Há 50 anos, dois homens foram salvos após ficarem 84 horas num submersível

Marinha dos Estados Unidos / Wikimedia

O submersível Pisces a ser rebocado após o seu salvamento em 1973

Há 50 anos atrás, dois marinheiros britânicos ficaram presos a mais de 450 metros num submersível de águas profundas a 240 quilómetros da Irlanda.

Presos numa esfera de aço de 1,8 metros de diâmetro por três dias, os homens tinham apenas 12 minutos de oxigénio quando finalmente foram resgatados.

Embora a história do Pisces III (nome dado ao submersível) tenha sido uma grande notícia há 50 anos, estava esquecida até recentemente.

Naquela quarta-feira, 29 de agosto de 1973, o ex-marinheiro da Royal Navy Roger Chapman, então com 28 anos, e o engenheiro Roger Mallinson, com 35, afundaram no Oceano Atlântico num acidente. A operação de resgate internacional demorou76 horas e eles passaram mais de 84 horas presos.

1h15 – Início do mergulho

Os pilotos Roger Chapman e Roger Mallinson começaram um mergulho de rotina no Pisces III.

O submersível comercial canadiano, que trabalhava num transporte para os Correios, estava a instalar um cabo telefónico transatlântico no fundo do mar, a 240 quilómetros a sudoeste da cidade de Cork, na Irlanda.

Por um golpe de sorte, o engenheiro também decidiu trocar o tanque de oxigénio. “Era o suficiente para fazer o mergulho, mas por algum motivo decidi trocá-lo para um tanque cheio, o que não foi um feito físico pequeno, pois era muito pesado”, refere Mallinson.

“Eu poderia ter-me metido em problemas por trocar um tanque pela metade, mas acontece que, se não tivesse feito isso, não teríamos sobrevivido“, contou.

9h18 – O acidente

O Pisces III estava terminando a operação quando, de repente, o inesperado aconteceu.

“Estávamos à espera para amarrar o cabo de reboque para nos levantar e nos levar de volta ao navio-base”, disse Chapman. “Houve muita pancada de cordas e grilhões, como é normal na última fase da operação, quando de repente fomos jogados para trás e afundamos rápido. Ficamos pendurados de cabeça para baixo e depois subimos”, contou Chapman.

A esfera traseira – uma esfera hermética menor onde estava o maquinário – tinha sido inundada quando a escotilha foi aberta. De repente, o submarino pesava mais de uma tonelada.

“Enquanto estávamos a afundar, a minha maior preocupação era se estávamos perto da placa continental, porque se a atingíssemos, seríamos esmagados.”

Os pilotos desligaram os sistemas elétricos e deixaram escuridão total, deixando cair um peso de chumbo de 181 quilos para torná-lo mais leve enquanto desciam. O submarino atingiu o fundo, a 480 metros, às 9h30.

Mallinson diz que a primeira coisa que sentiu foi alívio por estarem vivos. Posteriormente, ele descobriu que caiu a uma velocidade de 65 quilómetros por hora.

“Não nos mgoamos, mas havia ferramentas por toda parte e estávamos a segurar os canos. Ficamos sentados lá com uma lanterna. Sem saber, tínhamos atingido uma ravina, então meio que desaparecemos no fundo do mar”, disse Chapman.

O Pisces III conseguiu fazer contato telefónico, enviando uma mensagem a dizer que ambos estavam bem e que se estavam a organizar. As primeiras indicações sugeriam que o abastecimento de oxigénio duraria até o início da manhã de sábado. Tinham 66 horas restantes.

10h a 16h30 – Condições adversas

“O submarino estava quase de cabeça para baixo, tivemos que reorganizá-lo, consertar a caixa de ferramentas e garantir que não houvesse vazamentos”, disse ele.

Se queriam que o oxigénio durasse, tinham que se mexer pouco. “Se se acalmar, usa um quarto do oxigênio. Não fala nem se move“, contou.

Os dois homens ficaram o mais alto possível no submarino, acima do ar pesado que se depositava no fundo. “Quase não nos falamos, apenas demos as mãos e nos cumprimentamos para mostrar que estávamos bem”, contou Mallinson.

“Estava muito frio, estávamos molhados. Eu não estava nas melhores condições, de qualquer maneira, tendo apenas uma intoxicação horrível por carne e torta de batata por 3-4 dias. Mas o nosso trabalho era ficar vivo”, disse.

Na superfície, o resgate estava em andamento.

