O Oceano Antártico afinal está a arrefecer. Novo estudo explica porquê

O Oceano Antártico têm vindo a arrefecer nas últimas décadas, ao contrário do que os modelos climáticos preveem. O aumento da água de degelo e da chuva explica 60% de um desfasamento de décadas entre as temperaturas previstas e as observadas no oceano em redor da Antártida

Os modelos climáticos globais preveem que o oceano à volta da Antártida deveria estar a aquecer, mas, na realidade, essas águas arrefeceram durante a maior parte das últimas quatro décadas.

Num novo estudo, investigadores da Universidade de Stanford concluíram que a discrepância entre os resultados dos modelos e o arrefecimento observado se deve principalmente à falta de água de fusão e à subestimação da precipitação.

No decorrer do estudo, apresentado num artigo publicado esta semana na Geophysical Research Letters, os cientistas quantificaram a quantidade de arrefecimento observada desde 1990, devido a um afluxo de água doce que não é tido em conta nos modelos climáticos mais avançados.

Os investigadores descobriram que as entradas de água doce ao longo da costa, provenientes da fusão das camadas de gelo, exercem uma influência surpreendentemente forte nas temperaturas da superfície do Oceano Austral e no sistema climático em geral.

“Descobrimos que a tendência de arrefecimento do Oceano Antártico é, na realidade, uma resposta ao aquecimento global, que acelera a fusão dos lençóis de gelo e a precipitação local”, afirmou Earle Wilson, professor na Escola de Sustentabilidade Doerr de Stanford e autor sénior do estudo, em comunicado da universidade.

À medida que as temperaturas crescentes derretem o manto de gelo da Antártida e provocam mais precipitação, a camada superior do Oceano Antártico está a ficar menos salgada e, por conseguinte, menos densa.

Isto cria uma tampa que limita a troca de águas superficiais frias com as águas mais quentes que se encontram por baixo. “Quanto mais fresca for a camada superficial, mais difícil é misturar a água quente“, explicou Wilson.

Mas esta frescura não está totalmente representada nos modelos climáticos mais avançados — uma falha que os cientistas há muito reconhecem como uma importante fonte de incerteza nas projeções da futura subida do nível do mar.

“O impacto da água de fusão glaciar na circulação oceânica está completamente ausente da maioria dos modelos climáticos”, disse Wilson.

Reconciliar as discrepâncias globais

A discrepância entre as temperaturas da superfície do mar observadas e simuladas em torno da Antártida faz parte de um desafio maior para os cientistas e governos que procuram preparar-se para os impactos climáticos.

Os modelos climáticos globais geralmente não simulam com exatidão o arrefecimento observado nos últimos 40 anos no Oceano Antártico e no Pacífico oriental em torno do equador, nem a intensidade do aquecimento observado nos oceanos Índico e Pacífico ocidental.

Existe também uma discrepância entre as simulações e a frequência observada das condições meteorológicas La Niña, definidas pelo facto de o Oceano Pacífico oriental ser mais frio do que a média.

Os fenómenos de aquecimento no Oceano Antártico nos últimos oito anos diminuíram um pouco a tendência de arrefecimento que se regista há 40 anos.

Mas se as tendências da temperatura da superfície do mar em todo o mundo continuarem a assemelhar-se aos padrões das últimas décadas, em vez de se deslocarem para os padrões previstos, isso alteraria as expectativas dos cientistas relativamente a alguns impactos a curto prazo das alterações climáticas.

“Os nossos resultados podem ajudar a reconciliar estas discrepâncias globais”, afirmou Wilson.

Os oceanos absorveram globalmente mais de um quarto do CO2 emitido pelas atividades humanas e mais de 90% do excesso de calor retido no nosso sistema climático pelos gases com efeito de estufa.

“O Oceano Antártico é um dos principais locais onde isso acontece“, explica Zachary Kaufman, estudante de pós-doutoramento em Ciências do Sistema Terrestre e corresponding author do estudo.

Assim, o Oceano Antártico tem uma influência enorme na subida global do nível do mar, na absorção de calor pelos oceanos e no sequestro de carbono, e as temperaturas da sua superfície afetam os padrões climáticos El Niño e La Niña, que influenciam a precipitação em locais tão distantes como a Califórnia.

Uma descoberta surpreendente

Para compreender o mecanismo físico do arrefecimento do Oceano Antártico — e permitir projeções mais fiáveis dos seus impactos futuros no sistema climático da Terra — Wilson e Kaufman propuseram-se determinar em que medida as temperaturas da superfície do mar em torno da Antártida arrefeceram em resposta à presença de água doce mais fria.

Pensámos ingenuamente que não importava exatamente onde se colocava a água doce”, admite Wilson.

Os investigadores ficaram surpreendidos ao descobrir que as temperaturas da superfície são muito mais sensíveis aos fluxos de água doce concentrados ao longo da costa do que aos fluxos que atravessam o oceano sob a forma de chuva.

“A aplicação de água doce perto da margem antártica tem uma maior influência na formação do gelo marinho e no ciclo sazonal da extensão do gelo marinho, o que tem impactos a jusante na temperatura da superfície do mar”, diz Wilson.

“Este foi um resultado surpreendente que estamos ansiosos por explorar mais em trabalhos futuros”, acrescenta o investigador.

“Tem havido algum debate sobre se essa água derretida é suficiente durante o período histórico para realmente importar”, diz Kaufman. “No nosso estudo, mostramos que sim“.

ZAP //

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