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Orçamento não chega para cumprir metas de Bruxelas

Nuno Fox / Lusa

O ministro das Finanças, Mário Centeno

O ministro das Finanças, Mário Centeno

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) alertou esta segunda-feira que as medidas discricionárias apresentadas pelo Governo na proposta orçamental de 2017 “podem vir a ser consideradas insuficientes” para cumprir o ajustamento estrutural recomendado por Bruxelas.

Na análise preliminar à proposta de lei do Orçamento do Estado para 2017 (OE 2017), a que a Lusa teve acesso, a UTAO refere que as medidas discricionárias que constam da proposta orçamental para 2017 e do projeto de plano orçamental enviado à Comissão Europeia “representam cerca de 0,34% do PIB” (Produto Interno Bruto).

Os técnicos independentes que apoiam o parlamento referem que estas medidas “têm um contributo direto no sentido de diminuir o défice”, pelo que “têm uma natureza restritiva, de consolidação orçamental” e acrescentam que estas medidas podem ser “decompostas por aumentos e reduções de receita e de despesa, contribuindo diretamente para a consolidação do défice orçamental com um efeito líquido direto de cerca de 645 milhões de euros ou 0,34% do PIB“.

Este é um “valor líquido que resulta de medidas que contribuem para a redução do défice em cerca de 892 milhões de euros, combinando aumentos de receita e diminuições de despesa, as quais são parcialmente compensadas por outras que contribuem em sentido contrário em cerca de 247 milhões de euros”.

Receita e despesa

Do lado da despesa, estas medidas “representam um aumento de cerca de 50 milhões de euros”, sendo a medida de maior dimensão a atualização de pensões (187 milhões de euros), à qual se soma a despesa decorrente da nova prestação social para deficientes (60 milhões).

“Estas duas medidas discricionárias de aumento de despesa são parcialmente compensadas por outras, que têm subjacente reduções de despesa, nomeadamente em despesas com pessoal por efeito de uma política de contratações mais restritiva, de saída de dois funcionários e substituição apenas por um, e pelo efeito de um exercício de revisão da despesa, representando em conjunto 197 milhões de euros”, lê-se na nota, que explica que a reposição salarial e a reposição das 35 horas de trabalho semanal “não foram consideradas medidas discricionárias de 2017” por constituírem “pressões orçamentais que transitam de 2016”.

Já do lado da receita, as medidas discricionárias incluídas na proposta orçamental vão permitir uma redução do défice no montante que pode atingir 695 milhões de euros.

A medida de maior dimensão é a criação do adicional de receita da sobretaxa de IRS que será recebido em 2017, uma vez que esta não termina a 1 de janeiro, seguindo-se o aumento de tributação de património como adicional ao IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis), de 160 milhões de euros, a atualização do IABA (Imposto sobre Álcool e Bebidas Alcoólicas) para refrigerantes, a recomposição do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos) penalizando o gasóleo em favor da gasolina, o exercício de revisão da receita e taxas a cobrar no âmbito do setor empresarial na tutela do Ministério do Equipamento e Infraestruturas, “as quais em conjunto representam mais 255 milhões de euros”.

“Insuficientes”

Assim, conclui a UTAO, “tendo em consideração a dimensão das medidas necessária para que o saldo estrutural [que exclui os efeitos do ciclo económico e as medidas temporárias] corresponda às recomendações do Conselho, as medidas discricionárias de consolidação apresentadas no relatório da proposta do OE 2017 e no projeto de plano orçamental podem vir a ser consideradas insuficientes“.

De acordo com a unidade técnica do Parlamento, “as medidas discricionárias de consolidação” apresentadas pelo Governo para 2017 e que ascendem a 0,34% do PIB, “podem vir a ser consideradas insuficientes para fazer face ao ajustamento estrutural recomendado pelo Conselho no âmbito do Semestre Europeu, o qual tem subjacente a necessidade de medidas de consolidação de cerca de 1% do PIB“.

Por isso, os economistas da UTAO indicam que estas medidas “não parecem ter a dimensão suficiente para contrariar as pressões orçamentais que estão subjacentes à trajetória divergente do saldo estrutural em cenário de políticas invariantes”, de ausência de políticas com efeitos orçamentais.

A UTAO estima que, tomando por base o cenário de políticas invariantes (de ausência de políticas com impacto orçamental) para 2017 do Conselho das Finanças Públicas (-2,6% de saldo estrutural) ou da Comissão Europeia (-2,5% de saldo estrutural), “a dimensão das medidas subjacentes ao OE 2017 poderá apontar para uma degradação ou relativa manutenção do saldo estrutural de 2016 para 2017, não respeitando portanto a restrição orçamental a que as finanças públicas portuguesas se encontram vinculadas no âmbito do ajustamento estrutural”.

Os especialistas duvidam ainda que o perdão fiscal possa ser aceite como uma medida duradoura e detetaram uma almofada de segurança (cativações e dotações provisionais) na ordem dos 1,5 mil milhões de euros no OE 2017.

A recapitalização da CGD que é suposto acontecer ainda neste ano – 2,7 mil milhões de euros numa injeção direta de capital – pode implicar um Orçamento Retificativo, já que aumenta a despesa e o recurso a mais endividamento.

“Retrocesso em termos de transparência”

A UTAO lamenta ainda a ausência de alguma informação, alerta para “o risco de desadequação à realidade” das projeções de receita e de despesa para 2017, e critica o “retrocesso em termos de transparência orçamental”.

Na análise preliminar à proposta de lei do OE 2017, a UTAO deixou algumas críticas, lamentando por exemplo “a ausência da estimativa de execução para as receitas e despesas de 2016 em contabilidade pública”.

A UTAO indica que a opção seguida na elaboração do OE 2017 foi a de colocar como referência de base para 2016 os dados orçamentados no OE2016, que foram aprovados em março, “em vez da melhor estimativa à data atual para a execução orçamental a verificar no final do ano”, uma “opção contrária” ao que está previsto na Lei de Enquadramento Orçamental (LEO).

Além desta “questão formal” relacionada com a não divulgação da estimativa de execução para 2016 em contabilidade pública, a UTAO identifica ainda um outro problema: “o de saber se as projeções de receita e despesa para 2017 foram efetuadas com base na melhor estimativa à data atual para o final de 2016 ou elaboradas com base na orçamentação que data de março”.

Se as projeções foram feitas com base no que estava orçamentado para 2016, e “uma vez que até agosto já são evidentes baixos graus de execução orçamental tanto em algumas receitas como em algumas despesas”, a UTAO alerta que “as projeções e dotações de despesa para 2017 podem encerrar o risco de desadequação à realidade“.

Ainda quanto à falta de informação, a UTAO refere que no relatório do OE 2017 “não consta uma secção relativa à receita fiscal em contabilidade pública desagregada por imposto (mantém a análise da despesa fiscal), que deveria conter as estimativas de receita de impostos para 2016, a projeção de receita de impostos para 2017, bem como as justificações para as variações por cada tipo de imposto”.

Destacando que esta informação “tem sido parte integrante dos relatórios dos Orçamentos do Estado”, a unidade técnica considera que a sua ausência no orçamento do próximo ano “constitui um retrocesso em termos de transparência orçamental”.

ZAP / Lusa

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