A corrida às compras antecipadas para o Natal tem causado uma nova escassez de bens essenciais nas prateleiras dos supermercados no Reino Unido. A resposta do governo inclui aconselhar os britânicos a vestir mais roupa para colmatar a falta de gás para aquecimento.
Não são imagens geralmente vistas num país rico, mas depois da falta de combustíveis, as prateleiras nos supermercados britânicos estão agora novamente vazias, tal como já estiveram em Agosto.
Multiplicam-se as imagens de lojas em Londres sem leite, pão ou refrigerantes. Uma loja da Asda em Cardiff tinha também as secções de frutas e vegetais quase vazias, assim como partes da zona de congelados.
Desta vez, os ingleses estão já a armazenar compras para o Natal, o que está a intensificar a crise causada pela falta de camionistas que resultou do Brexit. Nos últimos dias, a cadeia de supermercados Iceland revelou que a venda de carne de peru congelada disparou 409% relativamente a Setembro de 2020, devido às “preocupações com o fornecimento de comida” para as festividades.
Segundo revela Richard Harrow, chefe executivo da Federação de Comida Congelada do Reino Unido, muitos consumidores “converteram-se permanentemente” à comida congelada durante a pandemia, que viu um “rápido” aumento nas vendas. “Isto combinado com as preocupações actuais sobre o fornecimento de comida significa que muitas pessoas vão optar por peru congelado neste Natal“, revela ao Express.
O Presidente dos Conservadores, Oliver Dowden, prometeu em entrevista à Sky News que vai haver perus disponíveis no Natal visto que os problemas na produção estão a ser resolvidos. “Vamos garantir que as pessoas têm perus no Natal. Eu sei que o Secretário do Ambiente George Eustive têm isso como prioridade”, afirmou.
Já há alguns meses que esta crise se arrasta, mas a corrida aos supermercados em preparação para as festividades intensificou-a. De acordo com os dados do Office of National Statistics, entre 22 de Setembro e 3 de Outubro, oito milhões de britânicos não conseguiram comprar alimentos essenciais.
Um inquérito do The Grocer mostra também que um terço dos inquiridos já começou a comprar comida para o Natal ou então estava a esperar começar as compras no fim de Outubro.
Dois terços mostram-se também preocupados com a escassez nas festividades e multiplicam-se os apelos a que os supermercados colaborem para que não se coloque ainda mais pressão sobre um sistema que já está em crise.
Com cada uma a tentar garantir que mantém as prateleiras recheadas, as cadeias de supermercado estão agora a ser aconselhadas a pôr as rivalidades comerciais de lado em nome do bem comum, visto que a rede de fornecimento está a ser mal aproveitada e a agravar mais o impacto da falta de camionistas.
De acordo com o Departamento de Transportes, 31% dos camiões que circulam na estrada estão completamente vazios enquanto que a média daqueles que têm carga é de apenas 60% da capacidade cheia. O governo quer que os supermercados colaborem na preparação para as festividades, para que se aproveite ao máximo a carga dos camiões.
A situação está tão complicada que uma rede já está a ponderar racionar alguns dos seus produtos para evitar que os consumidores alarmados comprem demasiadas reservas e intensifiquem a escassez ainda mais.
Os supermercados estão também a ser encorajados a fazer as promoções natalícias mais cedo do que o normal este ano, para que a procura dos consumidores se espalhe durante um período mais longo e para que assim se evite uma procura enorme em pouco tempo, escreve o The Times.
“A maior escolha que cada um dos principais supermercados tem de fazer esta semana é: vamos ter um Natal segundo a lei do mais forte ou vamos trabalhar juntos para tentar atravessarmos o Natal? O problema com a crise é que cada um luta por si, então o que vemos são negócios a lutar para garantir as suas entregas e isso contraria a colaboração e a coordenação eficiente”, diz Shane Brennan, chefe da Federação Cold Chain, à The Grocer.
A Tesco revelou que vai aumentar o seu uso de transportes por comboio em quase 40% e a impresa inglesa avança também que os condutores de autocarros estão a demitir-se para poderem arranjar empregos com melhores salários como camionistas, o que tem deixado alguns trajectos importantes com menos oferta de transportes públicos.
“Está a aconselhar às pessoas que vistam mais uma camisola de lã?”
A subida nos preços do gás é um dos grandes factores por detrás desta crise, já que o dióxido de carbono que resulta dos fertilizantes é usado nos matadouros e para as embalagens a vácuo para carne.
No entanto, o crescimento a pique dos preços do gás natural na Europa levou a que a produtora de fertilizantes CF Industries Holdings suspendesse as operações em duas fábricas no Reino Unido.
Kwasi Kwarteng, Secretário da Energia britânico, teve de intervir e prometer um resgate financeiro a curto prazo para que a empresa americana voltasse à produção. Apesar disto, a Associação de Processadores de Carne do país avisa que muitos matadouros continuam com falta de fornecimento de dióxido de carbono e que a indústria pode “voltar à estaca zero” esta semana.
