?

André Kosters / Lusa

O ex-administrador da TAP, Diogo Lacerda Machado.

O advogado Diogo Lacerda Machado, amigo próximo de António Costa, terá obtido a transcrição de uma conversa do primeiro-ministro com um responsável da Google. E terá enviado essa conversa para a empresa Start Campus que está no centro das suspeitas de corrupção que derrubaram o Governo.

Este dado consta do despacho de indiciação dos detidos no processo que tem como principal arguido o ministro das Infraestruturas, João Galamba. O Público teve acesso ao documento de 130 páginas que menciona uma escuta telefónica realizada a Diogo Lacerda Machado em Março deste ano.

Nessa escuta, o advogado que é amigo de António Costa compromete-se com o presidente da Start Campus, Afonso Salema, a enviar a “transcrição da conversa” que o primeiro-ministro manteve com um responsável da Google a propósito do sistema de cabos submarinos que vai interligar Portugal, as Bermudas e os EUA.

A Start Campus é a empresa promotora do mega-centro de dados digitais em Sines, um dos projectos que está sob suspeita no caso judicial que derrubou António Costa. Lacerda Machado é consultar da empresa e um dos arguidos já constituídos no processo judicial.

A empresa que está sob suspeita esperava que a Google se tornasse sua cliente, com o alojamento de algum dos seus data centers nas instalações em Sines, e que a instalação dos cabos submarinos tivesse “a amarração em Sines”.

Portanto, “qualquer acto ou notícia relativa a cabos submarinos e/ou à Google revelavam-se da maior importância para a Start Campus“, aponta-se no despacho, como cita o Público.

Assim se reforça a relevância da “transcrição da conversa” de Costa que terá ocorrido seis meses antes de o projecto do mega-centro de dados ter sido anunciado.

Contudo, o despacho não explica como é que Lacerda Machado terá tido acesso a essa transcrição.

Um “diploma empatado” e a mão amiga de Escária

As escutas telefónicas efectuadas no âmbito das suspeitas indiciam também que a Start Campus fez pressões para “desbloquear a instalação e amarração de um cabo submarino vindo da América do Norte”, como reporta a Rádio Renascença (RR) que também consultou o despacho.

Havia, alegadamente, um diploma “empatado no ministério das infraestruturas” e o chefe de gabinete de Costa, Vítor Escária, outro dos arguidos do caso, prometeu que “ia desbloquear isso”, conforme se refere na transcrição das escutas.

Galamba anunciou a amarração do cabo submarino “cerca de dez dias depois” dessa conversa, cita a RR. Nesse mesmo dia, o presidente da Start Campus, Afonso Salema (também arguido no caso), telefonou a Galamba.

Nesse telefonema entre os dois arguidos, Galamba disse a Salema que lhe ia enviar “o despacho que engendrou com cinco ministros numa semana”. “Consegui, foi tudo assinado”, terá dito o ministro, referindo a Salema que podia usar “com reserva” o diploma, para “ajudar nas conversas que tem”.

Start Campus ajudou a fazer diplomas de Galamba

Além desse diploma alusivo aos cabos submarinos, a Start Campus terá ainda ajudado Galamba a redigir mais três diplomas, como relata a RR.

O Ministério Público (MP) alega que o objectivo foi “influenciar o conteúdo e sentido normativo de actos do Governo“, “em especial os que tivessem intervenção” de Galamba.

O ministro terá mostrado interesse em receber sugestões da Start Campos para redigir diplomas, de acordo com as escutas realizadas.

“Não é um draft para portaria, mas seria um ‘MEMO’ inteligente que ajuda, que [no fundo] é se fizeres isto que eu estou a dizer a portaria está aqui“, terá dito Rui Oliveira Neves, outro dos responsáveis da Start Campus que está entre os arguidos do caso, numa escuta telefónica.

Assim, a empresa terá interferido na portaria alusiva aos gasodutos REN “para permitir que as infraestruturas de passagem de gás da REN fossem utilizadas também para passar cabo de fibra óptica, o que permitiria facilitar ligações de dados ao datacenter” em Sines, como assinala a RR.

Esta portaria foi publicada a 29 de Setembro de 2022 e alterada a 23 de Janeiro deste ano para incluir as alegadas sugestões da Start Campus.

Outro diploma que terá sido influenciado pela Start Campus refere-se ao “Simplex Industrial” que terá sido redigido por dois arguidos do caso – João Tiago Silveira e Rui Oliveira Neves, ambos advogados da sociedade Morais Leitão, e que inclui normas que podiam facilitar a actividade do data center em Sines.

Galamba terá recebido ainda orientações da Start Campus numa portaria relacionada com a “estratégia de infraestruturas digitais”, salienta a RR, sem que se conheça em concreto o diploma em causa.

O mega-centro de dados – Sines 4.0 – é um dos quatro projectos sob investigação. Os outros são a exploração de lítio em Montelegre e Boticas, e o projecto do hidrogénio verde em Sines.

Aguarda-se que o Ministério Público constitua mais arguidos no âmbito da investigação, entre governantes e ex-governantes, nos próximos dias.

Susana Valente, ZAP //

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