Alteração na 25.ª hora (re)adia voto da eutanásia. PS passa lei a pente fino com Marcelo e TC na mira

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José Sena Goulão / Lusa

Uma alteração à lei feita poucas horas antes da votação obrigou a que o processo fosse novamente adiado. O PS está a tomar todas as cautelas para evitar um novo chumbo da lei no Tribunal Constitucional e um terceiro veto do Presidente da República.

Ainda não foi desta que a proposta de lei da eutanásia foi a votos nesta legislatura. O Chega pediu um novo adiamento e o PS consentiu, estando em causa uma pequena alteração que os socialistas fizeram ao documento mesmo em cima da votação, não dando tempo aos deputados de analisar o diploma.

“Uma proposta de alteração colocada às 00h15, sem tempo para ser analisada… A alteração proposta torna o projeto inconstitucional e precisamos de fazer uma análise jurídica”, argumentou Bruno Nunes, deputado do Chega, que refere que o email só chegou aos partidos às 8h45, poucas horas antes de o tema ser discutido na Comissão de Assuntos Constitucionais.

A deputada socialista Isabel Moreira reconheceu o erro e pediu desculpa pela hora “tardia” em que a alteração foi feita. “Como já fizemos essa crítica a outros temos de aceitar a crítica. Não queremos manchar este processo”, afirmou.

O adiamento pedido pelo Chega foi assim aprovado com os votos do PS e PSD. Iniciativa Liberal, PCP, PAN e Livre abstiveram-se.

Em causa estava a eliminação de uma alínea relativa à entrada em funções da Comissão de Verificação da morte medicamente assistida (CVA), que funciona como o instrumento fundamental aos pedidos de eutanásia.

A alínea que foi eliminada referia que a CVA entrava em funcionamento “no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo previsto no número anterior ou logo que tenham sido designados todos os seus membros”.

Esta alteração é relevante no seguimento das palavras do bastonário da Ordem dos Médicos, que disse que não nomeará nenhum representante para a CVA, o que pode pôr em causa o seu funcionamento, relata o Público.

Já há mais de um mês que o texto, que foi redigido por um grupo de deputados do PS, BE, IL e PAN, estava pronto, tendo a sua votação sido colocada de lado devido à dedicação exclusiva da Assembleia da República ao Orçamento de Estado.

Na verdade, este adiamento acaba por servir os interesses de todos: quem é a favor tem mais tempo para passar o documento a pente fino para evitar a todo o custo um novo veto presidencial e um chumbo do Tribunal Constitucional; quem é contra arrasta o processo durante mais tempo. Haverá uma nova tentativa de levar a lei a votos na próxima semana.

PS cauteloso

Isabel Moreira reforça ainda que “todas as cautelas são importantes”, dados os chumbos das leies anteriores. “Consideramos que o texto tem de ser robusto. É robusto, mas alguma indeterminação lexical ou algum problema de consistência interna poderá ser mais difícil de corrigir em sede de redacção final”, acrescentou Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar do PS.

A Iniciativa Liberal concorda que a lei precisa de ser discutida mais detalhadamente, nas palavras da deputada Patrícia Gilvaz. Mónica Quintela, deputada do PSD que apoia a legalização da eutanásia, deu razão “formal” ao pedido do Chega, mas acredita que a eliminação da alínea não muda nada substancial na lei.

Já Inês Sousa Real, do PAN, criticou o novo adiamento de uma proposta “humanitária”. “É estar em secretaria a tentar adiar um processo que já foi alvo de um amplo debate público”, atirou.

O Bloco de Esquerda concorda, acusando o Chega de arranjar “expedientes para adiar um processo inevitável”. O deputado Pedro Filipe Soares refere que o partido “nunca ponderou” mudar o seu sentido de voto e descreve os sucessivos adiamentos como um “teatro”. “Em causa só estão os direitos de quem está à espera desta lei e a vê atrasada mais uma vez”, frisa.

O Chega, por sua vez, quer convencer o Presidente a voltar a vetar a lei. André Ventura pediu uma audiência com carácter de urgência a Marcelo Rebelo de Sousa para debater os “atropelos” cometidos no processo legislativo.

Recorde-se que o chefe de Estado já vetou dois diplomas que pretendiam legalizar a eutanása na anterior legislatura. O primeiro veio após o chumbo do Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de fiscalização feito por Marcelo.

O segundo surgiu devido às expressões diferentes usadas ao longo do diploma para explicar as doenças que tornaram alguém eligível para o procedimento, defendendo que o legislador tinha de optar entre a “doença só grave”, a “doença grave e incurável” e a “doença incurável e fatal”.

Adriana Peixoto, ZAP //

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