Do melhor amigo aos ministros: os envolvidos na investigação que afastou António Costa

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Rodrigo Antunes / Lusa

O primeiro-ministro António Costa

O melhor amigo, o chefe do seu gabinete, um autarca, dois ministros e três senhores da Start Campus, a empresa fortemente envolvida nos projetos de exploração de hidrogénio. Conheça os detidos e visados da investigação.

António Costa demitiu-se esta terça-feira do cargo de primeiro-ministro, após tomar conhecimento — na sequência de buscas na sua residência oficial e na de diversos ministros — de um processo judicial que investiga negócios do lítio e do hidrogénio. Fecha-se assim um livro que se abriu há quase oito anos.

“A dignidade da função de primeiro-ministro e a confiança que os portugueses têm de ter nas instituições é absolutamente incompatível com o facto de alguém, que é o primeiro-ministro, estar sob suspeição da sua integridade, boa conduta ou ser objeto de um processo-crime”, declarou Costa ao país, por volta das 14:30.

Considerado um hábil negociador político, António Costa tomou posse em 26 de novembro de 2015 graças à chamada “geringonça“, uma solução inédita que arranjou a par da maioria de esquerda no parlamento para formar Governo minoritário.

Os quatro anos de geringonça que se seguiram foram marcados, acima de tudo, pelas muitas demissões, polémicas, “casos e casinhos”, sendo o tema TAP — na origem de um conflito institucional entre Costa e Marcelo Rebelo de Sousa devido ao facto do primeiro-ministro não ter aceitado a demissão do ministro das Infraestruturas, João Galamba — o que mais abalou o executivo do socialista.

Esta terça-feira, 07 de novembro, António Costa deixou claro não só que vai deixar o cargo de primeiro-ministro, mas também que não vai voltar a candidatar-se — mas não está sozinho na nova polémica.

Quem são os detidos na investigação sobre lítio e hidrogénio verde?

Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo

André Kosters / Lusa

Segundo o próprio ainda primeiro-ministro, Lacerda Machado é, enquanto seu “melhor amigo”, quem o ajuda, sob o papel de “negociador“, nas pastas sensíveis do Governo. Por pastas sensíveis, quer-se dizer a pasta da TAP, do BES ou do BPI.

O padrinho de casamento de Costa é consultor da Pioneer Point Partners, uma das detentoras da Start Campus, empresa que viu dois dos seus administradores serem detidos no âmbito da investigação que levou ao pedido de demissão de Costa.

Foi também secretário de estado e, segundo o Público, um dos assessores de Magalhães e Silva. Pelos seus serviços de assessoria, “no âmbito de processos negociais, incluindo mediação e conciliação”, António Costa tinha garantido que Machado, quando prestou consultoria estratégica e jurídica ao Governo, o seu amigo iria ganhar 2000 euros brutos mensais (mais IVA).

Hoje, aos 62 anos, Diogo Lacerda Machado é diretor da Mystic Invest, holding de investimentos no turismo do empresário e presidente do grupo Media Capital, Mário Ferreira.

Vítor Escária, o consultor de Costa (e de Sócrates)

Nomeado chefe de gabinete do primeiro-ministro António Costa em agosto de 2020, sendo reconduzido no cargo em abril de 2022 — Escária foi também detido na manhã desta terça-feira.

O economista de 52 anos foi consultor do primeiro-ministro — tal como já tinha sido o de José Sócrates, altura em chegou a estar ligado à Operação Marquês, mas em que apenas depôs como testemunha e acabou por não ser acusado de qualquer crime.

Trabalhou com o ex-autarca de Lisboa na missão Lisboa 2020 e ajudou-o no programa eleitoral do PS.

Nuno Mascarenhas, o autarca de Sines

Com uma carreira no município desde 1998, Nuno Mascarenhas ascendeu a presidente em 2013, reeleito por três vezes.

Mascarenhas é conhecido pelo seu trabalho na gestão financeira da Câmara, supervisão de projetos de investimento e na Divisão de Planeamento e Gestão Estratégica.

Além das suas funções em Sines, o autarca ocupa cargos significativos em várias instituições regionais, como a presidência da Comissão Permanente do Conselho Regional da CCDR-Alentejo, a vice-presidência do Conselho Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Litoral e a liderança do Conselho de Administração do Sines Tecnopolo.

O autarca tem defendido e antecipado um futuro promissor para Sines, particularmente no que diz respeito a investimentos em energias renováveis e no potencial do hidrogénio, conforme expressou após a sua reeleição em 2021, salientando as “perspetivas muito boas” para o concelho.

O entusiasmo pelo desenvolvimento sustentável de Sines, baseado em energias como a eólica e solar, contrasta agora com a situação de escrutínio legal em que se encontra.

