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Esta é a primeira JMJ para “nativos digitais”. O que é, quem vem, de que se vai falar?

Estela Silva / Lusa

JMJ: Peregrinos participam no Festival Gaia GodTellers

Um milhão de pessoas está em Lisboa, entre dia 31 de Julho e 6 de Agosto, para participar na Jornada Mundial da Juventude. Mas o que é este evento que vai trazer mais de um milhão de católicos e o próprio Papa Francisco à capital portuguesa?

Durante uma semana, entre 31 de Julho e 6 de Agosto, a Igreja Católica traz a Lisboa mais de um milhão de peregrinos, que participam na Jornada Mundial da Juventude.

Este encontro, promovido pela primeira vez pelo Papa João Paulo II em 1986, já teve 14 edições em quatro continentes diferentes.

O Papa Francisco não vai faltar à iniciativa, marcando presença em Portugal entre o dia 2 e o dia 6 de Agosto.

A ideia é aproximar jovens vindos de 184 países não só da sua própria fé, mas fazê-los perceber que há outros jovens noutros pontos do Mundo com as mesmas convicções e até as mesmas dúvidas.

No entanto, os jovens de há 40 anos não são os mesmos que em 2023 se vão encontrar em Lisboa.

Esta é uma realidade clara para o recém-nomeado cardeal português, Américo Aguiar, presidente da Fundação da Jornada Mundial da Juventude, que foi entrevistado pela correspondente da RFI em Lisboa, Marie-Line Darcy.

“É a primeira vez que a Jornada Mundial da Juventude acontece para jovens considerados ‘nativos digitais’, porque a idade deles é de 1990. Quem nasceu antes é imigrante digital”, começa por dizer o cardeal.

“Portanto estamos a falar para um contingente novo, não é melhor nem pior, é diferente na forma de pensar, de comunicar, de se relacionar, e na maneira como quer organizar e pensar o Mundo. Estes jovens devem ser para nós Igreja, Estado, Europa e Mundo, não os protagonistas do futuro, mas os protagonistas hoje”, acrescenta.

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As Jornadas Mundiais da Juventude já passaram por quase todos os continentes, com Lisboa a acolher a 16ª reunião dos jovens católicos.

Mas como ouvir os jovens se eles passam uma parte importante do tempo nas redes sociais e em espaços digitais ausentando-se cada vez de locais como a missa ou outros espaços comunitários?

Para evitar mal-entendidos e chegar à geração Z, a Igreja Católica que ouvir mais os jovens. “Às vezes estamos a falar e parece que não os entendemos ou que os jovens falam e nós não os entendemos. Então, como o Papa diz, é preciso um esforço mútuo de conversão para que os jovens gritem, consigamos ouvir e juntos tracemos o futuro”, explica Américo Aguiar.

A edição deste ano tem o mote “Maria levantou-se e partiu apressadamente”, uma passagem do Evangelho segundo São Lucas, que não quer pedir aos jovens que partam rapidamente para outro lado, mas sim que se mobilizem.

“É muito importante que os jovens tenham uma cultura do encontro, do encontro com o que é diferente, o encontro da ternura, dos nossos sentimentos, desta fraternidade universal”, diz o cardeal

“O que eu espero é que estes jovens regressem aos seus países, às suas realidades e sintam o desejo e a força de quererem mudar, de quererem ser protagonistas do futuro e que não tenham a sensação de ficar sentados no sofá, que não fiquem a ver passar a vida e a sociedade, que se sintam protagonistas”, acrescentou.

Quem vem à JMJ?

Todos os jovens católicos foram convidados a vir à JMJ quando, em 2019, o Papa Francisco anunciou esta edição em Lisboa.  Desde essa altura, as paróquias e as dioceses têm-se organizado para angariar fundos para a viagem.

Segundo os últimos números divulgados pela organização da JMJ Lisboa 2023, estão inscritos mais de 313 mil peregrinos de todos os continentes.

De Espanha são esperados cerca de 100 mil participantes, de França cerca de 40 mil. Do Brasil, cerca de 15 mi, de São Tomé e Príncipe 900, e de Angola aguarda-se a presença de 500 jovens.

Estarão presentes jovens de 184 nacionalidades.

Uma destas jovens é Amanda, uma norte-americana de 27 anos vinda de Tyler, no Texas, que está a viajar há mais de 24 horas para chegar a Lisboa.

Esta é a segunda vez que participa num evento desta magnitude, tendo estado em Cracóvia em 2016. Amanda está entusiasmada por encontrar outros jovens católicos e aproveitar para ver algumas igrejas.

“Vim para ter uma experiência da Igreja Católica com outros jovens vindos de todos o Mundo. Estou à espera de muita gente, catequese, oração e muita celebração, muitos ensinamentos. E claro, ver igrejas bonitas”, disse a norte-americana.

RFI

Estimativa do número de participantes na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa.

Do que se vai falar na JMJ?

A perda de crentes para outras igrejas e como resolver a crise de fé serão um dos pontos importantes nesta Jornada, algo que nos Estados Unidos, apesar da pluralidade religiosa, segundo Amanda não é um problema.

“A Igreja Católica continua a ter um papel muito importante nos Estados Unidos e claro que existem muitas outras igrejas cristãs, mas ainda temos muita força. Claro que há pessoas que vão mais ou menos à missa. Mas ainda estamos aqui”, declarou Amanda.

Também o celibato, assim como o papel da mulher na Igreja vão ter um papel de destaque nesta Jornada. Quanto ao papel da mulher, o Padre Armando Pinho, que vem de Angola com cerca de 500 jovens, não duvida que as coisas estão a mudar.

Há as visões tradicionais da mulher mãe, conselheira, gestora e que assegura o lar, mas vamos percebendo uma mudança nestas ideias em Angola nos últimos tempos, vemos uma mulher protagonista, líder e que na Igreja campeia todos os sectores e faz a Igreja crescer”, explica o sacerdote.

“Mais do que nunca e melhor do que no passado, sentimos uma presença activa e dirigente no seio da comunidade cristã”, acrescenta.

Outro tema que tem afastado não só os jovens mas a própria sociedade da Igreja Católica são os escândalos de abusos sexuais no seio desta instituição milenar.

Em fevereiro, uma comissão independente sobre os abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa divulgou que nos últimos 70 anos terão havido, pelo menos, 4.500 vítimas com uma média de idades de 11 anos quando os crimes foram cometidos.

Para Américo Aguiar, a melhor mensagem para os jovens sobre estes abusos é reconhecer que estes crimes aconteceram, pedir perdão às vítimas e mudar o funcionamento da Igreja Católica.

O que era grave era em Portugal não se ter investigado, ter continuado a nuvem, a dúvida, isso era grave. Agora, ter feito o relatório com os danos colaterais que isso implicou, com os sofrimentos, com as dificuldades, isso é a melhor mensagem aos jovens”, diz o cardeal.

Aconteceu um pecado, aconteceu um crime, aconteceu uma coisa má. Somos adultos, assumimos as responsabilidades, crescemos, mudámos e queremos fazer melhor”, conclui Américo Aguiar.

Para pedir perdão, o Papa Francisco, que chega esta quarta-feira a Lisboa, vai reunir-se com um grupo de vítimas, embora não se saiba ainda quando e onde o encontro terá lugar.

ZAP // RFI

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