“Para Centeno brilhar, os serviços públicos não podem ficar às escuras”

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Catarina Martins

A líder do Bloco de Esquerda considera que, relativamente ao objetivo de défice zero para o próximo ano, não se pode deixar “os serviços públicos ficar às escuras para Mário Centeno poder brilhar”.

Numa entrevista ao Público e à Renascença, Catarina Martins aproveitou para avisar que ainda há muito por fazer nesta legislatura. A líder do Bloco de Esquerda quer usar a margem orçamental conseguida nos últimos tempos para aumentar o investimento público.

“O Governo devia rever claramente as suas metas de investimento na saúde e educação, como noutros serviços públicos. O PIB está a crescer e o nosso investimento em sectores essenciais é cada vez mais baixo. E é preciso ter cuidado, porque nós não podemos deixar que, para que Mário Centeno possa brilhar, os serviços públicos fiquem às escuras”.

Para a líder bloquista, sonhar com um défice zero em 2019 “é muito perigoso”. “Todos nós queremos que não haja défice. O problema é: quais são os caminhos que utilizamos para consolidar orçamentalmente o país. E nós achamos que consolidar à velocidade que está a ser feito, sem ter resolvido o problema da dívida pública, está a significar uma contração da despesa em setores fundamentais, que se fazem sentir”, explica.

Por isso, quando questionada sobre se no BE “não somos todos Centeno”, Catarina Martins considerou que essa foi uma “afirmação um pouco infeliz do ministro da Saúde”, Adalberto Campos Fernandes.

“Seria grave acharmos que todos os setores do Estado estavam a ser geridos tendo em conta os objetivos de défice do ministro das Finanças e não os objetivos próprios, de desenvolvimento e resposta a essas áreas”, explica.

Programa de Estabilidade

Sobre o Programa de Estabilidade, que terá de ser entregue em breve no Parlamento e em Bruxelas, a bloquista confessa que as negociações já arrancaram mas que não estão a correr bem porque, na perspetiva do Bloco, “já não tem o peso que teve”.

“Nós sempre dissemos que nos interessa decidir quais são as condições que o nosso país tem para o próximo orçamento, para a economia, mais do que este número europeu que é mais um pró-forma para a pressão política sobre o nosso país”, atira.

Há divergências de fundo, há mudanças que exigem que haja mais força à esquerda. A história desta legislatura é a história do confronto entre o PS e os partidos à sua esquerda. A direita ficou enredada no seu próprio passado e na sua incapacidade, sem ter alternativa económica ao que se está a passar. E portanto a história da legislatura fica nas tensões entre o PS e os partidos à sua esquerda”.

Polémica na cultura

Confrontada com a polémica na cultura, a bloquista considera que o orçamento para este setor é muito baixo e que o “Governo decidiu fazer algumas alterações de modelo de concurso que foram muito mal explicadas ao setor e que, portanto, criaram uma enorme incompreensão e resultados que põem em causa estruturas culturais”.

“O que é preciso é que o Governo faça agora o que não fez em tempo: basicamente não permitir que nenhuma estrutura feche para já, encontrar a verba para o fazer; e depois pensar o modelo de como se financiam as artes em Portugal”, sugere.

Taxa para empresas e pensões antecipadas

Questionada sobre o possível chumbo do PCP à medida do Governo que prevê uma taxa entre 1% e 2% para as empresas que recorram de forma excessiva aos contratos a prazo, a representante do Bloco não diz ainda se aceita ver uma alternativa com o Executivo.

“Não conhecemos essa medida em pormenor, pelo que ainda não sabemos se a podemos acompanhar ou não. (…) Os patrões não querem esta medida, porque está calculado que dê uma receita de 70 a 90 milhões de euros à Segurança Social. Eu, à partida, não vejo porque é que havemos de fazer esse favor às confederações patronais”, afirma.

Sobre a “despenalização” das pensões antecipadas de carreiras mais longas, a bloquista considera que seria “importante para a própria economia” uma vez que “temos uma população mais velha muito cansada, e uma jovem qualificada que quer ter a sua possibilidade no mundo do trabalho”.

A segunda fase, que estava prevista para começar em janeiro e que estava destinada para quem já tem 63 anos e 42 de carreira, foi suspensa, algo que o BE vê como “um erro”. “Como é que exigimos a estas pessoas que continuem a trabalhar, muitas vezes em empregos com poucas qualificações e salários baixos, pelo que o corte nas pensões a colocam ao nível de miséria?”.

Integração dos precários

Este é o projeto que Catarina Martins considera ser “um dos mais importantes e de mais difícil execução”. “O Estado tem dependido muito do trabalho precário (…) e é um ataque aos direitos de quem trabalha”.

“Fizemos uma negociação muito importante: agora ninguém tem desculpa, não há limitação para a vinculação dos precários, para autarquias e para todas instituições do Estado podem fazê-lo. Agora, é difícil o processo em si, porque há múltiplas formas de contratação, o sistema ficou com tantas perversidades que é difícil instruir os próprios processos. Mas há também falta de vontade – e essa é muito preocupante”, afirma.

E a líder do Bloco dá mesmo o exemplo dos reitores e diretores das faculdades: “Quando os vejo a dizerem que os seus investidores ou professores convidados não são precários, quando estão há décadas sem vínculo à faculdade, acho que os reitores estão a pensar muito mal e a boicotar este processo”.

“Acho que é preciso fazer um trabalho de responsabilização das chefias que estão claramente a minar a lei feita pelo Parlamento e a boicotar o processo de integração de precários. Dito isto, há setores em que está a correr bem. Mais lento do que gostaríamos, mas em que está a correr bem. Mas há outros setores em que acho que há quem ganhe em ter precários que são um bocadinho trabalhadores que têm que aceitar qualquer coisa”.

ZAP //

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