Uma revisão à Constituição pode não ser suficiente devido ao chumbo em 2014 do Tribunal de Justiça da União Europeia à lei dos metadados. PS e PSD já confirmaram que têm propostas de revisão da lei, que só devem ser aprovadas em Junho, depois de estar fechada a discussão do Orçamento.
O acórdão do Tribunal Constitucional sobre a recolha dos metadados agitou a justiça, mas persistem ainda muitas dúvidas sobre qual será a solução para se evitar a mudança nos métodos das investigações e que haja efeitos retroactivos que levem à reversão de condenações.
António Costa afirmou na segunda-feira que não defende uma revisão constitucional e que prefere alterar antes a própria lei dos metadados sem se mexer na Constituição. Perante as dúvidas sobre possíveis efeitos retroactivos do acórdão do TC, Costa garante que a decisão não afecta os casos já encerrados.
Esta declaração indica uma mudança de posição do primeiro-ministro, que na semana passada disse que os políticos devem “reflectir com serenidade” sobre será preciso clarificar-se “no texto da Constituição” que os dados podem ser usados no contexto de investigações criminais.
Marcelo Rebelo de Sousa também já se mostrou preocupado com uma revisão constitucional. “Pode começar a aproximar-se uma ideia que é problemática, que é haver uma revisão da Constituição, porque nós não temos revisões pontuais da Constituição”, afirmou o Presidente, que receia também que a necessidade de aprovação o de dois terços dos deputados à mudança no documento obrigue o Governo a ceder às exigências dos partidos noutros aspectos.
O PSD já avançou com uma proposta de alteração à lei para contornar o acórdão, propondo que a circulação de dados para fora de Portugal seja proibida e passar de um ano para 12 semanas o prazo em que as empresas têm de guardar os dados.
Os sociais-democratas querem uma aprovação rápida deste projecto de lei para que este ainda se aplique aos processos pendentes que cuja resolução pode ser posta em causa pela decisão do Constitucional.
Inicialmente, o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, considerou que a proposta do PSD era “precipitada” e não respeitava a “iniciativa do Ministério Público”, referindo-se ao pedido de anulação do acórdão que a Procuradora-Geral da República fez aos juízes, que entretanto o Constitucional rejeitou. Desde então, António Costa já admitiu que a sugestão do PSD “resolve parte dos problemas”.
Esta mudança de ideias do primeiro-ministro sobre a revisão constitucional pode ser justificada pela decisão em 2014 do Tribunal de Justiça da União Europeia, que considerou que a lei dos metadados violava o princípio da proporcionalidade e exigiu que Portugal impusesse mais limites ao acesso aos dados para a protecção da privacidade dos cidadãos. Ou seja, alterar apenas a Constituição não evita o chumbo nos órgãos europeus.
É agora provável que o Parlamento aprove uma alteração à lei em Junho, após a aprovação do Orçamento, e que Marcelo Rebelo de Sousa peça uma fiscalização sucessiva das mudanças ao Tribunal Constitucional. Caso haja novo chumbo, PS e PSD podem avançar com uma revisão constitucional extraordinária.
Juristas discordam de Costa
Entretanto, o Público escreve que há juristas que discordam da interpretação de António Costa do acórdão do Tribunal Constitucional quando o primeiro-ministro garante que a decisão não tem efeitos retroactivos.
O constitucionalista Bacelar Gouveia deixa clara a sua opinião. “O primeiro-ministro está enganado“, afirma, explicando que a aplicação retroactiva da decisão do TC é obrigatória devido ao vazio legislativo que é criado e que todos os casos desde 2009 em que os metadados foram usados como provas podem ser revistos.
Já a especialista Teresa Violante deixa a porta aberta a ambas as interpretações. “É uma questão vai dar azo a teses de doutoramento”, considera, lembrando que o poder político teve oito anos desde o parecer do Tribunal Europeu para alterar a lei.