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Utentes de lares “retidos” no hospital ao testar positivo ao fim de 10 dias. “Critérios estão errados”, dizem médicos

Jean-Christophe Bott / EPA

Numa altura em que os hospitais já estão a chegar ao seu limite de lotação, uma norma da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre pacientes dos lares ou estruturas de cuidados paliativos ou integrados está a agravar esse congestionamento.

De acordo com o jornal Público, a norma da Direção-Geral da Saúde (DGS) obriga a que os pacientes internados nas enfermarias dedicadas à covid-19 e que vão ser reencaminhados para lares ou estruturas de cuidados paliativos ou integrados não possam ter alta se, ao fim de 10 dias de evolução clínica favorável, o teste continuar a dar positivo.

Os critérios estão errados e são coresponsáveis pelo congestionamento dos hospitais, porque na prática obrigam a que o doente permaneça internado por mais 10 dias, ocupando camas que são necessárias para outros doentes, quando a evidência científica já demonstrou que já não existe qualquer risco de contágio”, criticou o médico José Manuel Silva, ex-bastonário da Ordem dos Médicos e coordenador de uma enfermaria para doentes com covid no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), em declarações ao Público.

“Estes dez dias em que os doentes ficam retidos nos hospitais têm um efeito dramático porque bloqueiam a entrada dos novos doentes que por isso congestionam as urgências ou não conseguem sair das ambulâncias”, insistiu. “Temos no CHUC dezenas de doentes que só estão à espera dos vinte dias para poderem ser transferidos”.

Este problema também é visível no Hospital Curry Cabral, em Lisboa. “Essa norma da DGS impede uma saída mais célere de doentes que já não reúnem critérios de internamento”, disse Fernando Maltez, diretor do serviço de infecciologia daquele hospital, ao Público. A norma ficou desatualizada “a partir do momento em que se constatou que, a partir do oitavo dia, a probabilidade de o doente continuar contagioso é muito baixa”.

Atualizada a 14 de outubro, a norma 004/2020 da DGS define que os doentes internados que vão ser admitidos em lares, unidades de cuidados continuados ou paliativos, bem como aqueles que serão transferidos para áreas não dedicadas a doentes covid, não poderão sair se continuarem a ter um teste positivo ao fim de três dias sem febre e de 10 dias de evolução clínica favorável.

Segundo o intensivista Carlos Meneses de Oliveira, “os testes PCR são altamente sensíveis e detetam os restos do RNA do vírus nas vias aéreas durante muito tempo”, levando a que o resultado seja “um falso positivo”, nalguns casos muito tempo depois da infecção.

O especialista considerou que há doentes “que estão estacionados à espera de uma ordem burocrática” e lembrou que “os hospitais servem para tratar doentes e não para acumular pessoas com testes positivos”.

Esta norma define ainda que, decorridos mais 10 dias, os doentes poderão sair do hospital sem necessidade de submissão a novo teste. Porém, segundo o responsável do Curry Cabral, “há lares, que, mesmo decorridos os 20 dias, e, apesar de isso não estar contemplado na norma, continuam a exigir um novo teste, sem o qual não aceitam receber a pessoa”.

Em declarações ao Público, a DGS esclareceu que a obrigatoriedade de um teste negativo ao fim do décimo dia de evolução clínica favorável a este universo restrito de doentes “está em linha com a posição do ECDC [Centro Europeu de Controlo de Doenças] que recomenda uma cautela particular em locais de elevado risco de contágio e com pessoas com elevada vulnerabilidade para a covid-19, como é o caso das estruturas residenciais para idosos”.

Por outro lado, consideradas “as novas evidências científicas e a experiência adquirida até à data”, a DGS adianta que a norma está a ser atualizada.

Maria Campos, ZAP //

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