A direita radical iria ganhar à vontade, mas afinal ficou no terceiro lugar. Aliança de esquerda ganha mas o país deve ficar ingovernável.
Quinta-feira, eleições antecipadas no Reino Unido. Domingo, eleições antecipadas em França. Nos dois casos ouve-se o termo “terramoto político”.
No Reino Unido porque o Partido Trabalhista conseguiu uma maioria rara na Câmara dos Comuns, de quase dois terços.
Mas, se considerarmos que um terramoto é algo inesperado, essa expressão é mais adequada ao que aconteceu em França neste domingo. Porque ninguém antecipou o que iria acontecer nestas eleições antecipadas.
Sondagens
Voltamos ao tempo que as sondagens na política falham.
Marine Le Pen foi dizendo ao longo da semana passada que a União Nacional iria conseguir a maioria absoluta.
Havia sondagens que apontavam para esse cenário mas, quando foi anunciado o acordo entre Nova Frente Popular e Juntos (desistência de cada partido nos círculos eleitorais onde ficou em terceiro lugar), o panorama mudou.
Mesmo assim, a pergunta era “por quanto” é que a União Nacional iria vencer?
Não venceu. Nem ficou no segundo lugar. Terceiro lugar para Jordan Bardella, 143 deputados.
A Nova Frente Popular – que nas sondagens já aparecia mais próxima da União Nacional na antevéspera das eleições – passou do segundo para o primeiro lugar, vencendo com 182 deputados.
O Ensemble – terceiro nas sondagens – afinal conseguiu o segundo lugar, com 168 deputados.
Disfarçar
Ao longo da noite passada, a União Nacional tentou disfarçar o “balde de água fria” que inundou o partido.
Marine Le Pen disse que uma subida de 89 deputados (resultado em 2022) para 142 deputados nunca pode ser considerado uma derrota: “Tenho demasiada experiência para ficar desiludida com um resultado em que duplicamos o nosso número de deputados”. E avisou que a vitória do seu partido foi “apenas adiada”.
Jordan Bardella, que estava à espera de ser primeiro-ministro, disse que a União Nacional só perdeu por causa de “alianças desonrosas e contranatura” da esquerda, que protagonizou “arranjinhos perigosos”.
No entanto, a desilusão estava bem visível na sede do partido: passava das 22h e nada de gritos, de cânticos, de garrafas de champanhe abertas; era fácil encontrar rostos fechados, desiludidos. A expectativa era claramente outra.
Demissão
A esta hora, Gabriel Attal já terá entregado ao presidente Emmanuel Macron o seu pedido de demissão.
O primeiro-ministro lembrou na noite passada que o pedido de dissolução do Parlamento não foi dele (foi de Macron, depois das eleições europeias) e, por isso, não será ele a “sofrer” as consequências dessa decisão.
“Esta noite, nenhuma maioria absoluta pode ser liderada pelos extremos”, comentou Attal, que rejeita uma queda do Juntos, que acabou por ter muitos mais votos do que sugeriam as sondagens.
O que aconteceu?
À primeira vista, a resposta é fácil: o bloqueio à União Nacional resultou.
Os franceses foram às urnas – quase 67% foram votar, quando em 2022 só tinham ido 46% também na segunda volta – e, no momento de escolher entre um caminho e outro, afastaram a extrema-direita do poder.
“O nosso povo descartou, muito claramente, o que era pior para França”, descreveu Jean-Luc Mélenchon, líder da coligação vencedora.
Mas este desfecho acaba por ser surpreendente. Tem-se visto que, nos actos eleitorais onde a abstenção desce muito, é a extrema-direita que sobe muito (basta olhar para Portugal).
Em França, houve de facto maior mobilização, mas a decisão foi virar para o outro lado, num país claramente dividido. As movimentações apressadas de Nova Frente Popular e Juntos terão mesmo feito a diferença.
E agora?
Agora temos uma França dividida e ingovernável.
A Nova Frente Popular venceu mas, com 182 deputados, ficou muito longe dos 289 deputados necessários para ter maioria absoluta.
E, em França, mesmo com 250 deputados, foi complicado governar, quanto mais com 182.
O leitor poderia perguntar: e uma coligação entre Nova Frente Popular e Juntos? Já que fizeram acordo para desistências antes das eleições…
Não vai acontecer.
Ou só acontecerá se houver uma surpresa ainda maior do que houve nas eleições.
Aliás, a Nova Frente Popular já anunciou que nem vai começar qualquer negociação com o Juntos, partido de Macron, por causa da sua “inacção ecológica”. Há demasiadas divergências entre esquerda, liberais (e extrema-direita também), sobretudo a nível fiscal.
Mélenchon? Não
Nenhum partido ou nenhuma coligação tem maioria absoluta na Assembleia Nacional. Quem vai governar?
Obviamente Jean-Luc Mélenchon já avisou: Emmanuel Macron tem obrigação de chamar a Nova Frente Popular a formar Governo.
Para o Juntos, a indicação é clara: a aliança de esquerda Nova Frente Popular – com socialistas, ecologistas e comunistas – “não pode governar a França”, segundo o secretário-geral Stéphane Séjourné.
E a verdade é que muito dificilmente Mélenchon será o novo primeiro-ministro: o líder do França Insubmissa não agrada a Macron, não agrada a muitos políticos franceses de primeira linha, tem os conhecidos ataques de raiva, foi associado ao anti-semitismo e fez ataques cruéis aos seus adversários.
Nem os outros partidos da coligação (que ele lidera) devem querer Mélenchon como primeiro-ministro. Aliás, ontem mesmo já surgiram divergências entre os partidos que estão na coligação vencedora: uns asseguram que o programa vai ser cumprido e não há espaço para conversas, outros estão disponíveis para conversar, debater e mudar a cultura política.
Attal continua?
Macron, que ficou em silêncio na noite passada, não vai nomear já um primeiro-ministro. O presidente de França vai esperar pela nova composição da Assembleia Nacional para decidir. Provavelmente vai dar tempo para surgir alguma (e pouco provável) coligação, após negociações entre partidos.
Qualquer que seja a solução de Governo, o mais provável é que caia em breve. Provavelmente, já no Outono deste ano, nas discussões do Orçamento do Estado para 2025.
E até há a hipótese de Attal continuar como primeiro-ministro, liderando um Governo provisório (e longo) – embora fosse estranho, já que o centro (liberais) tem agora praticamente um terço dos deputados dos dois extremos.
Marcelo
Nem Marcelo Rebelo de Sousa estaria à espera do que aconteceu nestas eleições em França.
“Tenho muita dificuldade em comentar. Se o Presidente francês não sabe o que dizer, imagine o Presidente português sobre o que se passa num país amigo. Observo atentamente o que se passa, que é muito importante para a Europa”, resumiu.
O presidente da República ainda acrescentou: “O que o povo decide está bem decidido”.
Só ficou surpreso quem não anda atento. Após as Europeias e a 1ª volta, o discurso da esquerda foi sempre “como é que havemos de impedir a UN de ganhar”, nunca foi “vamos ouvir os interesses dos Franceses”.
Este povo francês perdeu o juízo. Foram votar no esterco?! Mas para quê?