“Com que médicos vão fazer isto?”. Plano de emergência é “powerpoint de medidas”

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Filipe Amorim / Lusa

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, fala aos jornalistas após a reunião do Conselho de Ministros sobre o Plano de emergência e transformação na saúde.

Plano de Emergência para a Saúde que quer levar SNS “até ao limite” foi alvo de críticas por parte das várias entidades ligadas ao setor.

O plano de emergência para a Saúde, apresentado pelo Governo esta quarta-feira com mais de 50 novas medidas, está a deixar algumas dúvidas em redor da sua execução, especialmente devido à falta de pessoal e de capacidade financeira.

Entre as entidades envolvidas na pasta da Saúde não há propriamente um consenso: fala-se em “mais desigualdades”, “desestruturação das equipas” e “mais trabalho precário”.

“Esgotar a capacidade do SNS”

O primeiro-ministro sublinhou que não pretende “vender a ilusão” que as dificuldades se vão resolver rapidamente com o plano de emergência, uma vez que o setor enfrenta problemas “profundos e estruturais”.

“Não temos nenhuma pretensão de vender a ilusão que amanhã, nas próximas semanas, nos próximos meses, todos os problemas, que são muitos, profundos e estruturais no Serviço Nacional de Saúde, vão ser resolvidos“, disse na apresentação das medidas: “há muita coisa que só se resolve com tempo”.

O programa de emergência para a saúde pretende esgotar os recursos do SNS até ao limite, mas conta também com os setores social e privado de forma complementar.

“Este plano de emergência e transformação na saúde vai esgotar, até ao limite do que é possível, a capacidade do Estado, seja no aproveitamento dos recursos humanos, seja no aproveitamento de todas as unidades de saúde”, afirmou Luís Montenegro.

O chefe do executivo assegurou que o “Governo não faz da gestão da área da saúde uma questão ideológica”, salientando que, quando a capacidade do SNS se esgotar, os “cidadãos não podem ficar privados do acesso aos cuidados de saúde que precisam e merecem”.

Luís Montenegro salientou ainda que passaram 57 dias desde a tomada de posse do Governo e 47 dias desde a sua investidura parlamentar, numa referência ao compromisso que tinha assumido de apresentar um plano para a saúde nos primeiros 60 dias do seu executivo.

“O cumprimento do prazo é seguramente o menos importante no que está em causa neste plano. Sabemos que o ponto de partida é muito problemático”, alertou ainda o primeiro-ministro, ao adiantar que se verificam “várias dificuldades e problemas acumulados ao longo dos últimos anos no SNS”. De acordo com o chefe do executivo, estas dificuldades têm provocado “muitos constrangimentos no acesso à saúde dos cidadãos”, mas também um aumento da desigualdade social.

Isto porque, alegou Montenegro, os cidadãos que têm no SNS a única opção para receberem tratamentos e cuidados de saúde “ficam prejudicados” face aos outros que têm meios económicos para aceder a outras respostas de saúde.

“Este programa visa dar uma resposta urgente e imediata a vários desses problemas, dificuldades e constrangimentos, mas fá-lo também ao nível estratégico e estrutural, começando por resolver várias das questões que têm, ao longo dos anos, acumulado a dificuldades de acesso aos cuidados”, realçou.

“Powerpoint com medidas que já existem”

O secretário-geral do PS acusou esta quarta-feira o Governo de não ter apresentado um plano de emergência para a saúde, mas sim um powerpoint com medidas que descrevem o atual trabalho do SNS, considerando que foi uma “profunda desilusão”.

“Nem eu nem nenhum português ouviu nenhum plano. Aquilo que foi apresentado foi um powerpoint com um conjunto de medidas que descrevem aquilo que já é hoje o trabalho diário do SNS. Não há nenhuma visão para o SNS, nenhuma reforma, mas temos que esperar para vermos o plano”, respondeu aos jornalistas Pedro Nuno Santos.

Segundo o líder do PS, este powerpoint “não inspira muita confiança numa mudança no SNS”.

“Não vamos fazer nenhuma festa por causa de um powerpoint que na realidade não traz nada de extraordinário que nos dê esperança sobre o que este Governo vai fazer no SNS”, disse.

“Condenado ao fracasso

A Ordem dos Enfermeiros disse que o Plano “não concretiza” qualquer medida para “a maior classe profissional da Saúde”, o que o pode “condenar ao fracasso” e apela a mais contratações.

Citado em comunicado da Ordem dos Enfermeiros (OE), o bastonário Luís Filipe Barreira defendeu que “qualquer medida, plano ou reforma que não tenha em consideração a maior classe profissional da saúde, está condenada ao fracasso” e alertou para que não se conte com os enfermeiros para “uma vez mais, se sacrificarem a troco de muito pouco ou nada”.

“A OE espera ainda conhecer ao pormenor as 54 medidas que compõem o plano de emergência, mas já identifica problemas como a falta de recursos humanos e falta de medidas que promovam a motivação dos enfermeiros. Não é possível continuar com o discurso de que é possível fazer mais com os recursos humanos que temos e nas condições em que trabalham. É preciso mais profissionais, mas também profissionais mais motivados, que sintam que a sua mais-valia profissional é reconhecida por quem decide”, lê-se no comunicado.