Quinta-feira, 30 de agosto: conservar o oxigénio

O navio Vickers Voyager chegou a Cork (na Irlanda) às 8h para carregar os submersíveis Piscis II e Piscis V, que chegaram durante a noite de avião.

Enquanto isso, Chapman e Mallinson observavam como os abastecimentos estavam a acabar. Os pilotos tinham apenas uma sandes de queijo e chutney e uma lata de limonada, mas não quiseram comer ou beber, segundo Chapman.

“Também começamos a pensar nas nossas famílias. Eu tinha acabado de me casar, e concentrava-me na minha esposa, June. Roger Mallinson tinha quatro filhos pequenos e sua esposa, e começou a ficar um pouco ansioso sobre como eles estavam”, disse.

Sexta-feira, 31 de agosto: tentativas fracassadas

“Sexta-feira foi um desastre do ponto de vista da superfície”, contou Chapman.

O Pisces II foi lançado com uma corda especial de polipropileno presa a um gancho dobrável às 2h, mas a corda de içamento rasgou-se e teve que ser devolvida à base para reparos.

O Pisces V também foi lançado numa corda de polipropileno e, embora conseguisse chegar ao fundo do mar, não conseguiu encontrar o Pisces III, porque ficou sem energia. Voltou à superfície e tentou novamente.

“Eram quase 13h quando o Pisces V nos encontrou. Foi incrivelmente encorajador saber que alguém sabia onde estávamos. Mas quando Pisces V tentou prender um gancho, a tentativa falhou devido à flutuabilidade da corda”, contou Chapman.

O Pisces V recebeu ordens de ficar com o Pisces III, embora não pudesse levantá-lo. O Pisces II desceu novamente, mas teve que voltar à superfície depois da água entrar na sua própria esfera.

“Então o Pisces V foi ordenado a emergir logo após a meia-noite, o que foi um pouco difícil. Era como se estivéssemos de volta à estaca zero sem ninguém por perto. As nossas 72 horas de oxigênio estavam a acabar, estávamos a ficar sem hidróxido de lítio para limpar o CO2, estava muito sujo e frio e estávamos quase resignados”, contou Chapman.

Sábado, 1 de setembro, 4h02

O Pisces II foi relançado com uma alavanca especialmente projetada e outra corda de polipropileno.

“Pouco depois das 5 da manhã, eles viram-nos na esfera de popa; eles sabiam que ainda estávamos vivos“, diz Chapman.

“Então, às 9h40, o CURV III desceu e fixou outra corda, com o bastão inserido na abertura da esfera de popa. Ficamos a perguntar-nos o que estava a acontecer, por que não estávamos a ser levantados.”

Chapman diz que foi nesse ponto que os pilotos souberam que a linha estava conectada. Mas Mallinson disse que não tinha certeza se o resgate funcionaria.

“A esfera traseira não era o ponto forte. Estávamos na esfera dianteira e fiquei muito chateado por não estarmos sendo levantados por ela. Achei que era a decisão errada.”

10h50 – O resgate

Até que o levantamento do Pisces III começou. “Assim que saímos do fundo do mar, foi muito difícil, muito desorientador”, diz Chapman.

O elevador parou duas vezes durante a subida.  O Pisces III foi arrastado para fora da água. “Aparentemente, eles pensaram que estávamos mortos quando olharam para nós, tudo tinha sido tão violento”, disse Chapman.

“Quando eles abriram a escotilha e o ar fresco e a luz do sol entraram, ficamos com dores de cabeça ofuscantes, mas ficamos exultantes.”

Os pilotos estavam no Pisces III há 84 horas e 30 minutos quando finalmente foram resgatados. “Estávamos com 72 horas de suporte de vida quando começamos o mergulho, então conseguimos durar mais 12,5 horas. Quando olhamos para o cilindro, tínhamos 12 minutos de oxigénio restantes“, diz Chapman.

Depois do resgate

Logo após o salvamento, Roger Chapman criou a empresa Rumic, que fornece operações e serviços submarinos.

Tornou-se uma autoridade líder no resgate submersível, sendo contatado para o naufrágio do Kursk em nome da Royal Navy em 2000, e desempenhando um papel central no resgate bem-sucedido da tripulação de 7 homens do submarino russo AS-28 Prize, em 2005.

Enquanto isso, Mallinson continuou a trabalhar para a mesma empresa em submersíveis até 1978. Envolveu-se fortemente na restauração de motores a vapor e até foi premiado pelo seu trabalho.

Os dois homens ficaram em contacto e encontraram-se todos os anos. Chapman morreu de cancro em 2020, aos 74 anos.

ZAP // BBC

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