Rui de Oliveira Neves, “magnata” das energias

Emerge como figura central nas detenções relacionadas com a indústria energética, particularmente no âmbito das energias renováveis e do hidrogénio verde.

Se já anteriormente esteve envolvido no caso Galpgate — pelo qual pagou uma multa de 5000 euros para evitar julgamento — Rui de Oliveira Neves foi agora detido enquanto administrador e diretor jurídico da Start Campus, que também está bastante envolvida nos projetos de exploração de hidrogénio, área que ganha cada vez mais destaque no panorama energético global.

Neves, que foi diretor-geral da Galp Energia entre 2013 e 2021, regressou à sociedade de advogados Morais Leitão como sócio, após uma temporada de 14 anos na mesma empresa, na área da energia. A sua carreira é, segundo o Público,  marcada por distinções, como o prémio “40 Under Forty” da Iberian Lawyer em 2009, reconhecendo-o como um dos advogados mais promissores com menos de 40 anos.

Na Morais Leitão, Rui de Oliveira Neves é descrito como uma personalidade de grande atividade no setor do direito da energia, abrangendo não só o petróleo e o gás natural, mas também as energias renováveis e as novas soluções energéticas, incluindo o hidrogénio, os gases renováveis e as baterias.

Afonso Salema, o CEO e ex-EDP

E não podia faltar o próprio diretor executivo da Start Campus, também detido na operação desta terça-feira.

Já trabalhou na EDP e na banca de investimento em Londres, Nova Iorque e Madrid, concentrando-se sobretudo nos sectores da energia e infraestruturas. Hoje é responsável pelo projeto Sines 4.0, que é apontado como um dos maiores centros de dados do futuro da Europa.

Mas a investigação estende-se para lá dos cinco detidos. Também visados na investigação encontram-se João Galamba e Duarte Cordeiro, ministros das Infraestruturas e do Ambiente, respetivamente. O último vê ainda o seu antecessor, João Matos Fernandes, ser apanhado na teia da investigação sobre lítio e hidrogénio verde.

João Galamba, debaixo de olho desde 2018

André Kosters / Lusa

Cara conhecida, por esta altura, pela maioria dos portugueses, o ministro das Infraestruturas estaria a ser investigado pelo Ministério Público sobre suspeitas de tráfico de influências no projeto do hidrogénio verde desde 2020 — processo que classificaria, ao jornal Público, de “absurdo e vazio”.

A sua casa também foi alvo de buscas esta terça-feira. Em 2019, já havia dúvidas sobre a aprovação da concessão de exploração de lítio em Cepeda (Montalegre) à empresa Lusorecursos Portugal Lithium. João Galamba, na altura secretário de Estado da Energia, aprovou a concessão a uma empresa com um capital social de 50 mil euros.

Mas, no ano anterior (2018), a Lusorecursos Portugal Lithium informou a Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) que pretendia construir uma nova empresa para a concessão da exploração; uma empresa que teria um capital social de 1 milhão de euros.

A nova empresa foi constituída três dias antes da assinatura do contrato para a exploração, com um capital social de apenas 50 mil euros. Previa-se que o negócio implique um investimento da ordem dos 300 milhões de euros.

Duarte Cordeiro

José Coelho / Lusa

Foi secretário de Estado adjunto e dos Assuntos Parlamentares de António Costa no seu primeiro mandato, tendo posteriormente sido secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares antes de assumir a pasta do Ambiente. Vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa entre 2015 e 2019, era o então titular da pasta das Finanças Fernando Medina presidente.

Também a sua residência pessoal foi alvo de buscas esta terça-feira. Duarte Cordeiro disse, no entanto, não conhecer ainda o motivo das buscas mas, à partida será, a par de Galamba, constituído arguido no caso.

João Matos Fernandes

António Cotrim / Lusa

Na frente do Ministério do Ambiente entre 2015 e 2022, antecedeu a Duarte Cordeiro e também é visado neste processo.

Matos Fernandes passou pelas administrações dos Portos do Douro e Leixões e do Porto de Viana do Castelo. Atualmente, é professor catedrático convidado na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, onde se licenciou em 1991, segundo o Jornal de Notícias.

Já em Janeiro de 2021, o primeiro-ministro António Costa foi apanhado em três conversas com o então ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que já se encontrava  sob escuta no âmbito de uma investigação criminal relacionada com um megaprojeto na área do hidrogénio verde em Sines, e cujo investimento se previa que pudesse superar os 1,5 mil milhões de euros.

Tomás Guimarães, ZAP //

1 Comment

  1. Conheço directa e indirectamente boa parte dos acusados. Se António Costa se demitiu é porque sabe que tem «o rabo preso» mesmo que os ditos acusados neguem, lamento!

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