Zelenskyy disponível para discutir neutralidade da Ucrânia e um “compromisso” no Donbass e na Crimeia

(h) UKrainian Presidential Press Service / EPA

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy

A neutralidade da Ucrânia implicaria o abandono das suas pretensões de adesão à NATO. Zelenskyy descreve a situação em Mariupol como uma “catástrofe humanitária” e nega as acusações de discriminação das regiões russófonas na Ucrânia.

Numa entrevista com jornalistas russos que desafiaram as ordens do Kremlin, Volodimir Zelenskyy abriu a porta à possibilidade de discutir a neutralidade da Ucrânia como parte de um acordo de paz com a Rússia.

Este acordo teria de ser garantido por uma terceira parte e ser levado a referendo, sublinhou, falando em russo, tal como tem feito sempre que se dirige a uma audiência russa.

O chefe de Estado afirmou que a guerra também está a causar destruição nas partes russófonas da Ucrânia e que o impacto está a ser pior do que o conflito na Chechénia, escreve a Reuters.

“Garantias de segurança e neutralidade e estatuto não-nuclear do nosso estado- Estamos prontos para isso. Este é o ponto mais importante”, sugeriu Zelenskyy, que recusou comentar uma possível cedência a outras exigências de Moscovo, como a desmilitarização da Ucrânia.

A ideia de que a Ucrânia deva servir como uma ponte neutra entre a Rússia e o Ocidente não é nova, mas esta abertura de Zelenskyy surge num contexto bem diferente, agora que há uma guerra a devastar o país.

O Presidente está assim a mudar de tom depois de ter repetidamente negado ceder às exigências russas, sendo que esta neutralidade serviria de protecção contra conflitos futuros no país.

Em termos gerais, a neutralidade provavelmente implicaria o abandono definitivo das ambições ucranianas de integração na NATO — algo que está na Constituição do país mas que as autoridades também já se mostraram disponíveis para deixarem cair —, assim como a impossibilidade da aliança atlântica ter instalações ou levar a cabo treinos militares no território.

Recorde-se que a Ucrânia abandonou o seu estatuto neutro em 2014, como retaliação contra a anexação russa da Crimeia. Há vários outros estados europeus que são neutros ou militarmente não alinhados, como a Áustria, Irlanda, Malta, Finlândia ou Suécia, sendo que estes dois últimos estão a ponderar abandonar este estatuto e aderir à NATO, precisamente na sequência de ameaças de Vladimir Putin.

A Suíça também é famosamente neutra a nível diplomático, apesar de ter aberto uma rara excepção recentemente para impor sanções à Rússia.

Zelenskyy voltou também a exigir um cessar-fogo e a saída das tropas russas para que se possa chegar à paz e recusou tentar recapturar o território controlado pela Rússia à força, afirmando que isso levaria à terceira guerra mundial.

O Presidente ucraniano está também disponível para chegar a um “compromisso” sobre a região separatista do Donbass, que é controlada por forças aliadas da Rússia desde 2014, e sobre a Crimeia, que Moscovo anexou também em 2014.

Zelenskyy falou também especificamente de Mariupol, a cidade estratégia que tem sido a mais massacrada no conflito e está cercada por tropas russas há semanas, havendo cerca de 100 mil pessoas que não conseguem sair para procurar refúgio.

“Todas as entradas e saídas da cidade de Mariupol estão bloqueadas. O porto está minado. A catástrofe humanitária dentro da cidade é inequívoca porque é impossível entrar lá com comida, medicamentos e água. Nem sei quem é que o exército russo alguma vez tratou assim”, lamentou.

Sobre as acusações da Rússia de que os falantes de russo são discriminados na Ucrânia, Zelenskyy apontou o dedo à própria Rússia, afirmando que foi a invasão que alimentou a destruição nas cidades de cultura russófona.

Relativamente às alegações do Kremlin de que a Ucrânia tem armas químicas ou nucleares, não passam de uma “piada”, de acordo com Zelenskyy.

Os procuradores russos avançaram que já estão a averiguar o conteúdo da entrevista e a legalidade da sua publicação, com Zelenskyy a responder que a “agência da censura russa o ameaçou” e que isso “seria ridículo se não foi trágico”.

Adriana Peixoto, ZAP //

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