André Ventura admite que o Chega está numa “enorme encruzilhada” na sua moção, que define a estratégia política do partido para os próximos anos. O líder partidário só admite duas opções: ou o Chega vai para o Governo do PSD, ou fica na oposição a um Governo socialista. Solução açoriana não.
André Ventura, líder do Chega, condiciona um eventual acordo à direita com o PSD à entrada do partido para Governo, com ministérios, e admite ficar na oposição, evitando uma solução tipo Açores.
Na sua moção ao congresso, distribuída no III congresso neste sábado, em Coimbra, o deputado e presidente do Chega afirma que “uma solução de mero apoio parlamentar”, como a que existe nos Açores, “será para o partido ainda mais nociva do que a situação atual”, com o Governo do PS, com o apoio da esquerda.
No congresso em que pediu um mandato “claro, claríssimo” para negociar uma solução de Governo depois das próximas legislativas, em tese, em 2023, em que recusa pedir, mas sim “impor” e “exigir” ao PSD e pôs a meta de 10% a 15%, Ventura admite ficar na oposição se as suas condições não forem aceites.
Para o líder do Chega, o partido mais à direita no Parlamento, não há “nenhumas garantias” de que “uma governação social-democrata (mesmo com centristas e liberais) será substancialmente diferente daquela que atualmente é conduzida pelo primeiro-ministro, António Costa”.
Em oito páginas, a moção aponta as metas eleitorais para as autárquicas – ser terceiro em número de votos – e nas legislativas ter 10% a 15%, “e tornar-se assim indispensável à formação e viabilização de qualquer governo”, sem nunca referir os ministérios pretendidos nem mencionar as “reformas” do partido na área da justiça, como a prisão perpétua ou a castração química dos pedófilos condenados.
Internamente, a moção recusa qualquer “decisão judicial de ilegalização do partido”, porque isso representaria “a definitiva ‘venezuelização’ do regime político português” e defende que o congresso deve “definir os termos e os modos de luta e resistência” se “o sistema” remeter o Chega “para a ilegalidade e para a clandestinidade”.
No capítulo da disciplina interna, que ocupou a parte da manhã deste segundo dia de congresso, Ventura pede “regras de ética e disciplina”, mesmo que seja difícil aplicá-las.
“É fundamental não voltar ao tempo em que as redes sociais serviam quase exclusivamente para lavar roupa suja e perturbar o crescimento externo do partido e a sua boa imagem”, lê-se na moção.
SEF, um novo feriado e tauromaquia
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a violência doméstica, as terapias alternativas de saúde e a tauromaquia foram temas dos discursos dos delegados do Chega, no congresso que decorre este fim de semana em Coimbra.
O delegado Nélson Silva defendeu que o partido deve ser contra o desmantelamento do SEF, que a acontecer leva a que “Portugal seja o único país em que o serviço de fronteiras passará a ser um serviço de asilo”.
Na apresentação da sua moção “Em defesa do SEF”, o delegado considerou que “Portugal é uma autêntica fábrica de legalização de migrantes da Europa” e que já há mais “estrangeiros a receber nacionalidade portuguesa do que portugueses a nascer nas maternidades”.
“Muitos recebem nacionalidade portuguesa ao fim de um ano sem falarem uma palavra em português”, referiu o delegado, que defendeu um inquérito parlamentar à conduta do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, por causa da situação dos migrantes de Odemira e do desmantelamento do SEF. A sua proposta incluiu ainda a defesa de um referendo às atuais políticas migratórias do país.
Na sua moção, o delegado Carlos Vila defendeu que deveria ser criado um novo feriado nacional, a 25 de novembro, para lembrar as vítimas de violência doméstica e mutilação genital.
O congressista propôs ainda a revisão das molduras penais para os crimes de mutilação genital feminina, que devem ter uma pena mínima de 10 anos de prisão para quem pratica e procede aos atos preparatórios, e a passagem do ato de violação a crime público.
Na primeira e única moção sobre saúde apresentada durante a tarde, António Ferreira começou a elogiar o Bloco de Esquerda por ter ajudado a terminar com a proibição de exercer acupuntura em Portugal.
O delegado do Chega defendeu uma estratégia para alterar a designação de terapias convencionais para medicinas complementares e uma estratégia para introduzir as medicinas complementares até 2023, que permitiria poupar “entre um terço a um quinto dos custos”.
“Isto é muito importante quando se quer resgatar um sistema nacional de saúde, porque ao contrário do que dizem o Chega quer revitalizar esse sistema, acabando com as filas de cirurgias e terapias não direcionadas”.
Às 17:55, os delegados estavam a ouvir a moção n.º 28 – no total são cerca de 80 – e foram muitos os temas levados à tribuna do III congresso do Chega, dos problemas dos professores à defesa da tauromaquia.
Amélia da Silva Soares alertou para os problemas na educação e avisou que, no futuro, podem “muito bem” vir a ser brasileiros e indianos a “lecionar em português” os filhos e os netos dos delegados.
