O fim dos debates quinzenais está a dividir o seio do PS e do PSD, partidos que aprovaram a presença obrigatória do primeiro-ministro no Parlamento apenas de dois em dois meses.
O antigo ministro socialista Jorge Lacão avisa que a intenção de tornar obrigatória a presença do primeiro-ministro no parlamento apenas de dois em dois meses colide com a história do seu partido e votará contra essa mudança.
Em declarações à agência Lusa, Jorge Lacão contesta este ponto da proposta de revisão do Regimento da Assembleia da República apoiada pela direção do Grupo Parlamentar do PS e pelo PSD, e adverte mesmo que o fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro, passando-os no limite para uma periodicidade de dois em dois meses, coloca em causa a perceção dos cidadãos no que respeita à normal relação entre os órgãos de soberania.
“Se a questão vier a ficar nos atuais termos, naturalmente não poderei ter outra atitude senão votar contra, porque contamina muito a perceção que os cidadãos têm daquilo que deve ser a normal relação entre os vários órgãos de soberania na sua independência e, igualmente, na sua interdependência. Tenho ainda esperança de que a questão possa ser revista”, declara o deputado socialista.
Jorge Lacão foi líder do Grupo Parlamentar do PS entre 1995 e 1997, na altura em que o Governo era liderado por António Guterres. Foi nesse período que a Assembleia da República instituiu os debates mensais com o primeiro-ministro.
No que respeita à questão da liberdade ou da disciplina de voto da bancada socialista perante a matéria relativa à revisão do Regimento da Assembleia da República, Jorge Lacão sustenta que o PS se “orgulha da liberdade de voto dentro do Grupo Parlamentar”.
“Há matérias que exigem disciplina, mas que têm temas bem identificados – temas esses que se relacionam com o Orçamento do Estado e outros de idêntica relevância. Aqui, estamos a falar de uma matéria própria da competência dos deputados, da competência própria da Assembleia da República e que diz respeito ao funcionamento do parlamento. Por isso, os deputados devem assumir plenamente o entendimento que tiverem sobre o assunto”, advoga.
Neste contexto, Jorge Lacão deixa depois um aviso: “Desejo concorrer – e fá-lo-ei com um espírito inteiramente construtivo – para a coesão do Grupo Parlamentar do PS nesta questão, mas também no sentido de que essa decisão possa ser correta e não uma decisão que inverta a própria história do PS na defesa da instituição parlamentar”.
Interrogado se sabe que o primeiro-ministro e secretário-geral do PS apoia esta mudança para aumentar a periodicidade dos debates com a sua presença, Jorge Lacão argumenta que só quer conhecer as coisas “pelo seu valor facial”.
“Pelo que conheço, através de membros da direção do Grupo Parlamentar do PS, a proposta foi apresentada. Portanto, foi apresentada pelo PS. Não tenho de conhecer quaisquer posições que eventualmente possam ter sido tomadas por parte do primeiro-ministro. Circunscrevo a minha atuação no quadro parlamentar”, responde.
De acordo com o antigo ministro socialista, “há sinais de natureza geral de algumas tendências da vida política que devem merecer alguma preocupação, porque princípios são princípios – e a concretização desses princípios não deve ser menosprezada em função de outras ponderações circunstanciais”.
“Não direi que a democracia está hoje cercada, mas tem pela frente muitos problemas e até muitos adversários. Só se responderá aos desafios se o regime democrático se fortalecer e, não pelo contrário, se tender para enfraquecer. É essa a minha questão principal, é por ela que me tenho batido ao longo de muitos anos e é por ela que continuo a guiar a minha posição própria”, afirma.
Questionado sobre o projeto de reforma global do parlamento, o deputado socialista identifica “muitas matérias com contribuições de significativo aperfeiçoamento dos trabalhos parlamentares”. “Será uma pena se a solução final de revisão do Regimento da Assembleia da República ficar contaminada por esta questão [dos debates com o primeiro-ministro] – uma questão que, no entanto, é bastante relevante”, acrescentou.
Vários deputados socialistas vão contestar a alteração ao regimento da Assembleia da República. Este assunto vai ser tema de debate esta manhã na reunião do Grupo Parlamentar do PS, a primeira em que todos os deputados socialistas vão discutir o assunto.
Hugo Soares vê com “mágoa” decisão do PSD
O antigo líder parlamentar do PSD Hugo Soares manifestou esta quinta-feira “mágoa” por ver o PSD “não apenas conotado mas como o impulsionador” do fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro, alteração que classificou como “retrocesso democrático”.
