Cavaco Silva disse esta quinta-feira, sobre o “demorado e complexo” processo que culminou na posse de António Costa, que procurou “reduzir os riscos” de uma solução “inédita”. O ex-Presidente da República disse ainda que evitou deixar a decisão para o seu sucessor.
“[Este livro] descreve como atuei no demorado e complexo processo de gestação do Governo que os portugueses apelidam de ‘geringonça’. Reuni-me com dezenas de pessoas para obter informação para reduzir os riscos que podiam resultar de uma solução completamente inédita em 40 anos de democracia”, disse o antigo Presidente da República.
Aníbal Cavaco Silva falava numa livraria na cidade do Porto, onde apresentou o segundo volume do seu livro “Quinta-feira e outros dias”, perante uma audiência de cerca de meia centena de pessoas.
Já numa fase reservada a perguntas, Cavaco Silva explicou melhor o período que antecedeu a posse de António Costa como primeiro-ministro, lembrando que tinha trabalhado com outros dois líderes socialistas que lhe tinham sido “claros”.
“Tinham-me dito ‘nunca será possível pelo nosso partido coligar-se com esses dois partidos. Bloco de Esquerda e PCP não merecem a nossa confiança’. Disseram sempre de forma clara”, descreveu Cavaco Silva, sem indicar os nomes dos líderes socialistas, sendo que na obra são mencionados José Sócrates e António José Seguro.
“Um Presidente da República não pode deixar de tentar reduzir os riscos que podem surgir durante uma governação formada dessa forma. Entreguei um memorando ao atual primeiro-ministro com as condições que considerava fundamentais que fossem respeitadas na governação e ele tinha de dar uma resposta por escrito”.
“Não queria deixar para o próximo Presidente da República a decisão de dissolver ou não a Assembleia”, descreveu.
Antes, Cavaco Silva, que não falou aos jornalistas à entrada nem à saída da sessão, reforçou que considera “um imperativo a prestação de contas por parte daqueles que exerceram cargos públicos”, apontando que, do seu ponto de vista, “os diálogos entre Presidente da República e primeiro-ministro devem ser mantidos reservados durante o exercício das funções presidenciais”, mas depois podem ser divulgados.
“Portugal deve ser um dos poucos países democráticos em que há políticos e comentadores que consideram que as conversas regulares entre o Presidente da República e um primeiro-ministro são privadas. É um total absurdo. Trata-se de conversas sobre assuntos do Estado, conversas com influência na vida dos portugueses e no futuro do país. No final do mandato, por uma questão de transparência, os portugueses podem saber como é que eu atuei na defesa do superior interesse nacional”, salientou.
Sobre esta matéria, em jeito de reação às críticas que lhe têm sido feitas sobre a divulgação de acontecimentos enquanto era chefe de Estado, Cavaco Silva convidou os críticos a “consultarem biografias de políticos das democracias ocidentais”.
“Basta consultarem para perceber quão anormais e quão esquisitas são as posições daqueles que, entre nós, defendem que as conversas têm de ser mantidas reservadas depois de terminado o mandato. Essas posições, de alguns políticos portugueses, são reflexo da má tradição que existe em Portugal de falta de prestação de contas de quem exerceu altas funções públicas”, disse o ex-Presidente.
Ao longo da sessão, Cavaco Silva enumerou ainda alguns dos temas que marcam o livro, destacando a revisão do Estatuto Político-administrativo dos Açores, o qual considerou um dos seus “maiores contributos para a defesa do superior interesse nacional”.
ZAP // Lusa
Enfim…há coisas (e pessoas) que são o que são.