E Pedro Frazão, que acusou a esquerda de, na história ter cometido os “maiores genocídios no mundo” e as “maiores alarvidades ambientes”, como aconteceu no tempo da URSS, que secou o Mar Aral, fez também a defesa da tauromaquia.
É, sintetizou, uma guerra “cidade-mundo rural”, e o Chega não se calará perante “os pides do gosto”, dizendo que “não podem impedir os portugueses de amarem os toiros” “Como diz o povo, cá estaremos para pegar o touro pelos cornos”, prometeu.
Ventura escolhe duas mulheres para vice-presidentes
O líder do Chega escolheu duas mulheres, Marta Trindade e Ana Motta Veiga, para vice-presidentes do partido, confirmou fonte partidária à Lusa. O atual presidente encabeçou a única lista candidata à direção nacional do partido, mas as candidaturas multiplicaram-se para os restantes órgãos nacionais no congresso de Coimbra, com um debate que incluiu gritaria e pateadas.
Com a saída de três vice-presidentes — Diogo Pacheco de Amorim, Nuno Afonso e José Matias — entram Marta Trindade e Ana Motta Veiga e sobe um vogal da anterior direção, Pedro Frazão, que vão a votos no III congresso nacional do partido, que hoje termina em Coimbra.
Os dois outros vice-presidentes, António Tânger Correia e Gabriel Mithá Ribeiro, eleitos no congresso de Évora, mantêm-se na direção.
A informação sobre os novos membros da direção de Ventura foi avançada pelo Observador e mais tarde confirmada à Lusa por uma fonte partidária.
A moção global “Governar Portugal”, de André Ventura, que condiciona o apoio a um acordo de direita à entrada no Governo, terá a sua votação associada à eleição da direção nacional.
O presidente do partido anunciou que não apresenta candidaturas à mesa do congresso e ao conselho de jurisdição nacional, para ser “rigorosamente neutral” em relação a estes dois órgãos, e informou que tem listas para a direção nacional e conselho nacional.
Ao conselho nacional, principal órgão entre congressos, Ventura candidata João Tally, da distrital de Viseu. À mesa do congresso concorrem o atual presidente Luís Graça e Manuel Matias.
Segundo Ventura, que interveio no início dos trabalhos após o jantar, “o presidente do partido não deve tomar partido” na disputa à mesa do congresso e do conselho de jurisdição.
Apesar dos apelos ao entendimento e para acabar com o “clima de agressividade não desejável”, feito por Luís Graça, logo a seguir o concorrente Manuel Matias prometeu “não patrocinar guerras” e queixou-se de ataques, nas redes sociais, “a pôr em causa” a sua pessoa e a sua família.
Depois de se ter cancelado a apresentação de 40 das 80 moções setoriais, que ainda foi contestado, sem êxito, por parte de um militante, Jerónimo Fernandes, da concelhia do Porto, num momento em que houve uma pateada, seguiu-se mais um debate quente, com gritaria e pateadas, contra essa decisão.
E continuaram as acusações de traição, de um candidato à jurisdição (Carlos Monteiro), que se queixou de pressões para não concorrer, e com Rodrigo Taxa, que é assessor de Ventura no parlamento, que garantiu que não usa a rede social Facebook “como arma de arremesso”.
Além destes dois congressistas, concorre ao conselho de jurisdição o jurista José Dias, que vai sair da direção do partido, “por opção de André Ventura, que é legítima e respeitável”. Com 25 anos de trabalho no departamento de contencioso da PSP em Lisboa, José Dias prometeu “esvaziar” o conselho de ética e regularizar em 45 dias todos os processos que estão no conselho de jurisdição.
A maratona de votação das moções setoriais, feita por maioria, durou mais de duas horas, e não foram divulgadas à comunicação social. A grande maioria delas foi aprovada por observação, ou “a olho”, só se repetindo a contagem de votos quando a mesa tinha dúvidas.
Nuno Afonso sente-se “injustiçado”
Nuno Afonso é um dos três vices do partido que deixam de o ser neste III Congresso e encara esta mudança como uma “despromoção”. Segundo o Expresso, o militante número 2 do Chega, coordenador autárquico e candidato à Câmara de Sintra não compreende a sua passagem a vogal.
“Saio magoado, mas o André Ventura foi eleito presidente com uma percentagem muito grande dos votos. Sou um democrata acima de tudo, portanto ele como presidente eleito – e são estes os estatutos do partido – tem todo o direito de escolher a sua direção e fazer o que bem entender”, disse, em entrevista ao semanário.
“Não quer dizer que eu concorde com a decisão”, acrescentou.
Questionado sobre se considera que o líder do Chega foi mal aconselhado, Nuno Afonso disse que “foi uma má decisão, portanto se alguém o aconselhou a fazer isso, foi mal aconselhado, sim”.
ZAP // Lusa
Concordo. Eu também prefiro que ele esteja na oposição.
De resto acho que o Chega é tão bom na oposição que espero que nunca de de lá saia!