Caso a dissolução do Parlamento aconteça, o cenário político centraliza-se numa figura: o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa passa a ser a única instância de controlo do poder legislativo e político do Governo.
A dissolução do Parlamento ainda não foi anunciada mais é a hipótese mais viável no contexto de crise política que o país vive atualmente. Assim, o Chefe de Estado ganha um papel de destaque ficando nas suas mãos todos os percursos políticos que se seguem nos próximos meses – pelo menos até haver eleições e ser formado um novo Governo em Portugal.
Paulo Otero, professor da Faculdade de Direito de Lisboa e autor do manual “Direito Constitucional Português II” (Almedina, 2010), explicou, em declarações ao Público, que com este cenário em cima da mesa, Marcelo Rebelo de Sousa “vai ganhar muito protagonismo”, já que “todo o controlo político será feito pelo Presidente da República”.
Primeiramente, em relação ao Governo. Mesmo que não se demita – e por isso “no exercício das suas funções” – o executivo terá a sua “capacidade jurídica diminuída”, na medida em que todas as competências que são partilhadas com o Parlamento não podem ser exercidas.
Isto significa, escreve o jornal Público, que a Assembleia da República não pode receber nem executar as autorizações legislativas e não pode apresentar propostas de lei, não podendo legislar, por exemplo, em matéria de direitos, liberdades e garantias como a eutanásia, nem em matéria criminal ou de processo penal como previsto na estratégia nacional anticorrupção.
Ainda assim, pode legislar num vasto leque de matérias, além de manter as suas competências políticas e administrativas. Contudo, Jorge Bacelar Gouveia, constitucionalista e professor da Universidade Nova de Lisboa, vê aqui um grande risco: “Se o Governo não for demitido, temos um Governo ‘à solta’”. Mesmo que o Presidente tenha algum controlo sobre as matérias políticas e legislativas, ficam de fora as competências administrativas, sublinha Bacelar Gouveia o especialista.
Sendo a dissolução uma decisão de plenos poderes do Presidente, há uma “conjugação de outras duas vontades”, do Governo e do Parlamento, que passa também pela definição do calendário político.
Se a lei eleitoral determina que as eleições se devem realizar entre o 55.º e o 60.º dia depois da publicação do decreto de dissolução, não há qualquer prazo a cumprir entre o anúncio público da dissolução do Parlamento e essa publicação do decreto de dissolução. “O Presidente pode assinar o decreto quando entender”, sublinha Paulo Otero.
Otero acredita que esse terá sido um assunto na reunião de quarta-feira que juntou Marcelo, António Costa e Ferro Rodrigues, desde logo porque há “interesse em que o Parlamento possa terminar processos incompletos”.
Relativamente ao calendário eleitoral, este também está depende exclusivamente do Presidente da República, que desta forma ganha poder para condicionar as agendas dos partidos, em especial do PSD, que está a viver uma crise interna e tem eleições marcadas para 4 de dezembro.
Por outro lado, há ainda outra situação que o constitucionalista diz que deve ser tida em conta no atual contexto: o risco de haver um agravamento ou picos da pandemia de covid-19 durante os próximos meses.
Se houver “a necessidade de decretar um novo estado de emergência: nesse caso, a comissão permanente, ou o próprio Presidente da República, pode convocar, a título excecional, o plenário da Assembleia da República”, referiu o especialista.
Para já, a única certeza de Paulo Otero é que “os próximos tempos vão ser muito ricos em problemas constitucionais”.