A falta de trabalhadores nos matadouros também levou a que os criadores tenham de abater centenas de milhares de porcos saudáveis, já que a falta de funcionários atrasa o processo, com as operações 20% abaixo do normal, e faz com os animais de acumulem nas quintas antes de irem para os matadouros.
A Associação Nacional de Porcos revelou à Sky News que pelo menos 600 animais já tinham sido abatidos e que o número poderia chegar aos 150 mil. “Estes são animais que criamos, alimentados, cuidamos. Matá-los quando estão perfeitamente saudáveis para depois irem para o lixo é criminoso“, afirma Zoe Davis, presidente da associação.
A resposta de Boris Johnson a esta situação foi também criticada, depois do primeiro-ministro britânico ter dito que os porcos iam morrer de qualquer forma para se tornarem “sanduíches de bacon“. O vice-presidente do sindicato de agricultores afirmou que Johnson mostrou uma “falta de respeito” para com a classe.
Já o veterinário Duncan Bradshaw, que participa na preparação dos abates, classificou os comentários do primeiro-ministro como “enormemente decepcionantes”. “Infelizmente, estas discussões são à volta do cenário horrível em que não temos só de ver quando, mas também como, vamos ter de abater animais saudáveis que depois são incinerados“, explica à BBC.
“O número é de algumas centenas de momento. Mas se não tivermos nenhum movimento em breve na acumulação de porcos nas quintas, vamos ter de tomar acções mais drásticas. Ele (Johnson) é incapaz de ver a diferença entre a corrente normal de fornecimento do Reino Unido e o desperdício de comida horrível que acontece quando temos de matar porcos saudáveis”, remata.
A resposta do governo para colmatar a falta de gás durante o Inverno que se aproxima pode ser aconselhar a que os britânicos vistam roupa mais quente em vez de usar os sistemas de aquecimento.
Segundo o The Times, a sugestão surgiu nos planos do executivo britânico se a crise nos combustíveis se mantiver e os ministros poderão ter de publicamente dizer às pessoas para vestir roupa de lã.
“Estão a pedir às pessoas que vistam mais uma camisola de lã e que usem mais meias?”, questionou o jornalista da Sky Trevor Phillips ao Ministro da Energia. “Fica nas mãos das pessoas, é incrível como a tolerância ao frio das pessoas pode variar“, respondeu Kwarteng, dizendo que os britânicos devem “ter bom senso” e que não é o seu papel “dizer às pessoas quantas camadas de roupa devem usar”.
“Não é só o Reino Unido que está assim”
Toda esta crise deve-se à saída de trabalhadores da Europa de Leste do Reino Unido, que começaram a abandonar o país devido ao Brexit e que voltaram também aos seus países depois do levantamento dos limites nas viagens devido à covid e que decidiram não regressar às terras de Sua Majestade.
Para colmatar a falta de camionistas, o Reino Unido já avançou com vistos temporários de residência para camionistas, colocou militares a conduzir os camiões e a distribuir combustível e enviou milhares de cartas a quem tem carta de condução de pesados a apelar a que regressem a este sector e ajudem a responder à crise.
Segundo o analista da XTB Henrique Tomé, a escassez de trabalhadores deve-se mais ao Brexit do que à pandemia. “O Reino Unido é conhecido por, durante muitos anos, acolher imigrantes de várias partes do globo. No entanto, neste momento, a entrada a novos emigrantes acaba por ser limitada e bastante burocrática”, explicou ao jornal i.
Já Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, revela ao mesmo jornal que “a atual escassez de mão de obra no Reino Unido resulta de uma mistura de Covid e Brexit”. “Alguns sectores precisam perceber que os dias em que tinham mais disponibilidade de mão de obra podem ter acabado e os empregadores terão de pagar mais para garantir pessoal disponível”, acrescenta.
Apesar disto, o Partido Conservador está a argumentar que a crise não se limita ao Reino Unido. “O Reino Unido não está sozinho nisto. Se olharem para a Polónia, os EUA, outros países, há falta de condutores”, afirma Oliver Dowden.
Boris Johnson também não garante que a crise não se prolongue até ao Natal e afirma que o país está a atravessar um “período de ajuste” para garantir salários mais altos aos trabalhadores britânicos.
“Estamos a atravessar uma fase em que a economia global, particularmente a economia do Reino Unido por causa da rapidez da retoma, está a absorver a procura muito rápido“, respondeu Johnson.
A Secretária dos Negócios Estrangeiros, Liz Truss, acrescenta que as prateleiras vazias não são da responsabilidade do governo. “Não acredito no comando e controlo da economia, por isso não acredito que o primeiro-ministro é responsável pelo que se passa nas lojas”, afirma, de acordo com o Telegraph.