A OE considera “urgente avançar para um processo de contratação célere”, referindo que os dados oficiais apontam para a falta de 14 mil enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde, apelando ainda à regularização de vínculos precários, por exemplo, nas Unidades Locais de Saúde, como forma de “travar a emigração” destes profissionais.

“Bem construído”

O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos considerou “bem construído” o plano para a saúde, mas levantou reservas sobre se o Governo tem as condições financeiras e políticas para implementar as medidas previstas.

“É um plano que me parece abordar áreas que é fundamental que tenham intervenção. É o caso da oncologia, das urgências e da saúde mental, que são áreas muito importantes e com medidas bem identificadas e estratificadas no tempo. O problema é se há, ou não, condições políticas, por um lado, e financeiras, por outro, para implementar as medidas”, adiantou Hélder Mota Filipe em declarações à agência Lusa.

“É preciso que haja condições e um ambiente político para que essas medidas possam ser adequadamente implementadas com o suporte legal que é fundamental”, realçou Hélder Mota Filipe.

Ao nível financeiro, apontou o exemplo dos processos relacionados com o reconhecimento dos profissionais de saúde, que incluem melhorias salariais e progressões salariais, e que “precisam ter o envelope financeiro associado”.

Já na área farmacêutica, o bastonário da ordem realçou “três áreas positivas” relacionadas com uma melhor gestão do medicamento, com a reserva estratégica do país e com a estratégia de ensaios clínicos.

Como “áreas menos positivas”, elencou o potencial que os farmacêuticos comunitários têm de ajudar a diminuir a pressão no SNS, em que se podia “ter ido mais longe”, em linha com o que está a acontecer em toda a Europa, alertou.

“Conjunto de medidas vazias”

A Federação Nacional dos Médicos (Fnam) considerou que o Plano de Emergência da Saúde é um conjunto de medidas vazias, que precarizam mais a profissão.

São medidas temporárias, que só existem porque o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está em rotura, mas não medidas para uma reestruturação do setor, disse à Lusa a presidente da Fnam, Joana Bordalo e Sá.

Num comentário ao anúncio, a presidente da Fnam lamentou que as medidas sejam “baseadas em incentivos” que vão “criar mais desigualdades” e “desestruturação das equipas”. O que o Governo faz “é convidar a mais trabalho extraordinário e também mais trabalho precário”, disse.

Joana Bordalo e Sá comentou também o anúncio do envolvimento, no plano, dos setores privado e social afirmando que não é qualquer novidade, porque estes sempre estiveram envolvidos e já recebem muitos milhões de euros por ano.

“Para isso há disponibilidade financeira mas não há disponibilidade para investir no SNS”, lamentou, acrescentando que os médicos continuam a ser os profissionais mais mal pagos da União Europeia e que as medidas anunciadas vão levar a mais fuga de quadros, para o estrangeiro e para o setor privado.

“A Fnam continua a lutar para melhorar a situação dos médicos, e isso faz-se na mesa negocial”, disse Joana Bordalo e Sá, frisando a importância de um SNS “público, acessível e universal”.

Num comunicado a Fnam também enfatiza a importância do investimento no SNS “e nos seus recursos humanos”, incluindo o “pagamento de salários justos a todos os médicos e a criação de condições de trabalho atrativas”.

O Governo optou “por medidas temporárias, vazias em soluções, baseadas em incentivos incertos e insuficientes, que implicam o agravamento da deterioração das condições de trabalho, que vão intensificar desigualdades e acentuar a desestruturação das equipas”, sintetiza o comunicado.

“Com que médicos é que vão fazer este plano?”, questiona.

O Plano de Emergência da Saúde está organizado em cinco eixos estratégicos prioritários.

Regularizar o acesso aos cuidados de saúde garantindo o atendimento do doente no tempo clinicamente recomendado é um dos eixos do plano, que visa também criar um ambiente seguro para o nascimento, reforçar o serviço de urgência, resolver os problemas de acesso aos cuidados de saúde primários e garantir o acesso a serviços habilitados à prestação de cuidados de saúde mental.

Em cada eixo, o plano prevê medidas urgentes, de aplicação imediata, para obter resultados num período de até três meses; prioritárias, planeadas para gerar resultados até ao final do ano; e estruturantes, com planeamento e aplicação a médio e longo prazo.

ZAP // Lusa

3 Comments

  1. É claro que os PS`s que pouco ou nada fizeram nos últimos oito anos em que governaram este país – pouco ou nada fizeram no sector da saúde,por exemplo, embora tivessem tornado algumas das poucas PPP`s na saúde impossíveis de continuar – ficam irritados quando vêem que o actual governo da AD está a fazer alguma coisa, designadamente, na saúde onde pretendem implementar um Plano de Urgência para colmatar as muitas falhas deixadas pelo anterior governo (do PS…!). A politica do bota abaixo, que o PS e apaniguados seguem à risca, destina-se a torpedear os trabalho do governo e isto apenas porque a AD não tem maioria absoluta e está dependente de acordos com o PS qu, quando lhe convém, se alia ao Chega. Tudo para molestar a politica e a imagem do actual governo da AD. A isto chamam os dotados e supostamente “entendidos” democracia e respeito pelos eleitores…

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