“Infelizmente não é preciso ir à Hungria ou à Polónia, de quem por estes dias tanto se falou, para ver como a maturidade democrática é desafiada pelo populismo mais irresponsável”, criticou Hugo Soares, numa posição escrita enviada à Lusa.
Para o antigo deputado social-democrata, o fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro significa “um retrocesso democrático que menoriza o parlamento e as instituições”. “Que António Costa e o PS caucionem o fim dos debates quinzenais não me causa estranheza, mas é com mágoa que vejo o PSD não apenas conotado, mas como o impulsionador deste retrocesso democrático”, referiu.
Para Hugo Soares, esta alteração ao regimento da Assembleia da República, “com o alto patrocínio do designado bloco central, não se compagina com a maturidade” da democracia portuguesa.
“Perdendo-se uma oportunidade de rever o regimento, encontrando instrumentos que aproximem eleitos de eleitores e sobretudo aumentem o escrutínio do Governo e a dignificação do exercício da função do órgão de soberania Assembleia da República, PS e PSD atuam em conluio para fazer exatamente o contrário”, acusou, considerando que “os protagonistas dos dois partidos esquecem-se que os partidos, como a democracia, não têm donos e os seus representantes são circunstanciais”.
Hugo Soares, que foi líder parlamentar do PSD entre julho de 2017 e fevereiro de 2018 e protagonizou alguns debates quinzenais com o primeiro-ministro António Costa, classificou este instrumento como “o maior momento de escrutínio e fiscalização do poder executivo”. “Os debates quinzenais, como momento de interpelação direta e sem mediação dos eleitos pelo povo ao primeiro-ministro, são um momento de democraticidade plena e salutar combate político donde devem resultar as posições e alternativas políticas”.
Na nota, Hugo Soares acusa António Costa de “já hoje não respeitar o parlamento”, dizendo que o primeiro-ministro “não responde a nada do que lhe é perguntado e rebaixa toda a crítica da oposição”. “Mas até por isso é incompreensível que o parlamento prescinda de fiscalizar e interpelar frontalmente o governo”, lamentou.
Em declarações à TSF, o deputado social-democrata Pedro Rodrigues sublinhou que a proposta “não foi discutida no partido nem no grupo parlamentar nem no conselho nacional do PSD e vai ao arrepio daquela que é a tradição” dos sociais-democratas.
O deputado disse acreditar que limitar as presenças do primeiro-ministro no Parlamento vai diminuir a capacidade de intervenção dos partidos mais pequenos e vai levar a um menor escrutínio parlamentar da atividade política do Executivo.
Segundo o deputado, a proposta choca com a ideologia primária do partido, que “sempre defendeu o reforço da democracia parlamentar, sempre defendeu uma maior intervenção do Parlamento na atividade de fiscalização política do Governo” e altera a “visão histórica do PSD e do património do PSD nesta matéria”.
“Anunciarei o meu sentido de voto, primeiro na bancada parlamentar e depois publicamente. Mas não me passa pela cabeça outra coisa que não seja que um partido com a tradição do PSD adote a liberdade de voto”, rematou.
Rui Rio foi o primeiro a propor o fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro, mas o PS apressou-se a mostrar que é a favor. A maioria dos partidos é contra.
PS e PSD aprovaram na terça-feira um texto comum a partir das propostas de socialistas e sociais-democratas que termina com o modelo de debates quinzenais em vigor há 13 anos, tornando a presença do primeiro-ministro obrigatória no parlamento para responder sobre política geral de dois em dois meses. O texto aprovado, que deverá entrar em vigor em 1 de setembro, cria um novo modelo de debates com o Governo: num mês, com o primeiro-ministro sobre política geral e, no seguinte, sobre política setorial com o ministro da pasta.
O Bloco de Esquerda anunciou que vai avocar esta quinta-feira para plenário os artigos relativos aos debates com o primeiro-ministro e pelos menos dois deputados do PSD, a líder da JSD Margarida Balseiro Lopes e Pedro Rodrigues, já anunciaram que votarão contra esses artigos e apelaram ao levantamento da disciplina de voto, alegando que o assunto nunca foi debatido no grupo parlamentar.
ZAP // Lusa
Muito bem acabar com esta forma de propaganda de Costa! Deveria ir ao Parlamento apenas de dois em dois meses.