Reitor da Universidade de Mariupol: Terceira Guerra Mundial já começou “há muito”

Maxar Technologies / EPA

O reitor da Universidade Estatal de Mariupol, Mykola Trofymenko, afirmou que a terceira guerra mundial promovida pela Rússia já começou “há muito”, primeiro através da desinformação e propaganda e agora com uma ação militar na Ucrânia.

Primeiro, foi a “guerra global” em “termos de desinformação, propaganda e informação” e agora “a parte militar desta guerra já começou na Ucrânia e não sabemos o que vai ser a seguir porque Putin [Presidente russo] também já começou a dizer-nos que vai usar armas químicas ou nucleares”, afirmou, em entrevista à Lusa, Mykola Trofymenko.

O reitor saiu de Mariupol há poucos dias, quando já era impossível sobreviver, como civil, na cidade fortemente bombardeada pelas tropas russas.

Putin, que ordenou a invasão da Ucrânia a 24 de fevereiro com o argumento de que iria afastar um regime nazi, é “um homem que tomou como refém todo o seu país e está a lavar a mente das pessoas através da televisão e propaganda. O seu próprio povo não compreende o que está a acontecer”.

Nas últimas semanas, o mundo está a falar de um risco de uma terceira guerra mundial, mas Trofymenko avisa que esse conflito já começou há muito através de ações de descredibilização da democracia com recurso à desinformação em larga escala e que a Ucrânia é apenas uma etapa.

“Tenho um doutoramento em ciência política e quero queimar o diploma”

O Presidente russo “deve ser detido”, afirmou o reitor da universidade, mostrando-se incrédulo com o que se está a passar: “tenho um doutoramento em ciência política e quero queimar o meu diploma”.

“Veja o que fizeram à minha terra, é impossível acreditar que tudo isto seja possível no centro da Europa, na Ucrânia, no século XXI”, afirmou o reitor, que estende a responsabilidade também à hierarquia militar russa.

A culpa não é apenas de Putin, os seus “soldados estão a carregar nos botões, estão a atirar as bombas para as zonas civis. Não sei como é que eles conseguem dormir depois disso”, acusou.

Sobre a ação dos países ocidentais, Mykola Trofymenko agradece o apoio militar e as palavras de incentivo, mas diz que isso não chega. “Claro que os países estrangeiros estão a ajudar-nos com as suas armas e com o seu dinheiro, mas deveriam tomar algumas decisões responsáveis e fechar o céu sobre a Ucrânia” porque está a haver “um genocídio na Europa e a União Europeia também está em perigo”.

Nos últimos dias, os russos têm publicado vídeos nas zonas alegadamente libertadas de Mariupol, com distribuição de comida e entrevistas a habitantes locais, que Trofymenko considera serem atores pagos.

“Esta propaganda ajuda-os a manter o poder no seu próprio país. Se os russos souberem a verdade sobre o que estão a fazer na Ucrânia, o que estão a fazer ao povo que era anteriormente irmão, não acredito que concordem em apoiar este Presidente que é agora um criminoso militar”, argumentou.

Com formação nos EUA em desinformação e propaganda, Mykola Trofymenko disse à Lusa que começou a verificar as pessoas filmadas em Mariupol pelo exército russo e explicou que é visível que os habitantes da cidade não falam, mas apenas pessoas estrangeiras que dizem ter amigos na Rússia e se dizem perseguidos por Kiev.

“Estão a tentar mostrar que Mariupol faz parte do mundo russo”, mas “nós não somos parte do mundo russo, e nunca lhes perdoaremos o que fizeram à nossa cidade e às nossas instituições, às nossas famílias e às nossas casas”, afirmou o reitor, dando outro exemplo recente de propaganda russa.

Na sexta-feira de manhã, Ramzan Kadyrov, líder de um grupo de militares chechenos pró-russos, publicou nas redes sociais que havia tomado a Câmara de Mariupol. Mas, segundo Trofymenko, o local é apenas umas das delegações camarárias.

Os milicianos chechenos “devem verificar a desinformação e a informação de propaganda com muito mais frequência”, ironizou, embora admita que a queda de Mariupol seja uma questão de tempo.

“É claro que a Ucrânia é muito forte e não vamos desistir tão facilmente”, mas “não sabemos o que Putin vai fazer a seguir depois da Ucrânia”.

Reitor acusa russos de vingança

Mykola Trofymenko acusou o exército russo de estar a destruir a cidade de Mariupol como ato de vingança pela vontade dos seus habitantes quererem viver na Ucrânia.

“O cenário é realmente muito dramático e os russos, continuam a bombardear para devastar a cidade” e o mundo está a assistir ao “genocídio do povo ucraniano”, com o bombardeamento sistemático de “bairros e casas civis sem qualquer infraestrutura militar”.

Os russos estão a “destruir Mariupol para mostrar que fizemos uma má escolha em 2014, escolhendo o desenvolvimento na Ucrânia”, numa referência ao facto de a cidade ter sido recuperada por militares ucranianos, com o apoio de paramilitares do Batalhão Azov (com ligações à extrema-direita), aos independentistas do Donbass, que contavam com forte apoio russo.

Sobre o peso do batalhão Azov na defesa da cidade ou as acusações de extrema-direita que Putin imputa à Ucrânia e a Mariupol em particular, Mykola Trofymenko é taxativo: “Sou totalmente contra os nazis, o nazismo e as suas ideias, mas, na verdade, quem hoje são os nazis são os russos”.

Dias antes do início da invasão, a 24 de fevereiro, a reitoria mudou a base de dados e os documentos mais importantes para a cidade de Dnipro, no centro do país.

“Eles bombardearam os hospitais, os jardins de infância, as escolas, e destruíram totalmente a minha universidade, o meu belo campus e os seus edifícios”, desabafou o reitor, que esteve na cidade até há uma semana, com a mulher e o filho de dez anos.

“O meu filho”, exemplificou, “sabe que quando ouve o silvo da bomba, deve correr e esconder-se algures no corredor, na casa de banho ou no abrigo”, recordou, admitindo que “foi um desafio encontrar o que comer” nos últimos dias, “porque os russos decidiram bombardear todas as nossas infraestruturas sociais”.

“A nossa cidade era bela”, salientou Trofymenko, recordando os projetos de desenvolvimento em curso que estão agora destruídos.

“Não sei como passámos estas três semanas, vivemos como animais sem eletricidade, sem água, sem comida”, acordando logo às quatro e meia de manhã com o som de explosões, porque os russos “gostam de começar estas atividades de manhã cedo”.

Durante esses dias, Mykola Trofymenko não se recorda de ver soldados russos nas ruas, apenas as violentas explosões incessantes. Hoje, “sabemos que eles estão a manter algumas partes da cidade e os nossos soldados a tentar defender o que resta”.

// Lusa

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