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Pedrógão. Três anos depois, o incêndio que cobriu o país de cinzas não caiu no esquecimento

António Cotrim / Lusa

No dia 17 de junho de 2017, as chamas deflagraram e puseram fim à vida de 66 pessoas. O incêndio que encheu Portugal de cinzas não caiu no esquecimento.

Há três anos, deflagrou em Pedrógão Grande o incêndio provocou a morte de 66 pessoas e 253 feridos, sete dos quais graves, destruindo cerca de meio milhar de casas e 50 empresas. Mais de dois terços das vítimas mortais (47 pessoas) seguiam em viaturas e ficaram cercadas pelas chamas na Estrada Nacional 236-1, entre Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, no interior Norte do distrito de Leiria, ou em acessos àquela via.

As chamas, que eclodiram pelas 14 horas de 17 de junho de 2017, foram extintas passado uma semana (24 de junho), depois de, a 20 de junho, se terem juntado ao fogo que, cerca de dez minutos depois do início daquele incêndio, no concelho de Pedrógão Grande (em Escalos Fundeiros), deflagrou no município de Góis (distrito de Coimbra), em Fonte Limpa.

Cerca de 53 mil hectares de território, 20 mil hectares dos quais de floresta, foram atingidos por estes fogos, sobretudo nos municípios de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria, de Góis e Pampilhosa da Serra (Coimbra) e da Sertã (Castelo Branco).

Além de terem destruído total ou parcialmente mais de meio milhar de casas – 264 das quais habitações permanentes, cerca de 200 secundárias e mais de cem devolutas -, as chamas também atingiram quase meia centena de empresas, afetando o emprego de quase 400 pessoas.

Estimativas feitas pouco tempo depois dos incêndios apontavam para que os prejuízos provocados na floresta ultrapassassem os 83 milhões de euros, enquanto os danos em habitações estimavam mais de 27,6 milhões de euros, na indústria e turismo perto de 31,2 milhões de euros, na agricultura 20 milhões de euros e noutras atividades económicas mais de 27,5 milhões de euros.

Os danos provocados em infraestruturas municipais eram avaliados em cerca de 20 milhões de euros e na rede viária nacional em perto de 2,6 milhões de euros.

O Conselho para a atribuição de indemnizações às vítimas destes incêndios (e dos de 17 de outubro de 2017) fixou, em final de novembro desse ano, em 70 mil euros o valor mínimo para privação de vida.

As mortes provocadas pelo incêndio levaram o Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra a abrir um inquérito, que investigou as responsabilidades no fogo com início em Pedrógão Grande. O despacho de pronúncia acusava 13 arguidos.

Na abertura da instrução, o juiz do Tribunal de Leiria decidiu deixar de fora da acusação o comandante distrital de operações de socorro de Leiria à data dos factos, Sérgio Gomes, o segundo comandante distrital, Mário Cerol, e José Graça, então vice-presidente do município de Pedrógão Grande.

Aguardam julgamento os presidentes dos municípios de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande em funções à data dos factos: Fernando Lopes, Jorge Abreu e Valdemar Alves, respectivamente.

O tribunal decidiu ainda levar a julgamento a então engenheira florestal no município de Pedrógão Grande, Margarida Gonçalves; o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut; o subdiretor da área comercial da EDP José Geria; o subdiretor da área de manutenção do Centro da mesma empresa, Casimiro Pedro; e três arguidos com cargos na Ascendi Pinhal Interior: José Revés, António Berardinelli e Rogério Mota.

O Ministério Público de Leiria, para onde transitou o processo, recorreu da decisão, que se encontra neste momento no Tribunal da Relação de Coimbra a aguardar o despacho final. Também o processo de reconstrução das casas ardidas levou o Ministério Público de Coimbra a abrir um inquérito.

A investigação resultou numa acusação contra 28 arguidos pela alegada prática de 20 crimes de burla, 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documentos, um crime de falsidade informática e um crime de falsas declarações.

O processo foi para Leiria devido à competência territorial. O presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, o ex-vereador Bruno Gomes e o construtor civil João Paiva pediram a abertura da instrução. A juíza entendeu que todos devem ser julgados em tribunal coletivo.

O fogo de Pedrógão Grande foi “muito provavelmente aquele que, em Portugal, libertou mais energia e o fez mais rapidamente (com um máximo de 4.459 hectares ardidos numa só hora), exibindo fenómenos extremos de vorticidade e de projeção de material incandescente a curta e a longa distância”, afirma o relatório da Comissão Técnica Independente (CTI), criada para avaliar os incêndios ocorridos entre 17 e 24 de junho, em 11 concelhos dos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco.

A Assembleia da República aprovou, por unanimidade, a 7 de junho de 2019, um projeto de resolução que consagra o dia 17 de junho como Dia Nacional em Memória das Vítimas dos Incêndios Florestais.

Compositora checa edita vídeo de homenagem às vítimas

A compositora checa Martina Vídenová, autora do “Requiem à Floresta Portuguesa”, vai publicar na quarta-feira um vídeo musical incluído no mesmo projeto de homenagem às vítimas dos incêndios de 17 junho de 2017.

Com título em inglês, o vídeo “Requiem for Portuguese Forests” foi gravado a preto e branco, no verão de 2018, no Pinhal de Leiria, também devastado pelas chamas, no dia 15 de outubro de 2017, quatro meses após o grande incêndio que eclodiu em Pedrógão Grande, distrito de Leiria.

Martina Vídenová escolheu o “cenário da floresta ardida” na Mata Nacional de Leiria porque “o objetivo era gravar o vídeo numa área florestal recentemente queimada”. “Achei a paisagem muito bonita e cinematográfica. A floresta no nosso vídeo não parece muito queimada, já havia alguma vegetação a crescer, o que era simbólico e em certo sentido poderia significar uma esperança”, afirmou.

Por outro lado, “também a floresta está à beira-mar, o que corresponde muito ao texto do Requiem”, da autoria do escritor David Zábranský, também da República Checa.

“Tive de escolher o dia das filmagens muito tempo antes e não esperava que, em julho de 2018, quase não houvesse incêndios em Portugal. Era, felizmente, um verão frio, como os meus amigos portugueses não se lembravam há décadas”, recordou Martina Vídenová.

Editado em CD, o “Requiem à Floresta Portuguesa” foi então gravado no Porto, com 40 músicos, maioritariamente elementos da Orquestra Sinfónica do Porto e do Coro Casa da Música, dirigidos pelos maestro de origem polaca Jan Wierzba. No vídeo, participam os mesmos músicos do disco, primeira parte de um projeto que contou com contributos de 60 pessoas.

Depois de o lançamento do vídeo ter sofrido alguns atrasos, a autora decidiu publicá-lo no “dia do terceiro aniversário da tragédia” que começou na povoação de Escalos Fundeiros, Pedrógão Grande, e alastrou a vários municípios vizinhos, nos distritos de Leiria, Castelo Branco e Coimbra.

A questão dos incêndios florestais não é nada otimista, eu precisava de recarregar energia. Tive muita sorte com todas as pessoas envolvidas no projeto, que ficaram entusiasmadas com a ideia e graças a elas obtivemos um belo resultado”, disse a artista, destacando o contributo do produtor Tomás Valle, do Porto.

Na quarta-feira, a obra “Requiem for Portuguese Forests”, com a duração de 10 minutos, será disponibilizada na internet, através das plataformas Vimeo e Youtube.

ZAP // Lusa

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